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Jornal do Conto

 

 

Andréa Santos


 


Os Espelhos de Barros




 

“... Now I am a lake. A woman bends over me,
Searching my reaches for what she really is...
 

Sylvia Plath - Mirror



 

Na cabeceira da cama tinha teu retrato, Glória, e alguns versinhos escritos por ti. Recordo que quando os fizeste a palavra amorífero fora encarada como algo muito estranho, ainda sem sentido. Não entendias muito bem o significado da palavra, mesmo estando em tua mente. Poeta de primeira viagem, tu pensavas ser algo como amórico... Viajamos, então, ao dicionário para ter o sentido certo para tuas quadras, ficaste com o amor ligeiro. Com estas buscas, sabias ao certo que cada encontro seria um aprendizado a conhecer-te. E nestes momentos das descobertas, ríamos das confabulações e das trocas. Tu me deste rugitar, eu ruítas. Cabia-lhe muito bem este último!

Na imensidão do céu, ofereci-lhe à lua, às estrelas, entretanto, nada lhe agradava. Mesmo assim, tinhas a fisionomia de uma princesa desligada nas escadarias de Roma. Nada pronunciavas e mesmo assim eu não mudaria os adjetivos a ti!!!

Naquele domingo, nas longas escadas da Sé, eu oferto a ti o puro néctar, mas preferias a velha fermentação de fabricação humana. Eu enjeito a tua oferta fermentada e percebo a melancolia unindo-se a mim. Era leve seu toque! Eu não entendia o porquê de tanta busca aos cantos da cidade, mas assim mesmo, havia tua companhia na esperança e procura de outros olhos. Era de pouca importância ser ignóbil a cada lágrima caída: não mudaria os adjetivos a ti!!!

Lembro-me que minha mãe dizia:— os casais antigamente eram felizes e mais tranqüilos. Com toda distância dos cobiçosos, eram felizes! Não se renunciava as angústias e as caladas inquietações. O juramento sacramental era válido: na riqueza e na pobreza, no amor e no ódio. Este último substantivo, eu acrescentei!

Meu nome é Barros! Acabamos de percorrer no tempo. Eu e a melancolia não nos demos conta da transmutação. Andei a procura de segundos antagônicos, milagreiros e não acontecidos. Mas ela, a melancolia, diz-me que a devoção não vale para eternidade, somos capitalistas e nada é durável, sentimentos neste sistema são permutáveis (será?). Confias em mim, oh, Barros! — Ela me dizia. Não poderia negar para você a minha narração quase abstrata e dedicada a Glória, precisava revelar isto. Eu compreendo o sistema, recuso-me abranger esta ação aos humanos e a sua satisfação em incluir-se na circunferência dos mal acompanhados sim, sós nunca. De qualquer modo, não me conforto com esta frase nominal dos mal acompanhados sim, sós nunca, nem com as melodias irônicas de nossos comportamentos. Preciso dizer: eu te amo, penso em ti, tu és minha tranqüilidade e, deste modo, eu vivo mais feliz. Não quero mais as frases infelizes como: estamos nos separando, estou separado. Isto é globalização!

A minha mãe também dizia: — em meus aprendizados, fora-me ensinado resistir às lagrimas. Quando isto não acontecia, dias eu lagrimava e diante da luz via-me como beleza num pranto de quatro paredes, via-me em sol resplandecente. E com esta melancolia materna, eu vejo no poema dela a concubinagem, palavra horrível de sentimentos misteriosos. Mas quem é feio: a concubina ou o cônjuge? Ela por ser a amasiada de um marido insatisfeito ou ele que na covardia de ser feliz, deixava-se no amasio? E no poema, são coitadas: a mulher, a mãe, a própria concubina, a filha que não sabe e depois descobre... ou a velha amada do meu coração? (não sei se esta é a tristeza, a melancolia). Não obstante, mamãe ainda dizia: eu devo amá-lo, respeitá-lo, dar-lhe filhos e silêncios, muitos silêncios. Mas na minha primavera, serei coroada no nascimento, no meu casamento e na minha morte.

Porém, Glória, eu te observava nas escadarias da Sé com minha tristeza, e tudo era pensamento constante em querê-la aqui em mim. Eu que não sou o outro por quem lagrimava nem o intermédio, contudo, desejei ser a ponte dele para ti. E com este jogo de palavras, faço-te sentir amor nas minhas ações, nas coisas do mundo, nas minhas coisas. O amor resiste aos sonetos. A poesia de minha cabeceira nos abençoa nos alagados, ela também resiste.

Então, naquele domingo descemos as escadarias, peguei tua mão e fiz-te notar quanto amor são sinais. Não conseguia encantar teu coração nem com a quadrinha formulada:


Na lua vejo-te
Sombra iluminada.
Verdejas a água
Azulas o céu.
Quero este mel
Conceba meu desejo:
Em teus lábios tocar.

 

E tu foste ao caminho deste encanto primário: minhas quadrinhas. Eu retornei a foto e aos versos escritos. Na poeira dos sentimentos de minha mãe e dos meus, foste tu o intermédio entre os amores impossíveis.

Hein!!! Se você que lê se der por conta: - nossos amores, hoje, são extremamente voláteis. Não obstante, mamãe não era a felicidade, vovó não era a comunhão... nem nós a união. Olvidamos-nos que podemos ser amores, humanos, e ainda possíveis.

Mas eu tenho pensado que ela, a tristeza, é a coisa mais bonita, eu juro: é fêmea de personalidade, uma flor aromatizada a cada olho caído meu (será teu também?). Sempre minha companheira... talvez a nossa companheira!

Glória, no passado, tu negaste o direito de ser amante de Tristão, deste a Isolda. Todavia, fora uma caminhada grande a tua a mim. Talvez, chegamos ao ápice do passeio, pois, agora, eu entro em meu apartamento oco, sem medula: nele há somente teus quadros e aquela velha máquina doada pelos amigos, deste modo venho refazer a tua poesia. Sabes não conheci a escrita nela.

Agora, não há palavras para substituir àquelas tuas, não há sentimentos que traduza aquela bala oferecida na fermentação.

Hein, de novo!!! —Leitor, indaga-me um final? Não posso! Eu quero traduzir este poema de cabeceira, nele mergulhar... como você fará ao recordar daquele poema lido na noite passada ou mesmo aquele recordado agora. Sabes tua atitude será a mesma minha: recordar do sorriso do amada, do gesto ou daquela que está nos sonhos. Se mesmo assim, continuas a cobrar-me? Digo-te: vá à esquina... verá o casal a beijar, vá ao mar... terás uma lua para velejar em seu branco e nela, ainda, poderá imaginar este escritor olhando para este porta retrato, pois, ali, era um casal e um mar. Era um casal e o mar. Neste instante são tantos casais e tantos mares a velejar e mesmo assim: não percebe, é um mar e uma lua, é um sol e um dia; e também há um mar na divisória de uns a persistir. Em tudo temos uma linha a dividir-nos?

Um velho amigo dizia: —tudo é somente para um dia de dor, todos temos! São as faces do destino, são as poucas enfermidades da alma.

Entretanto, eu como escritor não vejo assim, afinal, sou fingidor e como tal, não escrevo as verdades fugidas de minha mente, de meu eu. Quando ler novamente, lembre: fui teu eu. Sou teu momento. Serei tua palavra na boca de alguém. Estou a saliva de teus pensamentos. Sou a mão que afaga a página do livro a procura das enganosas palavras do poeta. Sou você desejando o final feliz para virar a página.
 

 

 


 

14/07/2005