Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

Barros Alves


 


Drummond: um pedra no meu caminho


 



 

A cada dia surgem dezenas de artigos e ensaios com as mais disparatadas abordagens sobre a obra poética do modernista Carlos Drummond de Andrade, os quais vêm juntar-se a número idêntico que já enche livros e mais livros. E o saco da gente. A verdade, porém, - o que ninguém diz - é que Drummond não é lá essas coisas todas como poeta.. Noventa por cento do que ele escreveu, qualquer poetastro é capaz de escrever. Drummond é aquela pedra no meio do caminho da alta poesia, que não é mineira, nem brasileira, que não tem pátria. É simplesmente universal. Maior do que Drummond é Bandeira. Maior do que os dois juntos é o nosso José d’Abreu Albano. O que se diz (ou vier a dizer) em contrário, carece de um enorme esforço retórico para convencer as mentalidades bem informadas e sobretudo que sabem apreender a sonoridade de um bom poema. Não nos esqueçamos, todavia, de que um dos motivos pelos quais o Drummond poeta se alteou entre tantos melhores do que ele, é o fato de ter sido paparicado por muitos que fizeram dos meios acadêmicos instrumento de ceva de uma ensaística hermética que pouca gente lê e quase ninguém entende. Nesse paparicamento inclui-se a mídia amestrada pelo governo da época. Drummond foi Chefe de Gabinete do Ministro Gustavo Capanema, da Educação e Cultura, sob a ditadura getulista. Mas ainda hoje existem os "iluminados" pertencentes à escola dos que contribuíram decisivamente para o endeusamento de Drummond. E eles continuam à solta, escrevendo heresias críticas impunemente.

Não desejo ser incluído no rol daqueles partidários do "não li e não gostei". Portanto, em face de naturais exigências éticas, sou obrigado a mergulhar, vez por outra, em leitura de algum texto que me não agrada, por fastidioso e entorpecente que o seja. O exaltado, incensado e venerado Carlos Drummond de Andrade é uma dessas criaturas literárias, cuja criação, não de todo, mas em boa medida, me conduz ao bocejo e aos braços de Morfeu.. Ele, João Cabral de Melo Neto e uns outros tantos, achados maiores por grande parte da crítica e do público (este quase nunca sabendo o que diz porque sem a qualificação necessária para falar de estética literária) não me agradam. Leio-os tão-somente por dever de ofício, mas o faço com fastio e desprazer. Porque a produção deles (ou grande parte dela) não me convence como Poesia com P maiúsculo.

A poesia drummondiana não passa para mim de uma banda cabaçal desafinada (com perdão dos impagáveis irmãos Anicetos), pobre de ritmo, de sonoridade, de harmonia; frágil na retórica poética e rica de dicção discursiva. Desenxabida. Às vezes um verdadeiro "monumento de estupidez", como se constata facilmente na tessitura exaustivamente repetitiva do poema "No meio do caminho", cuja fama cresceu na proporção de sua ruindade enquanto poesia, se é que aquilo pode sequer ser considerado poesia. Com efeito, a retórica poética em Drummond configura um cansativo caminhar por desvãos que definitivamente não expressam o "sentimento do mundo" da Poesia sem adjetivações. Por estas e outras o poeta mineiro não me encanta, ainda que se diga à saciedade e quase unanimemente que a lírica (?) de Drummond "é freqüentemente considerada o ponto alto da poesia brasileira contemporânea", representando também "uma das realizações mais importantes da estética do modernismo..." (MERQUIOR, José Guilherme. "Verso Universo em Drummond.". Livraria José Olympio Editora/SCCT. Rio de Janeiro, 1975, pág.3). Ao discordar dessa unanimidade valho-me do dito atribuído ao irreverente dramaturgo Nelson Rodrigues, para quem toda unanimidade é burra. Ademais disto, o que não aprecio mesmo é a estética modernista: a retórica, a organização verbal e vérsica, a ausência da rima, a carência de encadeamentos rítmicos harmoniosos.

Quando leio Drummond e a maioria dos modernistas, desde os Andrades, o Mário e o Oswald, até o João Cabral de Melo Neto, uma voz ecoa no fundo do meu ser o pensamento do filólogo Segismundo Spina. Do alto de sua autoridade como Professor Emérito da Universidade de São Paulo, Spina atira contra a poesia dos modernistas e contra a do próprio Drummond: "Eu não tenho admiração por nenhum deles. Isso eu não considero poesia. Porque a natureza da poesia é outra (...) A poesia é um mistério, como a música é um mistério (...) Esses poetas modernos para mim não são poetas. Eles não têm a capacidade de criar em poesia (...) a verdadeira poesia conserva suas verdadeiras características iniciais: ritmo, cadência, um jogo de imagens e metáforas. Ela possui uma coisa que geralmente os poetas modernos não têm, que é a expressão inefável do sonho, daquilo que está na periferia da realidade, não na realidade." (SPINA, Segismundo. Entrevista. Jornal Folha de São Paulo, ed. 09.12.2001). O mestre da USP, autor de obras da maior importância para a crítica da poesia ("Na Madrugada das Formas Poéticas" etc.), ironiza os (des)caminhos da atividade poética através dos tempos, que desembocaram no arremedo modernista, incapaz de sobreviver sem adjetivações: "... poesia quadrada, poesia oblíqua, poesia concreta, cúbica, poesia letrista, poesia gráfica. Isto não é poesia." (Idem, ibidem).

Neste pé, mutatis mutandis, faz-se mister lembrar a apropriada observação do crítico literário Wilson Martins, ao ajuizar comentário sobre esses desencaminhamentos poéticos: "Mais ou tanto quanto o concretismo, o que parece esgotada pelo menos a julgar pelos praticantes contemporâneos é a poesia literária, com ênfase no adjetivo. Há evidente equívoco em equiparar a renovação poética à natureza ou personalidade dos produtores: a poesia não se renova por ser ‘negra ou feminista’. Renova-se quando mulheres e negros escrevem poesia de perceptível qualidade." (MARTINS, Wilson. "Promessa das Flores". Jornal O GLOBO, ed. 25.05.1999).

Estou convencido de que a ascensão de Drummond no conceito geral recebeu impulso substancial das suas boas relações políticas e/ou editoriais, o que não exclui a influência que um cargo de chefe de gabinete ministerial proporciona. Notadamente em um governo ditatorial. Ora, - relembremos - Drummond exerceu este cargo no gabinete do Ministro Gustavo Capanema, da Educação e Cultura. Os compêndios escolares, normalmente acríticos e literariamente incipientes complementaram o (des)serviço á formação da nossa juventude. Ouso dizer do vate itabirano o que Wilson Martins diz da tentativa que se intentou recentemente da "recuperação do complexo oswaldiano"; tudo não passa de uma empresa política empreendida por quem jamais o leu por inteiro. (Idem, Mitos Literários Jornal O GLOBO, ed. 22.10.2001).

O poeta de Itabira continua a ser intensamente, insistentemente revisitado. E não pára o beija-mão laudatório, a este tempo desnecessário tal o endeusamento do poeta por quem, ao que parece, não tem o que fazer ou não sabe fazer coisa melhor. Por que não aparece alguém disposto a fazer uma rigorosa garimpagem daquilo que é de fato poesia na obra do itabirano? De logo, estou persuadido de que será dura a empreitada de quem se dispuser a cumprir tal desiderato. Com espírito missionário, o empreendedor deverá munir-se de excelente batéia, fôlego e paciência para aturar o entediante estilo do macambúzio bardo. E não se espere incentivo nem mesmo do melancólico poeta, pois num rasgo de grande honestidade, Drummond compôs seu auto-retrato literário com grande sabedoria: "O Sr. Carlos Drummond de Andrade é um razoável prosador que se julga bom poeta, no que se ilude. Como prosador assinou algumas crônicas e alguns contos que revelam certo conhecimento das formas graciosas de expressão, certo humour e malícia. Como poeta, falta-lhe tudo isso e sobram-lhe os seguintes defeitos: é estropiado, antieufônico, desconceituoso, arbitrário, grotesco e tatibitate."(ANDRADE, Carlos Drummond de. Auto-retrato e Outras Crônicas. Editora Record, Rio de Janeiro, 1989, pág. 13). "Roma locuta, causa finita". Nada mais sincero e... real! Pelo visto só está faltando mesmo sinceridade nos comentadores da obra poética de Drummond.


 



Carlos Drummond de Andrade
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15/07/2005