Da generosidade dos leitores
Poeta Soares Feitosa, Recebi há já um tempo os seus “papé”, algumas obrigações, porém, retardaram-me o envio deste comentário. Fantásticos os seus poemas, criam uma espécie de imagem, feita, tecida palavra por palavra, e que, ao menor toque, parece desfazer-se. Aquele “O Prisioneiro”, principalmente, chamou-me a atenção. A simples frase, “era o chamamento”, cria um espaço escuro e criativo, do qual cada leitor tira a sua conclusão, ou “desconclusão”. Maravilhoso. Ângelo Bruno
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Ao gosto da verdadeira poesia, ou da arte poética, Soares Feitosa, inventor solitário e consciente de sua missão na literatura, recria seu universo poético do nada, como Deus criou o mundo, onde nada falta – da alegria da vida à tristeza da morte – extremos onde flore a felicidade e o amor. Com o conhecimento prévio de todas as coisas, do que existe e do que inexiste, imprime ao texto poético uma dinâmica singular. Seu trabalho em constante mutação enriquece sua poesia e a distancia dos poetas de sua geração. A palavra necessária, em seu emprego adequado, corrige as distorções e os ledos enganos daqueles que pensam que fazer poesia é arrumar colunas de palavras como quem faz uma construção para nela se proteger da intempérie. Não é esta a segurança que SF procura, ante a certeza e a dúvida de que tudo que nos corre o perigo de desabamento e da destruição, menos o amor. Do amor premonitório. No inabitável, no inacessível, no incomensurável onde as matérias da alma humana se perpetuam para cantar esse imenso amor, pediu o nosso poeta uma inspiração divina, e de joelhos, sim, e iluminado, profeta de fronte erguida para o céu, contemplou a estrela mais brilhante, ou cá na terra, de ouvido atento, o chilrear dos pássaros, a buscar o trino mais sonoro e mais doce para aproximar-se do regato de sua deusa-amante. Poeta marcadamente cristão, mas também com as nódoas do pecado impressas na pele, ei-lo dele cativo e escravo a inspirar penas e cuidados, próprios dos amantes apaixonados, como dizem Camões e Pessoa. Mas SF precisa da forma clássica do verso livre, moderno, para alcançar o objetivo desejado – decantar o amor que lhe fere o peito. E assim armado de metáforas audaciosas, símbolos e signos significantes, senta-se à sua escrivaninha e escreve os versos mais belos que possa imaginar. Esse descobridor de imagens e de ritmos estranhos, na musicalidade dos sons e das cores, levanta o simbolismo de sua escrita e reconstrói nossa poemática, dando à mesma um sentido mitológico universal, tal Dante e Virgílio, Camões e Pessoa. Soares mergulha na essência da história, e descobre o sentido do verdadeiro e inatingível amor-amor eterno dos mitos que cria de sua fecunda imaginação e que a nada é comparado, posto que é do encanto de sua mente prodigiosa que se origina e o toma por inteiro, corpo e alma, floresce, vive, cresce, se expande ao vento, abarca o mundo e o alanceia. Este amor está nas páginas dos dois últimos poemas que escreveu, recentíssimos, e que trazem os títulos NUNCA DIREI QUE TE AMO e O PRISIONEIRO, obras primas da literatura da língua portuguesa. Falar é fácil, inscrever esses poemas na mente do leitor é que é difícil, porque o inefável jamais se apreende pelo sentidos, mas pelo sonhos. Para que o paciente leitor não saia desta resenha de mãos vazias, tentaremos mostrar o que não se mostra, dizer o que não se diz, porque as composições de Soares Feitosa as composições de Soares Feitosa de que já falamos acima são para senti-las. Sugestões de leitura que cobram do leitor toda atenção e sensibilidade ao melhor entendimento de seus versos. Veja no NUNCA DIREI QUE TE AMO: Sem nenhum aviso,/as sardas de um rosto, vieram as sardas/ e eram notícia de uma navegação morena;/ uma voz rouquenha, como se abafasse/ o grito súbito sobre este porto/ de nenhum aviso. Ficamos só nesta primeira mostra, pois já nos assalta o desejo de transcrever o poema por inteiro, tal o fascínio, o sortilégio e magia de que estamos possuídos. Por que o dilema? O que nosso poeta esconder ou querer evitar seu idílio amoroso? Talvez seja escusável dizer do secreto ciúme que permeia a beleza de sua amada, já que essa traz sem nenhum aviso as sardas de um rosto, que eram notícia de "uma navegação morena". Veja bem o leitor a originalidade da metáfora. E poeta continua em seu mistério e em sua secreta confissão. Deixemos o intérprete em suspense, perdido nesse labirinto de emoções, mesmo porque não podemos desvendar o mistério da transcendência de seus versos. Abandonemos o poeta que não nos abandona e passemos ao outro — talvez o mais belo dos dois ou quando já escreveu Soares Feitosa desde o seu livro de estreia, Psi, a penúltima. Não sei nem ninguém saberá como ele escreveu O Prisioneiro, poema do que nos ocupamos agora, não parece obra do ser humano, tamanha a inefável beleza que porta, o que nos faz lembrar Rainer Maria Rilke, quando diz que alguns versos dos seus foram ditados por um anjo": Vamos a um trecho de O Prisioneiro: Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório./ [...] Decretei a prisão imediata de todos os carrascos./ Mantive a prisioneira sob algemas,/ que ninguém é louco de manter/ tesoiro tão rico ao léu;/ mas, prudência maior,/ soltei-lhe os braços e mudei/ as algemas aos meus próprios pulsos. Pressupõe-se que esta peça a que nenhuma outra iguala em nossa literatura, tenha sido mesmo "ditada", o que nos leva a crer, verdadeiramente, que algum sopro divino conduziu o pensamento no poetam em estado de graça. O poema acontece num clima sobrenatural, num diálogo consigo mesmo, num prisma de encanto. Não revelaremos o epílogo, nem saberíamos como fazê-lo. Cabe ao leitor inteligente e sensível imaginar, somente, imaginar, o desfecho de tamanho enigma. JAP. Nota do Editor: Nunca direi que te amo - basta clicar
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DAVID S. ALMEIDA: Caro editor, antes gostaria de parabenizá-lo pelo excelente trabalho que produz, tenho 24 anos e não me canso de "viajar" nele prazerosamente. O fato é que "me apaixonei pela culpa". Calma, vou explicar melhor, na verdade sensibilizei-me com "O Prisioneiro". Belíssimo poema! Foi escrito na noite de 11/12/1999 em Fortaleza - quisera eu estar lá agora. Tempo e lugar. Mas, já que não me atreveria a questioná-lo sobre sua musa inspiradora naquela noite daquela praia… Apenas peço que me informe o nome do autor do quadro que ilustra o link que, no site, leva ao "O Prisioneiro". Perdoe-me se sou inconveniente quando persisto. O fato é que estou "prisioneiro" da arte e preciso de um advogado poeta! "A culpa", aquela ilustração iluminada pelo texto de "O Prisioneiro" - no Jornal de Poesia, louvado seja!! - realmente me fascina. A combinação do texto e da figura provocam em mim rara sinestesia. Por isso gostaria de potencializar tal sentimento atribuindo-lhe significado ainda maior com uma "tattoo". O termo "tattoo" é uma prosopopeia, isto é, representa o som - "tau-tau-tau…" - produzido pelas pequenas varinhas de bambu usadas por tribais para marcar definitivamente o corpo do seus. Estranho ritual! Será apenas mais uma tatuagem para os outros, mas, pra mim, terá profundo significado. Com isso carregarei comigo a culpa, consciente de sua existência e profundidade; na memória levarei comigo, pela eternidade, o significado de "ser prisioneiro", e, assim, terei elementos para valorizar suficientemente a liberdade a ponto de poder cumprir o meu mister. Serei - com a graça de Deus - representante do Ministério Público, uma instituição humana que traz ínsitas virtudes que sei, posso cultivar. Mas não sem arte! Meu problema é o Direito, mais uma vez (ingrata ciência!). Não me sentiria bem em reproduzir em meu corpo arte alheia sem a aquiescência do legítimo autor, salvo se se tratasse de obra de domínio publico, ou seja, "mors ultima linea rerum est". Espero que tenha me feito compreender! Aliás, conheço o "Jornal de Poesia" há mais ou menos dois anos e nunca havia atentado para a sua profissão, advogado tributarista. Sempre lhe imaginei poeta! Mas saiba que além de todo minha admiração você goza, agora, de todo o meu respeito. Tenho perfeita consciência de quão difícil é perlustrar com êxito tais mares. O leviatã (ou Estado) é um poderoso guerreiro, um astuto inimigo. Rezo para que sejas vitorioso em suas batalhas!!! Assim me sinto muito mais à vontade lhe escrevendo. No primeiro e-mail não lhe revelei minha grande paixão, meu eterno desafio, o Direito e seus consectários: a ética, a moral, as virtudes, a religião… grandioso conhecimento! Peço a Deus diuturnamente para que me faça capaz de alcançar-lhe… Apenas peço amigo poeta, isso é verdadeiramente importante pra mim, que você me responda e dê notícias do autor do quadro, se está vivo ou morto, diga-me, caso esteja vivo, com base no conhecimento que tens de teu amigo, se este se importaria com o fim que darei a seu trabalho… e, se isto tudo não for possível, escreva-me e diga-me um pouco mais sobre a culpa. Com imenso prazer, David Nota do Editor: O quadro (ou foto), com o título A Culpa, recebi-o de uma leitora, poeta e amiga do JP, mas quem disse que consigo lembrar? Eis a prova provado de que estou mesmo velho, cansado, esquecido e zonzo. Foi uma visão posterior ao poema. Disse-me: «Ei-la, é Ela!» Lanço o desafio: o autor(a) de A Culpa - quem? O prêmio? Abraço e livro novo.
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Der Häftling — Soares Feitosa —
Man brachte mir die Gefangene zum Verhör. Ich verweigerte mich den Fragen, denn die Antworten
— Frag, was du willst.
Sie stammelte nur:
Wir belogen uns,
Ich befahl die umgehende Inhaftierung aller
Henker.
doch, mit noch größerer
Umsicht,
Sie —
Ich liess zu:
— Meine? Ihre?
Das war der Ruf.
Fortaleza, nachts, 11.12.1999 Marcel Vejmelka
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