Ana Lúcia Vasconcelos
Jose Aloise Bahia:
colecionando arte e promovendo cultura
Mineiro de Bambuí, José Aloise Bahia,
44, jornalista, escritor, poeta e colecionador de artes plásticas, é
natural da cidade de Bambuí, região do Alto São Francisco, Estado de
Minas Gerais, vive atualmente em Belo Horizonte.
Extremamente fértil na sua produção poética, literária e na área de
promoção de eventos de cultura, arte e poesia além de militante de
causas sociais, José Aloise fez economia na UFMG é graduado em
comunicação social e pós-graduado em jornalismo contemporâneo (UNI-BH).
Tem ensaios, críticas, artigos, crônicas, resenhas e poesias
publicadas em diversos jornais, revistas e sites de literatura, arte
e imprensa na Internet.
Além disso, é pesquisador no campo da
comunicação social e interfaces com a literatura, política,
estética, imagem e cultura de massa. Estudioso de História das Artes
e colecionador de artes plásticas é sócio fundador e diretor de
jornalismo cultural da ALIPOL - Associação Internacional de
Literaturas de Língua Portuguesa e Outras Linguagens.
É colunista, articulista e
correspondente em Minas Gerais do site de literatura e arte
Cronópios (São Paulo/SP). Autor de Pavios Curtos (poesia,
anomelivros, 2004), participou da antologia O Achamento de Portugal
(poesia, org. Wilmar Silva, anomelivros, 2005), que reuniu 40 poetas
portugueses e mineiros contemporâneos.
Nesta entrevista Jose Aloise Bahia
fala da sua formação: como começou a escrever e se interessar pelas
artes plásticas, conta sua experiência, visão de cultura e
comunicação, fala de algumas viagens e projetos que desenvolve com
poetas e professores de literatura em Minas Gerais e outros paises
do mundo, especialmente Portugal.
P - Vamos começar do começo: como se pronuncia
teu nome – Aloise - com acento no O, ou Aloise com acento no I, uma
pronúncia mais afrancesada? Digamos que este nome é meio raro não?
Jose Aloise - O certo na língua portuguesa é Alóise (tonicidade no
o). O nome José Aloise é de um médico - José Aloise Ragone -, de
origem franco/austríaca, que realizou o primeiro parto cesariana de
sua vida como médico, em 1961, na minha falecida mãe, em Bambuí...
P. Certo! Sei que você nasceu em Bambuí, que
fica exatamente onde? Em que região de Minas? Até quando ficou lá,
até que idade?
José Aloise – Bambuí fica no Alto São Francisco, Oeste de Minas
Gerais, uma região agropecuária, bem próxima da nascente do rio São
Francisco (Serra da Canastra). Morei na cidade até os 17,18 anos,
depois, fui para Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
P - Em Uberlândia voce estudava, trabalhava?
José Aloise - Fiquei mais de três anos em Uberlândia, de 1978 até
1981. Estudava e trabalhava. Tinha que me virar. Aproveitei uma
pequena experiência da juventude em minha cidade natal, na Gazeta de
Bambuí e Jornal de Bambuí, e encarei um bico no setor de publicidade
de O Triângulo, um jornal uberlandense, maior, regional com tiragem
diária. Em seguida recebi um convite do Ivan Santos, editor-geral da
Tribuna de Minas, um concorrente direto, para ser repórter de
esportes. Acabei virando editor em menos de seis meses. Trabalhei
mais de dois anos na Tribuna de Minas. Infelizmente, o jornal
quebrou. Fechou as portas. Parti para Belo Horizonte.
P - E então continuou sua carreira em Belo
Horizonte? Conte por favor. Você tem formação em economia? E onde
entram as comunicações nesta história?
Jose Aloise - Sim, tenho em economia. Chegando em Belo Horizonte fui
trabalhar no antigo Banco Agrimisa (Banco Agrícola de Minas Gerais).
Passei no vestibular para economia (UFMG). Estudava de manhã e
noite. Trabalhava meio-expediente. Até que recebi um convite do
economista Carlos Bortollus, para um cargo no setor de Câmbio do
BEMGE (Banco do estado de Minas Gerais). Fiquei mais de 15 anos na
área, trabalhando em tempo integral. Com mais de 30 anos prestei um
novo vestibular para comunicação social na UNI-BH. Estudava a noite.
Em 2001/2002, terminei uma pós-graduação em jornalismo contemporâneo
(UNI-BH). Após trabalhar em banco, fui produtor, editor e
apresentador do programa semanal “Fala Comunidade” na FM Lagoinha,
uma rádio escola/educativa/comunitária, ligada a UNI-BH. Bem antes,
fundei uma empresa de assessoria de comunicação social com dois
amigos - um publicitário e outro da área de relações públicas. Era
um trabalho no âmbito da imprensa interna, externa e marketing.
Assessorávamos prefeituras, partidos e campanhas políticas,
sindicatos, cooperativas, empresas e pessoas. Fazíamos coberturas,
jornais, revistas, impressos, criação de imagem, etc. Ficamos juntos
até o ano de 2002.
P - Como entrou em contato com as artes
plásticas? Bambuí é uma pequena segundo me disse. Mas digamos, o
ambiente familiar era propício para este seu interesse pela arte?
Jose Aloise - Hoje, Bambuí tem uns 25 mil habitantes. Uma cidade
pequena. Eu sempre me virei sozinho, tanto nas minhas curiosidades
artísticas, literárias quanto na vida em geral. A minha família é
muito simples e religiosa, apesar de avô paterno, político e
professor, e pai padeiro, funcionário público do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais. Na verdade, o trabalho, a educação e a
vida prática sempre foram valorizados na família. A questão das
artes plásticas, - e olha que já fiz muitas reflexões para saber de
onde veio este gosto para a estética -, fatalmente, provém do lado
materno. Pois, a minha falecida mãe era costureira. Uma pessoa bem
independente, que se virava junto com o meu pai para tratar da
família. Tinha um gosto incomum em relação às formas, combinações de
cores e geometria. Por um lado, era uma fauvista...
P - Vamos esclarecer aqui este movimento das
artes plásticas para os leitores desavisados?
José Aloise - Bem, o fauvismo foi a primeira vanguarda do Século XX
nas artes plásticas, mas seus membros não eram tão organizados. O
movimento se constituiu em filiações soltas de artistas, amigos e
estudiosos em artes plásticas. Tudo começou com o Salão de Outono,
em Paris no ano de 1903. Um grupo de artistas expôs quadros de uma
maneira bem chocante. A tendência de Matisse, Braque, André Derain e
seus associados fauve (batizados pelo crítico Luis Vauxcelles de los
fauves = as feras) dialogavam com a arte primitiva africana,
empregando manchas de cores fortes e vibrantes, bem realçadas em
pinceladas mais soltas. Creio que Gauguin, Van Gogh e outros
pós-impressionistas também exerceram uma forte influência nos fauves.
Como falava Derain sobre o fauvismo: “As cores se tornaram cargas de
dinamites. Elas deveriam explodir em luzes. Tudo poderia ser elevado
acima do real”. Interessante que os fauves tinham certas atitudes
simbolistas (outra influência). A arte deveria evocar uma espécie de
sensação emocional por meio da forma e da cor, para isso teria que
persistir uma vitalidade figurativa que exigia cromaticidades e
linhas que alargassem a liberdade para mover com velocidade o pincel
em direção a uma certa informalidade. O legado dos fauves foi um
ambiente de liberdade criativo, um conjunto salutar para criar luz,
espaço, movimento e profundidade. Nesse sentido Apollinaire observou
que o fauvismo era “uma espécie de introdução ao cubismo”. Mais aí é
uma outra história... Na pintura brasileira e mineira contemporânea
tivemos um grande pintor, falecido em 1999, com forte influência do
fauvismo, o Inimá de Paula.
P - Certo, e continuando agora com a história
da sua mãe....
José Aloise - A dona Lázara usava sempre cores fortes, ousadas,
espontâneas, tropicais e vivas nas roupas que confeccionava para as
pessoas. E, tenho certeza, se estivesse viva, adoraria conhecer e
escolheria os trabalhos, imagens e esculturas de Matisse, Vlaminck,
Mondrian e Franz Weismann. Quando pequeno, eu ficava observando os
seus atos de escolhas em relação às cores, tecidos, roupas, retalhos
e conversas com os clientes. Engraçado, a minha visão estética e
gosto pelas artes plásticas e o mundo das comunicações sociais vêm
de uma mãe costureira e um pai trabalhador, leitor voraz de jornais.
Hoje, o desdobramento da educação recebida, perpassa toda a reflexão
estética e textos que eu escrevo, seja na forma de ensaio, poesia
visual, artigo, crônica e ponderações na área de comunicação. Gosto
muito das idéias do francês Michel Mafessoli, que trabalha a
estética como um vetor comunal, um vetor de comunicação entre as
pessoas. Um caminho bem diferente da
lingüística/semiologia/semiótica, por exemplo, sem é claro, tirar os
méritos, legados e instrumentos de análises da linguagem, - sejam a
escrita de um discurso formado por palavra ou imagético -, de um
Jakobson, Saussure, Peirce, Barthes, Eco, etc.
P - Desde quando sentiu que era um escritor -
ou seja, escreve desde quando? Já gostava de ler e de artes
plásticas desde muito cedo, imagino? Começou a escrever com quantos
anos?
Jose Aloise - Sim. Quando criança era muito “especula”. Bem curioso.
No campo simbólico, deve ser uma característica da conjunção natal
de Gêmeos com o ascendente em Leão e a lua em Touro. Uma trindade
estética... Eu me recordo de um diário que tinha com 12 anos de
idade. Escrevia e escondia debaixo da cama. Até que um dia uma irmã
descobriu o caderninho. Espalhou para a família que eu tinha um
diário. Confesso que fiquei “puto da vida”. Mas, continuei. Na
adolescência, já escrevia os primeiros poemas, publicados nos
jornais da minha cidade natal, Bambuí. Poemas simples e importantes
da juventude.
P. O escritor Ronaldo Cagiano fez uma resenha
crítica de Pavios Curtos que saiu no Jornal do Brasil (RJ, Caderno
B, Livro, 16/9de 2005), mas que eu li no virtual Jornal de Poesia
(Soares Feitosa, Fortaleza, CE - de outubro de 2005) onde afirma que
voce burila a linguagem sem abandonar a densidade e que faz escalas
na tradição e na vanguarda realizando uma espécie de ponte entre o
passado e a modernidade. Diz que no seu livro o leitor vai encontrar
desde versos alexandrinos, passando pelo verso livre, influência de
Fernando Pessoa, microtextos em prosa até exercícios de hai-kais e
alguns influxos concretistas. Ou seja, ele considera que você faz
uma poética híbrida que tanto contempla a ruptura formal quanto é
presa ao cânone. Gostaria que falasse dessa sua versatilidade, esta,
digamos, mobilidade que voce exercita entre os vários estilos.
Jose Aloise - Pavios Curtos é uma experiência que junta leituras e a
feitura de poesias do passado e do presente. Tem poemas de mais de
dez anos atrás. É híbrida neste deslocamento temporal, e, também, na
linguagem. “São diálogos plurais, que buscam um certo ideal do poeta
contemporâneo, aquele que escreve sobre o seu tempo para aqueles que
vivem esse mesmo tempo”, como observa o jornalista e poeta Alécio
Cunha (jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, MG, 17mar2005). O tempo,
através da imagem - a temática fundamental do livro - dialogando com
uma certa tradição literária: com Apollinaire, Rimbaud, Baudelaire,
Drummond, Bandeira, Mário Faustino, o concretismo e mais alguns -
até com a delicada poesia escatológica do Roberto Piva -, pois nessa
inquietude contemporânea ainda acredito que tudo ou nada brota de
alguma coisa, brota de uma fonte e diálogo com o passado. Temos que
aceitar, exercer e dialogar com certas influências recebidas dentro
da procura de uma certa originalidade. E aí vou fazendo o meu
caminho...
P - E a capa do livro de quem é?
Jose Aloise –A idéia da capa, tonalidade da cor e disposição de
Pavios Curtos é minha, do editor e poeta Wilmar Silva (anomelivros)
e Píndaro Lutero, sobre desenho da série Mistérios Gozosos do
artista plástico mineiro Miguel Gontijo. Aliás, esse desenho faz
parte da minha coleção bem como outros e algumas acrílicas sobre
madeira também do Miguel Gontijo.
P - O poeta Rogério Salgado também escreveu
sobre Pavios Curtos no jornal Correio do Sul (Varginha, MG, em julho
de 2005) que igualmente li no Jornal de Poesia, onde afirma ter
percebido que sua poesia tem uma forte carga emotiva, apesar de num
primeiro momento ter considerado um pouco técnica. E divide a sua
poesia em cinco partes - a primeira lírica, a segunda de poesia
prosaica, a terceira, poemas concretos, a quarta, feita de imagens -
num trabalho burilado, tendendo à técnica reflexiva e a quinta - não
muito definida, mas com poemas bem estruturados entre si. Também
aponta que em Pavios Curtos transparecem recursos de uma
predisposição antológica. Fale sobre essa análise. Você concorda com
ela? Enfim acredita mesmo que misture todas essas técnicas?
Jose Aloise - O livro não deixa de ser uma antologia, pois somente
agora com mais de quarenta anos tive a coragem e a ousadia
necessárias para desengavetar determinados textos. Pavios Curtos é
dividido em cinco partes. No poema Pavios, permeia um tipo de imagem
mais lírica, que pende para uma determinada parábola no tempo. Na
segunda parte, mais prosaica, intitulada Curtos, eu crio interfaces
em torno de passagens e citações espontâneas de alguns autores e
artistas plásticos que gosto – não deixa também de ter uma certa
afinidade com o cinema, por exemplo, com Fellini. Talvez a parte dos
Concretos tenha incomodado um pouco o Rogério Salgado, que é um
grande poeta, que dialoga mais com a poesia lírica de um Drummond e
a modernidade de um Bandeira. O viés Concreto tangencia e muito as
obras de dois grandes escultores neoconcretistas brasileiros, quiçá
do mundo: Franz Weismann e Amilcar de Castro. A idéia do triângulo
em suas dobras de Amilcar de Castro e o vazio vital e em expansão de
Weismann deixam marcas e influências. Na parte de Imagens, o cerne
do livro, é uma travessia reflexiva sobre a obscuridade do mundo em
que vivemos, caracterizado pelo excesso de imagens. Num bate-papo
com o Duda Mendonça (jornal O Tempo, Belo Horizonte, MG, 17Mar2005)
eu chego a seguinte conclusão: “No fundo, o que importa é que o
mundo contemporâneo tem passado por cima daquilo que vemos. Elas –
as imagens externas das TVs, computadores, jornais, revistas, etc. –
passam por cima das nossas próprias memórias e nos relegam da
contemplação”. Tudo está muito rápido. Fica difícil dar um stop, dar
uma parada para contemplar as coisas. Interessante lembrar aquela
citação do Livro dos Conselhos ou da Cartuxa que José Saramago usa
no livro Ensaio sobre a Cegueira: “Se podes olhar, vê. Se podes ver,
repara”. Em torno desta citação - presente também em Pavios Curtos
no poema Díptico -, o escritor e professor Fabrício Marques fez o
posfácio do livro, o qual intitulou de Imagem contra Imagem. Por
sinal, um posfácio escrito de maneira inteligente, poética e em
sintonia polifônica com o livro. Na última parte, Variantes – uma
coletânea de poemas variados -, eu faço entre outras coisas, uma
breve apresentação fracionária da minha pessoa, homenagens aos
portugueses Florbela Espanca e o geminiano Fernando Pessoa. Termino
com o poema Xadrez, relembrando o lance dos dados de Mallarmé.
P - Por falar em rapidez, saber e dificuldade
de parar para contemplar as coisas, agora neste mundo onde
predominam as comunicações em ritmo cada vez mais acelerado,
gostaria que falasse o que pensa deste novo veiculo poderoso e
imprescindível que é a internet, ainda que às vezes a gente não
suporte a sobrecarga de informações. Como você lida com isso, quero
dizer essa sua participação ativa no veiculo e a vontade de dar uma
parada, um stop como você disse, para relembrar os velhos tempos em
que a gente contemplava as coisas e lia livros (risos), ainda lemos,
mas eu de minha parte leio muito na tela e isso não é bom. Enfim
queria que falasse sobre esta questão super importante.
Jose Aloise - Não posso esquecer a importância da internet na
atualidade: novo suporte em sua vocação, rapidez e sua estética
mediática Eu acho que cada pessoa escolhe o seu ritmo e estilo em
relação às máquinas. Não uso a internet 24 horas por dia. Não tenho
nada contra! Fica bem difícil e chato ler trechos mais longos de
livros e notícias na rede. Entretanto, eu sempre dou os meus stops
na literatura escrita, em papel. Ler um livro no papel é bem
diferente: mais delirante, contamina mais a gente – emergimos num
livro e saímos de lá de outra maneira. Acho que vamos conviver com
esta mescla cultural por muito tempo. Não tem como negar: somos
seres mesclados pelo tempo, o espaço e a tecnologia.
P – Você escreve artigos, crônicas, resenhas,
poemas em consonâncias com pesquisas no campo da comunicação social,
artes plásticas, política, estética e cultura de massa? Explique
essa polivalência e ecletismo, por favor.
José Aloise - É uma espécie de projeto híbrido, plural, interativo e
complexo. Tento fugir da imagem do especialista. Como militei no
movimento estudantil, sindical, na fundação do PT em Minas Gerais e
na minha cidade natal – morei também uns tempos em La Habana e
Santiago de Cuba (década de 1980). Lá tive a oportunidade de
pesquisar a sociedade cubana, sua história, a revolução e o xadrez.
Na ilha participei de alguns torneios no Clube José Raul de
Capablanca, pois na juventude e parte da vida adulta era jogador do
CXBH. Em Cuba, na Prensa Latina, conheci e conversava muito com o
jornalista, poeta, cronista e romancista Pedro Juan Gutiérrez, bem
antes de ser editado aqui no Brasil pela Cia. das Letras. Pois bem,
eu trabalho a crônica para assuntos da política, da economia e do
cotidiano. Artigos e ensaios nas áreas de artes plásticas,
literatura e comunicação social. Na verdade é tudo intercambiável.
Tento criar interfaces com tudo o que gosto e que me acrescenta nas
reflexões, dúvidas e inquietudes. Pode ser um paradoxo, mas creio no
ser humano multifacetado e complexo – que procura uma espécie de
neo-humanismo. Ele e tudo em volta fazem parte do universo, mesmo
vivendo numa sociedade fragmentada, dilacerada e cheia de
infortúnios.
P - Na antologia Achamento de Portugal você
participa com um poema intitulado O país que não conheço deu-me um
bisavô. Você me disse que o poema foi um trocadilho com seu
sobrenome português. Conte esta história, por favor.
José Aloise – O poema é um soneto desprendido. Fiz um
poema/trocadilho/diálogo com o meu sobrenome português, pois a
família Bahia, que se fixou principalmente em Minas Gerais na época
do Brasil Colonial (Gerônimo Bahia chegou em Pitangui por volta de
1680/90), é originária do norte de Portugal, cidade do Porto, Vila
Nova de Gaya e Galícia espanhola. Os Bahias/Vahias na transição da
Idade Média/Idade Moderna eram seres do mar, pescadores de sardinhas
das baías do Norte de Portugal e Galícia espanhola. Inclusive o
atual goleiro do Futebol Clube do Porto tem esse sobrenome, o Vítor
Bahia.
P - Você estuda a História da Arte e coleciona
obras. Faz isso de maneira profissional?
Jose Aloise - Tenho uma boa biblioteca de artes plásticas. Estudo
sozinho a evolução da estética desde os primórdios do homem. Sou
fascinado pelo mundo das imagens. Também coleciono obras de arte.
Parte da coleção está no meu apartamento. Outra, no da minha irmã.
As obras de maiores valores estão guardadas a sete chaves de ouro.
São de artistas brasileiros e mineiros. Coleciono porque gosto de
conviver e contemplar quadros, objetos e esculturas. Eu sempre falo
para os familiares: “Uma casa sem quadros é uma casa sem alma”.
Seria errôneo dizer que o colecionador não está em sintonia com o
mercado da arte. Algumas obras são investimentos, não podemos negar.
Engraçado, a sua pergunta me fez lembrar aquelas palavras do Walter
Benjamim: “Toda a paixão beira o caos, a do colecionador beira o
caos da memória”.
P - Você é sócio fundador da ALIPOL -
Associação Internacional de Literaturas de Língua Portuguesa e
Outras Linguagens. Quais são os objetivos da entidade?
José Aloise - A ALIPOL nasceu com o espírito de intercâmbio cultural
com o mundo lusófono. Congrega estudiosos, pesquisadores,
escritores, etc. tanto na literatura quanto em outras linguagens
(cinema, comunicação social, artes plásticas, música, etc).
Importante considerar também a construção de um banco de dados
significativo para consultas e orientações de pesquisas. As
interlocuções são várias, pois tem pessoas do Brasil, Portugal,
Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe.
Tivemos no meio do ano de 2005, aqui em Belo Horizonte, um encontro
na PUCMINAS, com a professora, ensaísta e escritora Inocência Mata,
da Universidade de Lisboa, Portugal. Ela nasceu em Angola, e fez um
panorama da literatura africana contemporânea. Sempre temos
encontros assim. Estamos programando um grande evento para 2006, com
convidados internacionais. Em linhas gerais, o objetivo principal da
ALIPOL é incentivar e apoiar à criação e intervenções teóricas,
críticas e artísticas, vetorizadas pelos temas gerais da língua
portuguesa e suas relações com outras linguagens. Temos um site em
construção: www.alipol.org.
P - Gostaria que falasse sobre esses projetos:
Terças Poéticas e Hora da Literatura que tem parceria com o
Suplemento Literário de Minas Gerais e Fundação Clóvis Salgado, e
que você divulga pela Internet. Quando começou, e a ressonância que
tem na população mineira.
Jose Aloise - Desde de julho passado, mais de duas mil pessoas foram
conferir o projeto Terças Poéticas, criado pela professora, ensaísta
e atual editora do Suplemento Literário de Minas Gerais, a Camila
Diniz. A curadoria é do editor, ator e poeta Wilmar Silva. O projeto
tem periodicidade semanal, todas as terças-feiras, sempre às 18h30,
nos jardins internos do Palácio das Artes em Belo Horizonte. A
entrada e franca. Cada sessão dura no máximo uma hora. O projeto
multidisciplinar que utiliza todos os tipos de linguagens
artísticas, cênicas, musicais, etc, sempre apresenta um poeta
mineiro em atividade - seja iniciante ou consagrado e homenageia um
falecido. Até agora, destacam-se figuras do calibre de Emílio Moura,
Alphonsus de Guimaraens, Bueno de Rivera, Donizete Rosa, Altino
Caixeta de Castro, Adão Ventura, Valdimir Diniz, Cacaso, Dantas
Mota, João Batista Jorge, Maria Ângela Alvim, Fritz Teixeira de
Castro, Lacyr Schettino, Ide Moura, entre outros. É um sucesso de
público e qualidade. Está ganhando ressonância nacional. Pretendemos
que continue em 2006 com as presenças do poeta gaúcho Fabrício
Carpinejar e o paulista Glauco Mattoso. Começou só com poetas
mineiros, e aos poucos foi abrindo as portas para poetas de outros
Estados brasileiros. Como disse ao jornalista Alécio Cunha: “Este
projeto é a verdadeira educação dos sentidos. É um trabalho ao mesmo
tempo intelectual e sensorial. O público vê, sente a poesia. E
desperta para a leitura” (Jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, MG,
13nov2005).
P - Sei que você homenageou no Terças
Poéticas, que aconteceu no dia 29 de novembro de 2005, nos jardins
internos do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, o poeta Donizete
Rosa, que morreu precocemente. Fale sobre isso.
Jose Aloise - Escrevi este poema no dia 24 de novembro de 2005 para
homenageá-lo:
Vai poeta, a sua mão direita representa
o rosto da América Latina
a sua mão, poeta, colore os olhos
do Brasil
a sua rebeldia, poeta, agita
aquele sonho cheio de estrelas
na bandeira de Minas Gerais.
Eu nunca tinha visto Dom Quixote
em vida, somente em livros.
Vai poeta, mover os moinhos de braços
abertos e mostrar que o grito dos excluídos,
Che, Tiradentes, Cristo e a liberdade ainda
que tardia são pavios curtos em veias abertas.
Vai poeta, estancar o sangue das batalhas e conquistas
poeta, liberta o mundo de sua liquidação opressiva.
Consciente, poeta, o seu sorriso imortal renasce
em lutas - vale de lágrimas num oceano iluminado.
Ele foi lido depois de um pequeno testemunho que dei no Terças
Poéticas sobre o jornalista, o homem, o poeta Donizete Rosa... Um
cara que conheceu quase todos os Estados do Brasil e países da
América Latina... Ele faleceu no ano passado com 50 anos... Donizeti
viveu o movimento hippie e a poesia marginal... Uma pena: ele morreu
na miséria e esquecido (adoeceu num acampamento do MST lá em Bambuí)...
Eu, o Wilmar Silva, a Camila Diniz (editora do Suplemento Literário
de Minas Gerais) e muitos outros estamos ressuscitando algumas
pessoas que merecem ser eternizadas.
P - E agora fale um pouco sobre o Hora da
Literatura....
Jose Aloise - O projeto Hora da Literatura – outra iniciativa da
Fundação Clóvis Salgado e Suplemento Literário de Minas Gerais – foi
criado pela Camila Diniz. É mensal. São cursos no âmbito da
literatura ministrados por professores e escritores, sempre nas
segundas-feiras, no horário do almoço: começam às 12h30 e vão até
13h30. São realizados na sala Juvenal Dias no Palácio das Artes. Até
agora os temas abordados foram: Machado de Assis, literatura
infanto-juvenil e poéticas visuais. São iniciativas assim,
gratuitas, que possibilitam a formação de um novo público, que não
está preso às amarras do ambiente acadêmico. A idéia é levar adiante
a literatura, e propiciar o hábito de freqüentar saraus, leituras de
poesias, despertar para a leitura, etc., numa cidade como Belo
Horizonte, onde as pessoas gostam mais de cinema e boteco. Eu sempre
estou divulgando os dois eventos em jornais, revistas e na Internet.
É um compromisso livre e despojado com a cultura.
P - Você vai lançar outro livro em 2006: Em
Linha Direta sobre o programa homônimo da Rede Globo. Gostaria que
falasse sobre ele.
José Aloise - Em resumo, é um calhamaço de mais de 300 páginas sobre
o mundo das comunicações sociais, o jornalismo, a imagem e a
publicidade. Em Linha Direta, analiso os discursos de linguagens e
imagéticos do programa da Rede Globo de Televisão, que é o objeto de
estudo, durante o mês de fevereiro de 2002. O livro parte de cinco
questões vitais: O que é o simulacro e o hiper-real? A Cultura da
Imagem? E a Sociedade do Espetáculo? Como se apresentam na
televisão? Parecem questões atuais e indispensáveis para conhecer de
maneira mais profunda a telerealidade (conceito do Muniz Sodré) e a
televisibilidade (conceito da argentina Beatriz Sarlo) no Brasil. No
livro perpassam os vários sentidos da imagem, os modelos e padrões
simulacionais (aqui eu utilizo o arcabouço teórico de Jean
Baudrillard, por mais que ele seja contestado pelos acadêmicos), a
TV e a publicidade, os caminhos e descaminhos das narrativas na
notícia e reportagem, e o sensacionalismo, em conjunto com a
história do emissor, a Rede Globo de Televisão. O trabalho de
pós-graduação em jornalismo contemporâneo abre um leque de reflexão
em torno do programa popular Linha Direta, cuja temática é a (in)
segurança pública, a violência física, os casos de morte, a denúncia
dos foragidos e posterior julgamentos jurídico por parte da
sociedade. Em Linha Direta também não deixa de ser num sentido
simbólico uma outra denúncia: a própria morte da imagem como modelo
sígnico representacional e/ou conjunto de aparências em seu
estado/estágio mais crítico de hipervisibilidade no mundo
contemporâneo.
P - E quais seriam seus novos projetos no
âmbito da poesia, artes plásticas para 2006? E ainda - queria que
falasse sobre essa séria de poemas Farnesianos - o nome vem do
falecido artista plástico mineiro Farnese de Andrade. Gostaria que
você falasse sobre a relação desse artista com os poemas?
Jose Aloise - Tenho muitos planos... E algumas surpresas/parcerias
também, que estão caminhando. Trabalhar a divulgação, encontros e
intercâmbios na ALIPOL é um deles. Outro é levar adiante a série
Farnesianas, poética visual com os objetos do Farnese de Andrade -
aqui existem influências e diálogos com o poeta catalão Juan Brossa
e a professora, ensaísta e escritora Vera Casa Nova da UFMG. Isso
porque gosto muito dos trabalhos em objetos dele - que são, na minha
opinião, mais consistentes que a sua pintura e desenho. Farnese -
aliás, relembrado com distinção pela editora Cosac Naify em
2004/2005 com dois livros é/era um Gênio Esquecido) que nasceu em
Araguari, no Triângulo Mineiro, nos apresenta um universo singular e
reinventa-se, através dos seus objetos e ex-votos simbólicos e
surrealistas, em metáforas, diálogos e indagações com a tradição
mineira. Suas obras são caracterizadas por um certo erotismo,
tristeza e beleza de alguém que vê, enxerga e repara os diferentes
sentidos do homem na sua solidão desgastada, noites sombrias,
sentimentos oceânicos, embevecidos pela ironia, maculado pela
existência e escolhas perante o tempo e o espaço. Na série
Farnesianas, procuro essas relações, usando as imagens dos objetos
do artista em consonância com a transcendência das palavras. Não é
um trabalho ilustrativo. É muito, mas muito mais além disso: um
resgate do olhar e reflexões sobre a história corporal do homem. A
corporalidade em Farnese de Andrade é muito forte. Na minha opinião,
as dilacerações impostas pelo artista em seus objetos e bonecos têm
muito a ver com a própria dilaceração que os nosso sentidos físicos
enfrentam na contemporaneidade. Tem um poema visual, O @njo de Ph@rnese,
que faz parte da coletânea eletrônica da Mostra Internacional de
Poesia Visual e Eletrônica, promovida pela Academia Ituana de
Letras, SP e a London School, Inglaterra. Pois bem, pretendo ainda
levar adiante também as colunas Um Outro Exercício Estético no site
Cronópios (São Paulo/SP) e Ars Nova na revista impressa Telas e
Artes (BH/MG). Escrever textos pertinentes para o site Observatório
da Imprensa, caderno Pensar do jornal Estado de Minas, etc. além de
lançar um segundo livro de poesias - material é que não falta. E um
projeto/parceria maior contemplando entrevistas e posterior livro
sobre as primeiras gerações de Guignard - em fase de negociação.
Espero concretizar tais trabalhos em 2006.
Leia mais sobre José Aloise Bahia:
Coluna “Um Outro Exercício Estético”:
www.cronopios.com.br
Poemas de Pavios Curtos:
http://www.tanto.com.br/JoseAloiseBahia.htm
Outros poemas:
http://www.pd-literatura.com.br/poemas/abr.html
http://www.germinaliteratura.com.br/jabahia.htm
Leia sobre a Antologia Achamento de Portugal:
http://www.cronopios.com.br/site/lancamentos.asp?id=237
http://www.tanto.com.br/rogeriobarbosa-Achamento.htm
Artigo sobre a poesia expressionista alemã:
http://www.anar.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=183&Itemid=93
E agora alguma coisa sobre seu lado cronista político num portal
campineiro:
http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=167&rv=Direito
Leia mais sobre Farnese de Andrade:
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20021008/pri_cul_081002.htm
http://www.cosacnaify.com.br/noticias/farnese.asp
http://www.revistamuseu.com.br/galeria.asp?id=5910
http://www.secrel.com.br/jpoesia/ag46andrade.htm
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