Aleilton Fonseca
Silêncio na lírica goiana
Entrevista com Yêda Schmaltz
No último dia 10 de maio de 2003, a poesia
brasileira perdeu uma de suas vozes líricas mais expressivas e
criativas. Morreu Yêda Schmaltz. A poeta, pernambucana de nascimento
e goiana por adoção, faleceu no Hospital da Beneficência Portuguesa,
em São Paulo, após uma complicada cirurgia de aneurisma. Era
professora aposentada da Universidade Federal de Goiás e membro do
Conselho Consultivo da União Brasileira de Escritores, seção goiana.
No ano passado recebeu o título de Cidadã Goiana, concedido pela
Assembléia Legislativa daquele Estado. Estreou com escritora em
1964, com o livro Caminhos de Mim. Recebeu vários prêmios e publicou
cerca de 15 livros. A sua última obra foi a antologia Urucum e
Alfenins: poemas de Goyaz, lançada pela Editora da UFG, em outubro
de 2002. Neste livro, Yêda Schmaltz dá uma relevante contribuição à
poesia goiana e brasileira, pela síntese de sua obra e pelo destaque
temático. A antologia enfeixa 70 poemas, em geral versando sobre
aspectos como cultura, vocabulário, costumes, cidades, gente,
paisagens e rios do estado goiano. Consagrada em Goiás, sua poesia é
ainda pouco conhecida nacionalmente. Em outubro de 2002, ao lançar
seu último livro, a escritora concedeu-nos uma entrevista que
somente agora vem a público.
Aleilton Fonseca - Como foi concebida sua
antologia poética Urucuns e Alfenins?
Yêda Schmaltz - Com a ajuda dos computadores, nós, os poetas,
podemos minimizar nossa habitual falta de racionalidade. Foi o que
sucedeu comigo: diante o monitor, com minha obra em arquivos, passei
a agrupá-la por temas como poesia engajada, poesia erótica, etc., e
havendo a necessidade de criar uma pasta para poesia goiana, percebi
a quantidade de poemas escritos sobre Goiás, ao longo de tantos anos
de carreira literária. Assim nasceu este livro — pensei que o
conjunto de poemas goianos poderia ser uma contribuição importante
para o meu Estado e suas novas gerações, assim como para o país,
tanto sob o ponto de vista literário quanto o histórico.
AF - Como você avalia sua trajetória de poeta,
ao lançar essa antologia?
YS - Devo dizer que tenho dedicado toda a minha vida à
literatura, especialmente ao gênero de poesia. Considero este livro,
mais um livro publicado, o que me enriquece muito; entretanto
deve-se notar que ele mostra apenas uma faceta do meu fazer
literário (poemas feitos sobre Goiás) e acho que ele é mais
importante para o meu Estado do que para mim. Esta antologia possui
um valor muito especial enquanto recupera poemas escritos em meus
primeiros livros que estão absolutamente esgotados, sem previsão de
novas edições.
AF – Ao receber o título de cidadã goiana você
se sente reconhecida e recompensada?
YS - Nasci, por um acaso da vida de meus pais, em Pernambuco,
mas passei a vida toda em Goiás. Aqui me firmei como pessoa e como
artista; aqui construí a minha casa, com tijolos de poesia, e aqui
tive três filhos goianienses. Sou goiana. Sem falsa modéstia, penso
que mereço o título. Na verdade, quem avalia são vocês, os
cientistas da literatura. Devo dizer que tenho dedicado toda a minha
vida à literatura, especialmente ao gênero de poesia. Considero este
livro, mais um livro publicado, o que me enriquece muito; entretanto
deve-se notar que ele mostra apenas uma faceta do meu fazer
literário (poemas feitos sobre Goiás) e acho que ele é mais
importante para o meu Estado do que para mim. Esta antologia possui
um valor muito especial enquanto recupera poemas escritos em meus
primeiros livros que estão absolutamente esgotados, sem previsão de
novas edições.
AF - Ser mulher, professora e poeta no Brasil
é problema ou solução?
YS - Quase toda a minha obra tem como tema fundamental os
problemas da mulher e meu desejo de dignificá-la. Considero que,
para que eu pudesse ter uma carreira literária (e também de
professora universitária), foi preciso realmente enfrentar uma luta
e ser capaz de resistência.Ser mulher intelectual em nosso país é
ainda difícil e acredito que em Goiás seja um pouco mais. Há, por
aqui, um esforço muito grande de inúmeras mulheres, em todas as
áreas, mas o que realmente temos conseguido em atuação objetiva, é
um mínimo, principalmente devido a situação social e política do
Estado de Goiás, notadamente agropecuário, cheirando a esterco, e
trazendo em si, de forma atávica, um machismo rançoso próprio de
coronéis e grandes fazendeiros. A mulher, nesse meio, fica perdida,
sem socorro, subalterna; de modo que fica muito mais difícil
qualquer tipo de atuação feminina em qualquer área cultural no
Estado de Goiás do que, vamos dizer, num Estado como o de São Paulo.
AF - Sua poesia brota da inspiração ou do
trabalho e da vontade de expressar o mundo em versos?
YS - Apesar de trabalhar com o mito, não creio em musas
inspiradoras na acepção de séculos anteriores. Para mim, a arte é
expressão, transpiração. Penso que não se faz o artista, ele possui
um dom inato, que de nada valerá se não houver estudo, trabalho,
exercício, persistência. Fazer o rascunho de uma idéia é simples e
fácil (poiesis); exercer o trabalho artesanal sobre essa mesma idéia
é mais complicado (práxis), e sou uma pessoa muito preocupada com
esta realização mesmo porque já se escreveu sobre tudo! Então, a
minha obra não é o seu assunto, é o meu estilo. Não há Arte onde não
exista a perfeita combinação entre técnica e sentimento, você sabe;
eles devem diluir-se em perfeita combinação. Enfim, acho que a alma
da poesia está na criatividade, na imaginação, na contemporaneidade
e na muita paciência, nenhuma pressa. Creio também que a condição
fundamental da Arte é a livre afirmação da personalidade.
AF - O reconhecimento dos poetas no Brasil é
lento e incerto, já que é preciso "vencer" no eixo-Rio-São Paulo.
Isso está mudando ou ainda é um problema?
YS - Isto continua sendo um problema e não está mudando, pela
simples razão fundamental (dentre outras) de que as grandes Editoras
estão nesse eixo. O que podemos considerar bastante inexplicável é a
curta visão literária e cultural da maioria dos editores que
preferem publicar um livro de valor duvidoso, escrito por carioca ou
paulista, em detrimento de melhores trabalhos realizados por autores
de outros estados. Nisto tudo entra também um problema comercial, a
mídia, que produz fenômenos estranhos como o do já internacional
autor...nem vou dizer o nome.
AF – Como avalia a poesia brasileira hoje?
YS - A poesia está abrindo seu caminho ainda que seja nos
“varais” cariocas ou nos encontros dos Cafés em São Paulo ou nos
Festivais de Poesia Falada realizados em vários Estados brasileiros,
inclusive em Goiás; a poesia se mostra de várias formas, cobrindo o
espaço que perdeu nos jornais, nas revistas e na vida das cidades. A
nova safra de poetas aí está, filha da geração do mimeógrafo: uma
nova geração de poetas que está descobrindo a sua própria linguagem.
Tudo o que é novo e está aí surgindo, é vanguarda; então, os bons
novos poetas são a vanguarda da poesia brasileira. Há grupos
isolados por todo este enorme país, produzindo uma nova poesia
petulante, irônica, lírica, às vezes prosaica, numa linguagem muito
coloquial. Creio que daqui a alguns anos teremos uma visão mais
clara sobre o que está acontecendo agora.
Leia a obra de Yêda Schmaltz
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