Adelaide Lessa
Sobre Salomão
Recebi Salomão, o abraço a
dedicatória e a cópia do artigo de Wilson Martins. Riquezas suas,
riqueza minha. Riqueza do Brasil. Enviei um livro meu ao Djalma
Cavalcante, o senhor Bibliotecário de Salomão. Ele apreciou o poema
DeusMãe, sem ler o restante, cuidando, como deve estar, da
Biblioteca que lhe chega em prosa e verso.
Salomão: comecei a leitura pelas
Notas do Autor, páginas 103 a 113, e fui transferindo informações,
comentários e acréscimos às 53 páginas dos Dez Movimentos, de modo a
saborear "na mesma mesa". Só então, li num só fôlego. Posso estar
errada em minha interpretação, mas comecei sentindo que o Coronel é
Soares Feitosa, o branco, enquanto o Capitão Salomão simboliza a
raça negra. A princípio, Salomão é um negrinho-moleque, afilhado do
branco na religião dos padres judeus, comprado pelo Coronel para
fazer-lhe compra de escravos, só os fortes, só as bonitas. Aos
poucos, Salomão incorpora o pedreiro que levantou a muralha entre a
Cidade Baixa e Cidade Alta, de Salvador; o Aleijadinho, escultor; o
poeta Cruz e Souza (querido!) tuberculoso como o nosso Menino
Antônio Frederico; Jesse Owens, campeão olímpico; Cassius Clay,
campeão de boxe, da mesma raça dos livres.
Começa então o 4º Movimento: Tam!
"Não adejava canto macio porque o momento não era macio." Todo o
gênio de Castro Alves! Maior só o esturro dos Céus e da Terra na 6ª
Feira Santa. "Varrei os mares, tufão!" (Ah, Soares Feitosa, isto
gravado em sua voz!) E onde foram atirados os navios negreiros? No
morro, na favela, nas palafitas, navios-barrancos, pendentes.
Sofrimentos: o massacre dos 111 do
Carandiru. Um preso, de lá, pede um livro de poesia. O menino e o
abutre, ambos famintos, como o do Prozac em vez de pão.
Então, no 7ª Movimento, aparece
Eliézer, 9 anos, podre. Fico aflita: Quem é Eliézer, que eu não
conheço? Releio, ansiosa, sofrida todas as Notas do autor, e nada.
Preciso perguntar a alguém porque as Notas não se referem a ele,
quem é Stanislaw? Eliézer, mestre-escola, sem braços, um mistério.
Chegam os companheiros:
Francisquim, filho do vaqueiro, morto na cidade grande; outro,
Josino, morto pelo PM Rambo em São Paulo; Antônio Rosa, mordomo,
motorista, testemunha da Cantoria pelas Santas Casas, vivo.
8º Movimento: o estudo em dobro:
médico, engenheiro, poeta, romancista, contador, padre, músico,
violeiro, etnólogo, Nobel de Paz, Nobel de Literatura, pugilista
campeão, master de informática. E os Antônios, de ontem e de hoje.
Entre eles, a Voz de Todos, o Menino amado, Cachoeira de Paulo
Afonso, o Navio, os Escravos. Tam, tão amado.
As comemoraçõe{s-z}inhas do
sesquicentenário e as do ano 10.000. "a montanha de livros empurra
os detentos para fora das celas". Antes, Eliézer.
Eliézer, páginas 57 e 58, Eliézer, páginas 92, 95, 96, 98 a 101, o
calvário completo. E quem o carregou nos braços, Soares Feitosa, Tam
humano, da raça dos místicos!
Profundamente comovida, curvo-me
duas vezes, ao Chico José da Raposinha e ao Ésquilo-Cantador de
Eliézer.
Em Fortaleza — or elsewhere — onde
for, seu amor e compreensão hão-de atrair os deuses mais próximos de
Deus.
PS - Como a carta anterior, sobre
a Raposinha (Psi, a Penúltima), esta sobre Salomão foi escrita
subitamente, com emoção e sinceridade; não foi preparada para um
público; só quis, ainda que sem capricho, agradecer o presente
poético que generosamente me enviou.
De sua irmã em Antônio Frederico;
Antônio Fernando Pessoa; Antônio Rodrigues da Silva, meu avô
paterno; Antônio Rodrigues Lessa, meu pai; Antônio Rodrigues Lessa
Filho, meu irmão caçula, portanto, em família, com você Antônio
Francisco José Soares Feitosa.
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Salomão
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