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O Prisioneiro

— Soares Feitosa —


Deutsch

Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório.

 

Recusei-me às perguntas porque as respostas
estavam ao passado. Sequer o futuro 
se lhe indagou; que também recusou 
perguntar, quando os carrascos lhe disseram:
A culpa

 

                         — Pergunte o que quiser.
 

Ela apenas balbuciou: 


                         — Eu sei.

 

Mentíamo-nos, 
porque jamais nos víramos.

 

Decretei a prisão imediata de todos os carrascos.
 

Mantive a prisioneira sob algemas, 
que ninguém é louco de manter 
tesoiro tão rico ao léu;

mas, prudência maior, 
soltei-lhe os braços e mudei as algemas

aos meus próprios pulsos.

Ela — 
os gestos diziam que me seriam 
sob afagos.

 

Deixei:
apenas que os olhos, os cabelos úmidos

 

                                   — Os meus? Os dela?

 

          Era o chamamento.
 
 
 

Fortaleza, noite, 11.12.1999

 

 

 

Da generosidade dos leitores

Ângelo Bruno

David S. Almeida

José Alcides Pinto

 

 

 

 

 

 

 

Sent: Thursday, March 17, 2005 3:29 PM
Subject: Os "papé"

 

Poeta Soares Feitosa,

Recebi há já um tempo os seus “papé”, algumas obrigações, porém, retardaram-me o envio deste comentário. Fantásticos os seus poemas, criam uma espécie de imagem, feita, tecida palavra por palavra, e que, ao menor toque, parece desfazer-se.

Aquele “O Prisioneiro”, principalmente, chamou-me a atenção. A simples frase, “era o chamamento”, cria um espaço escuro e criativo, do qual cada leitor tira a sua conclusão, ou “desconclusão”.

Maravilhoso.

Ângelo Bruno

 

 

 

 

 

 

 

JOSÉ ALCIDES PINTO

 

Ao gosto da verdadeira poesia, ou da arte poética, Soares Feitosa, inventor solitário e consciente de sua missão na literatura, recria seu universo poético do nada, como Deus criou o mundo, onde nada falta – da alegria da vida à tristeza da morte – extremos onde flore a felicidade e o amor.

Com o conhecimento prévio de todas as coisas, do que existe e do que inexiste, imprime ao texto poético uma dinâmica singular. Seu trabalho em constante mutação enriquece sua poesia e a distancia dos poetas de sua geração. A palavra necessária, em seu emprego adequado, corrige as distorções e os ledos enganos daqueles que pensam que fazer poesia é arrumar colunas de palavras como quem faz uma construção para nela se proteger da intempérie. Não é esta a segurança que SF procura, ante a certeza e a dúvida de que tudo que nos corre o perigo de desabamento e da destruição, menos o amor. 

Do amor premonitório. No inabitável, no inacessível, no incomensurável onde as matérias da alma humana se perpetuam para cantar esse imenso amor, pediu o nosso poeta uma inspiração divina, e de joelhos, sim, e iluminado, profeta de fronte erguida para o céu, contemplou a estrela mais brilhante, ou cá na terra, de ouvido atento, o chilrear dos pássaros, a buscar o trino mais sonoro e mais doce para aproximar-se do regato de sua deusa-amante.

Poeta marcadamente cristão, mas também com as nódoas do pecado impressas na pele, ei-lo dele cativo e escravo a inspirar penas e cuidados, próprios dos amantes apaixonados, como dizem Camões e Pessoa. Mas SF precisa da forma clássica do verso livre, moderno, para alcançar o objetivo desejado – decantar o amor que lhe fere o peito. E assim armado de metáforas audaciosas, símbolos e signos significantes, senta-se à sua escrivaninha e escreve os versos mais belos que possa imaginar.

Esse descobridor de imagens e de ritmos estranhos, na musicalidade dos sons e das cores, levanta o simbolismo de sua escrita e reconstrói nossa poemática, dando à mesma um sentido mitológico universal, tal Dante e Virgílio, Camões e Pessoa.

Soares mergulha na essência da história, e descobre o sentido do verdadeiro e inatingível amor-amor eterno dos mitos que cria de sua fecunda imaginação e que a nada é comparado, posto que é do encanto de sua mente prodigiosa que se origina e o toma por inteiro, corpo e alma, floresce, vive, cresce, se expande ao vento, abarca o mundo e o alanceia.

Este amor está nas páginas dos dois últimos poemas que escreveu, recentíssimos, e que trazem os títulos NUNCA DIREI QUE TE AMO e O PRISIONEIRO, obras primas da literatura da língua portuguesa. Falar é fácil, inscrever esses poemas na mente do leitor é que é difícil, porque o inefável jamais se apreende pelo sentidos, mas pelo sonhos.

Para que o paciente leitor não saia desta resenha de mãos vazias, tentaremos mostrar o que não se mostra, dizer o que não se diz, porque as composições de Soares Feitosa as composições de Soares Feitosa de que já falamos acima são para senti-las. Sugestões de leitura que cobram do leitor toda atenção e sensibilidade ao melhor entendimento de seus versos. Veja no NUNCA DIREI QUE TE AMO: Sem nenhum aviso,/as sardas de um rosto, vieram as sardas/ e eram notícia de uma navegação morena;/ uma voz rouquenha, como se abafasse/ o grito súbito sobre este porto/ de nenhum aviso.

Ficamos só nesta primeira mostra, pois já nos assalta o desejo de transcrever o poema por inteiro, tal o fascínio, o sortilégio e magia de que estamos possuídos. Por que o dilema? O que nosso poeta esconder ou querer evitar seu idílio amoroso? Talvez seja escusável dizer do secreto ciúme que permeia a beleza de sua amada, já que essa traz sem nenhum aviso as sardas de um rosto, que eram notícia de "uma navegação morena". Veja bem o leitor a originalidade da metáfora. E poeta continua em seu mistério e em sua secreta confissão. Deixemos o intérprete em suspense, perdido nesse labirinto de emoções, mesmo porque não podemos desvendar o mistério da transcendência de seus versos. Abandonemos o poeta que não nos abandona e passemos ao outro — talvez o mais belo dos dois ou quando já escreveu Soares Feitosa desde o seu livro de estreia, Psi, a penúltima.

Não sei nem ninguém saberá como ele escreveu O Prisioneiro, poema do que nos ocupamos agora, não parece obra do ser humano, tamanha a inefável beleza que porta, o que nos faz lembrar Rainer Maria Rilke, quando diz que alguns versos dos seus foram ditados por um anjo": Vamos a um trecho de O Prisioneiro: Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório./ [...] Decretei a prisão imediata de todos os carrascos./ Mantive a prisioneira sob algemas,/ que ninguém é louco de manter/ tesoiro tão rico ao léu;/ mas, prudência maior,/ soltei-lhe os braços e mudei/ as algemas aos meus próprios pulsos.

Pressupõe-se que esta peça a que nenhuma outra iguala em nossa literatura, tenha sido mesmo "ditada", o que nos leva a crer, verdadeiramente, que algum sopro divino conduziu o pensamento no poetam em estado de graça. O poema acontece num clima sobrenatural, num diálogo consigo mesmo, num prisma de encanto.

Não revelaremos o epílogo, nem saberíamos como fazê-lo. Cabe ao leitor inteligente e sensível imaginar, somente, imaginar, o desfecho de tamanho enigma. JAP.

Nota do Editor:

Nunca direi que te amo - basta clicar

 

 

Página inicial do poeta Alcides

 

 

 

 

 

DAVID S. ALMEIDA: Caro editor, antes gostaria de parabenizá-lo pelo excelente trabalho que produz, tenho 24 anos e não me canso de "viajar" nele prazerosamente.

O fato é que "me apaixonei pela culpa". Calma, vou explicar melhor, na verdade sensibilizei-me com "O Prisioneiro". Belíssimo poema! Foi escrito na noite de 11/12/1999 em Fortaleza - quisera eu estar lá agora. Tempo e lugar. Mas, já que não me atreveria a questioná-lo sobre sua musa inspiradora naquela noite daquela praia… Apenas peço que me informe o nome do autor do quadro que ilustra o link que, no site, leva ao "O Prisioneiro".

Perdoe-me se sou inconveniente quando persisto. O fato é que estou "prisioneiro" da arte e preciso de um advogado poeta!

"A culpa", aquela ilustração iluminada pelo texto de "O Prisioneiro" - no Jornal de Poesia, louvado seja!! - realmente me fascina. A combinação do texto e da figura provocam em mim rara sinestesia.

Por isso gostaria de potencializar tal sentimento atribuindo-lhe significado ainda maior com uma "tattoo".

O termo "tattoo" é uma prosopopeia, isto é, representa o som - "tau-tau-tau…" - produzido pelas pequenas varinhas de bambu usadas por tribais para marcar definitivamente o corpo do seus. Estranho ritual!

Será apenas mais uma tatuagem para os outros, mas, pra mim, terá profundo significado. Com isso carregarei comigo a culpa, consciente de sua existência e profundidade; na memória levarei comigo, pela eternidade, o significado de "ser prisioneiro", e, assim, terei elementos para valorizar suficientemente a liberdade a ponto de poder cumprir o meu mister. Serei - com a graça de Deus - representante do Ministério Público, uma instituição humana que traz ínsitas virtudes que sei, posso cultivar. Mas não sem arte! Meu problema é o Direito, mais uma vez (ingrata ciência!).

Não me sentiria bem em reproduzir em meu corpo arte alheia sem a aquiescência do legítimo autor, salvo se se tratasse de obra de domínio publico, ou seja, "mors ultima linea rerum est". Espero que tenha me feito compreender!

Aliás, conheço o "Jornal de Poesia" há mais ou menos dois anos e nunca havia atentado para a sua profissão, advogado tributarista. Sempre lhe imaginei poeta! Mas saiba que além de todo minha admiração você goza, agora, de todo o meu respeito. Tenho perfeita consciência de quão difícil é perlustrar com êxito tais mares. O leviatã (ou Estado) é um poderoso guerreiro, um astuto inimigo. Rezo para que sejas vitorioso em suas batalhas!!!

Assim me sinto muito mais à vontade lhe escrevendo. No primeiro e-mail não lhe revelei minha grande paixão, meu eterno desafio, o Direito e seus consectários: a ética, a moral, as virtudes, a religião… grandioso conhecimento! Peço a Deus diuturnamente para que me faça capaz de alcançar-lhe…

Apenas peço amigo poeta, isso é verdadeiramente importante pra mim, que você me responda e dê notícias do autor do quadro, se está vivo ou morto, diga-me, caso esteja vivo, com base no conhecimento que tens de teu amigo, se este se importaria com o fim que darei a seu trabalho… e, se isto tudo não for possível, escreva-me e diga-me um pouco mais sobre a culpa.

Com imenso prazer, David

Nota do Editor: O quadro (ou foto), com o título A Culpa, recebi-o de uma leitora, poeta e amiga do JP, mas quem disse que consigo lembrar? Eis a prova provado de que estou mesmo velho, cansado, esquecido e zonzo.

Foi uma visão posterior ao poema. Disse-me: «Ei-la, é Ela!» Lanço o desafio: o autor(a) de A Culpa - quem? O prêmio? Abraço e livro novo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Der Häftling

— Soares Feitosa — 


 

Portugiesisch

Man brachte mir die Gefangene zum Verhör. 

Ich verweigerte mich den Fragen, denn die Antworten
richteten sich an die Vergangenheit. Auch nach der Zukunft
fragte man sie nicht; die sich ebenfalls weigerte
A culpa
zu fragen, als die Henker ihr sagten: 

                                             — Frag, was du willst. 
 

Sie stammelte nur: 
                                             — Ich weiß. 

Wir belogen uns, 
denn wir hatten uns nie gesehen. 

Ich befahl die umgehende Inhaftierung aller Henker. 
Ich liess die Gefangene in Handschellen, 
denn niemand ist so verrückt, und lässt 
einen so wertvollen Schatz frei ziehen; 

doch, mit noch größerer Umsicht,
befreite ich ihre Arme und legte
die Handschellen um meine eigenen Handgelenke. 

Sie — 
die Gesten sagten mir, dass sie 
Zärtlichkeiten für mich sein würden. 

         Ich liess zu: 
         dass nur die Augen, die nassen Haare: 

                                            — Meine? Ihre? 

                   Das war der Ruf. 
 
 

                                              Fortaleza, nachts, 11.12.1999