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Edma Cristina de Góis




Cacaso: poeta em eterno exílio

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil
04.12.2004



 

“Minha pátria é minha infância/Por isso vivo no exílio”. Roberto Schwarcz talvez tenha sido quem melhor interpretou a figura de Cacaso, com suas complexidade e simplicidade revezando-se. Ensaísta, letrista, desenhista, principal articulador e teórico da poesia marginal, Cacaso era um menino, na leveza e busca exaustiva pela liberdade. Os poemas de “Na corda bamba”, agora reeditados pela Editora Bem-te-vi, são um tributo a esse espírito de menino, que mexe, inconforma-se, retruca e termina se rendendo, ao menos à poesia

Antônio Carlos Ferreira de Brito (1944-1987) é mineiríssimo de Uberaba. Aos doze anos, ganhou página inteira de jornal por causa de suas caricaturas de políticos. Isso antecipou o artista que viria a ser ou já o era. Mas a poesia terminou se antecipando aos traços e, antes dos vinte anos, ingressou na palavra escrita, através de letras de sambas com os amigos Elton Medeiros e Maurício Tapajós.

Seu primeiro livro, “A palavra cerzida”, foi lançado em 1967, mas, na avaliação da crítica Heloísa Buarque de Hollanda, ainda tímido e contido diante da profusão posterior vivida. Segundo ela, “dentro dos padrões literários do momento”. Seguiram-se “Grupo escolar” (1974), “Beijo na boca” (1975), um dos mais conhecidos, “Segunda classe” (1975), “Na corda bamba” originalmente lançado em 1978 e “Mar de mineiro” (1982).

Os poemas de Cacaso não só o revelaram uma das mais criativas vozes daqueles anos de ditadura e desbunde, como ajudaram a dar visibilidade e respeitabilidade ao fenômeno da “poesia marginal”, em que militavam, direta ou indiretamente, nomes como Francisco Alvim, Helena Buarque de Hollanda, Ana Cristina Cézar, Charles, Chacal, Geraldinho Carneiro, Zuca Sardhan e outros. No campo da música, os amigos e parceiros se multiplicavam na mesma proporção. Em 1985 a Editora Brasiliense publicou a antologia “Beijo na boca e outros poemas”. Em 1987, no dia 27 de dezembro, Cacaso foi embora, vitimado por um enfarto no miocárdio.

A crítica considera o quase anonimato de sua obra, por mais de quinze anos, indiferente diante da forte referência para os poetas da geração de 80 e 90. A edição de sua obra completa, “Lero-Lero”, foi a redescoberta do poeta mineiro. Ele foi único num momento em que a poesia foi eleita como forma de expressão predileta da geração que experimentou os anos de chumbo. Heloísa Buarque de Hollanda nos adverte: “pensar sua poesia sem pensar na sua vida é quase errado”.

Cacaso era um retrato de 68: cabeludo, óculos John Lennon, sandálias, meia soquete branca, paletó vestido em cima de camisa de meia, sacola de couro. E mesmo se o ambiente variava, ele continuava com esse ar, mineiro do interior, irônico por vocação, intelectual trajado de “porra-louca”.

No poema que dá nome ao livro, “Na corda bamba” Cacaso diz: “Poesia/ Eu não te escrevo/ Eu te/ Vivo/ E viva nós!”. Não se trata de um verso breve e inocente. É exatamente o contrário. Pulsivo e profundo, aparente gratuidade, marca da poesia marginal. Essa poesia surge no limite entre a vida e a obra, podendo a poesia desaparecer, por estar na corda bamba, efetivamente. Cacaso equilibra-se entre essas partes do todo. Enquanto os Outros se preocupavam com o concretismo e liam Ezra Pound, Cacaso preferiu Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Carlos Drummond. A familiaridade com a teorização levou o poeta, bacharel em Filosofia, a elaborar vários estudos críticos. No artigo “Alegria da Casa”, de 1980, diz: “O modernismo, para quem a criação é igual à realização, em ato, de um ideal, é portanto um esforço empenhado em prol da gratuidade, da autonomia das coisas e dos valores, um jeito de constranger para que a espontaneidade pudesse aflorar sem constrangimento, o que em si já configura um paradoxo”.

 

 

 

 

06/01/2005