Aníbal Albuquerque
A mulher e a janela
Para Scheilla
Aquela janela era agora o seu limitado
horizonte. Seu único contato com o mundo exterior. As folhas de
madeira abertas durante o dia, fechadas à noite, quando passa da
cadeira para a cama. Uma guilhotina está no alto há muito tempo,
talvez nem mais seja possível fazê-la descer. No inverno, a outra
guilhotina é descida e só pode observar a árvore e o céu através dos
vidros. No verão, como agora, os vidros encaixilhados permanecem no
alto e a parte inferior fica livre para a entrada do ar. Às vezes,
até mesmo de um beija-flor multicor, para sua alegria.
Era uma bela janela. O batente
espesso, os caixilhos escuros, os vidros translúcidos, porém,
coloridos na bandeirola fixa. Podia fechar os olhos que a janela
ficava ali na sua mente com todos os detalhes. Cada guilhotina com
seus dezesseis vidros retangulares. Lembrava-se, perfeitamente,
quando seu pai chegou com ela e suas três irmãs gêmeas. Duas estão
na sala e a outra no quarto que fora de seus pais. Aquela ali era a
sua janela.
Ela chegara sem os vidros. O
carpinteiro montou-a com todo o cuidado, numa manhã de sábado. Seu
pai experimentou várias vezes as duas guilhotinas. Corriam bem nos
montantes. O vidraceiro só viria na segunda-feira. Por duas noites,
as folhas permaneceram fechadas, desde cedo, pois não havia vidros
nos caixilhos. Quando a janela ficou pronta, ela menina sorrira de
satisfação. Não imaginava que agora ficaria tantas horas,
unicamente, em companhia dela.
Por ela passara também seu único amor,
naquela noite distante, quando seu pai estava de viagem a São João
da Boa Vista, por motivo de grave doença do avô. Estiveram os dois
nos braços um do outro, felizes, naqueles momentos inesquecíveis.
Olhando por ela, esperara, tantas vezes ansiosa, a chegada do
alazão, trazendo seu namorado. Junto a ela bordara quase todo o seu
enxoval de noiva apaixonada. Debruçada nela, chorara a morte
estúpida do amado, por questão de política, três dias antes do
casamento.
Olhando para ela, agora, sabe que sua
querida janela conhece todos os seus segredos. Sente não mais poder
limpar seus vidros, nem dar brilho a suas partes de madeira. A
empregada faz o serviço com perfeição, mas sem o carinho seu. Quando
a orienta, sentada em sua cadeira de rodas, gostaria de substituir
suas mãos, para que pudesse acariciar sua janela em todos os seus
pontos tão conhecidos.
Emoldurada por ela, apenas a árvore
ressequida, tão seca quanto sua alma, nesta vida de inválida. O
livro em seu colo está aberto, mas seu coração, há tanto tempo
fechado, não recebe mais emoções, que o pudessem fazer vibrar e ter
esperança. Restam apenas recordações e saudades, esmaecidas pelo
tempo.
1999
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