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Arménio Vieira .
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Uma língua
é o lugar
donde se vê
o mundo
Vergílio Ferreira
Vozes 
Poéticas da 
Lusofonia 
Na minha língua... 
cada verso é uma 
outra geografia. 
Manuel Alegre
 
 
 
 
 
VOZES POÉTICAS DA LUSOFONIA  
Edição: Câmara Municipal de Sintra  
Organização: Instituto Camões  
Coordenação: Alice Brás  
                     Armandina Maia  
Seleção de textos: Luís Carlos Patraquim  
Capa: LPM — Idéias e Acções  
Realização gráfica: Gráfica Europam, Ltda.  
Mem Martins – Portugal  
Depósito legal: 138134/99  
Maio, 1999
Patrocina pela
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
 
 
CABO VERDE  
    Arménio Vieira 
    Corsino Fortes 
    João Vário 
    José Luís Hopffer Almada
 
Arménio Vieira
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LISBOA — 1971 
CANTO FINAL OU AGONIA DUMA NOITE INFECUNDA 
SER TIGRE
 
LISBOA - 1971
 
A Ovídio Martins e Osvaldo Osório
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Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.

Eis-nos enfim transidos e quase perdidos 
no meio de guardas e aviões da Portela.

Em verdade éramos o gado mais pobre 
d'África trazido àquele lugar 
e como folhas varridas pela vassoura do vento 
nossos paramentos de presunção e de casta.

E quando mais tarde surpreendemos o espanto 
da mulher que vendia maçãs 
e queria saber donde... ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.

Porém o desencanto, que desce ao peito 
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.

E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera, 
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno
 

  
CANTO FINAL FINAL OU AGONIA DUMA NOITE INFECUNDA
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Como a flor cortada rente e desfolhada 
ou os olhos vazados da criança 
e o seu fio de pranto tênue e impotente 
assim a noite caminha com os astros todos em vertigem
até que se atinge o ponto da mudez 
a pesada mó triturando a sílaba 
a garganta com as cordas dilaceradas 
e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida
 

Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro 
tanto assim que a flor desfeita 
não embala o coração do poeta 
oh não
porque a flor defunta 
se voa
não sobe nunca
e só dura
o espaço breve duma nota

Assim o canto se detém imóvel 
como se da flauta 
falhando súbito 
na boca do poeta 
ficasse o hiato 
ou a saliva
de um tempo devassado por insectos cor de cinza

A voz suspensa e negada
cede a vez à letra amorfa
inscrita no silêncio
com seu peso
de chumbo e olvido
acaba o poema
e um ponto final selando tudo.
 

 
SER TIGRE
 

[...]


4
O tigre ignora a liberdade do salto,
é como se uma mola o compelisse a pulaR

Entre o cio e a cópula, 
o tigre não ama.

Ele busca a fêmea
como quem procura comida.
 

Sem tempo na alma,
é no presente que o tigre existe.

Nenhuma voz lhe fala da morte.
O tigre, já velho, dorme e passa.
 
 

 
5
Ele é esquivo,
não há mãos que o tome

Não soa,
porque não respira.

É menos que embrião, 
abaixo de ovo, 
infra-sémen.

Não tem forma,
é quase nada, parece morto.

Porém existe,
por isso espera..

Epopéia, canção de amor, 
epigrama, ode moderna, 
epitáfio.

Ele será
quando for tempo disso. 






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