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Jornal do Conto

Ana Guimarães


 


Contra-dicção



 

Um ferro ao pescoço, como aqueles dos escravos fujões. O rosto escondido. Tira a máscara! Não obedece. Ninguém sabia de onde viera aquela mulher. Avara de palavras, limitava-se a ouvir. A beleza do corpo magro bastava, faz tanto tempo... O desejo crescendo. Eu só imaginando os gritos dolorosos que ela daria. Cala a boca! Não calo. Escondo a surpresa diante da resposta inesperada, contradizendo-me. Que patuá é esse? De novo o silêncio. Peste, espera aí que você já vai ver. Assim que chegarem as malas, meus brinquedos. Remexia os bolsos à procura de algo, nada. A calça fumegava como se pegasse fogo. Preciso fazer alguma coisa urgentemente, essa é a melhor hora do dia. Já é noite, ela disse secamente. Também lê pensamentos?

Hostilidade e amor exigem tempo, dedicação. Mas estão sempre à espreita, tempestade em tarde quente, é só uma estranha chegar. Não quero. Vou matá-la se não ceder. Precisava agir assim para levá-la a se conhecer, só o sofrimento revela o ser em sua plenitude. A cada passo se sente mais próximo da natureza; e do divino. Erguia-a do solo, apesar das correntes feitas de elos graúdos, e pesadas, mais pareciam precisar ancorar a alma. O mundo estava tão desprovido de sentido que não se sabia mais a quem amar e a quem odiar. Os dois sentimentos juntos, sempre.

Um rancor, além do medo, parecia dominá-la. Perfeito. Bela preparação para a entrega, a excitação do ódio. Os contrários em ebulição. Chega da razão tiranizando a emoção. Beberia dela feito um animal, inclinado. Um ponto vulcânico, preste a explodir.

Desistira de se esquivar. Depois de pedir clemência em vão, as vertigens do prazer. Uma força sobrenatural dominando-a. Assim. Cairia de joelhos pedindo mais, apesar da dor. Ou por causa dela. Envolveria-a então, em cobertores macios, para compensar os maus-tratos. Amanhã acordaria feliz, e, mesmo ferida, lamberia suas mãos em agradecimento.

 

 

 


 

11/11/2005