Luís Vaz de Camões
Pascei, minhas ovelhas...
FÍLIS
Pascei, minhas ovelhas; eu, enquanto
aquele passarinho canta ou chora,
chamarei Coridon com triste pranto.
Se entre vós, belas plantas, amor mora
- plantas, já vos amastes – , tende mágoa
de mi, pois que me ouvis queixar agora.
Ai cruel Coridon, cruel a frágoa
em que vivo por ti! Não tens piedade
de ver meu peito fogo, os olhos água?
Já não amas a Fílis? Ah, crueldade!
Ai triste! E que farei? Em poucos dias
mudaste tu de mi tua vontade.
A Fílis já deixaste, a quem trazias
no formoso Verão formosas fruitas,
sinal do grande bem que me querias?
Sabes, cruel, que tenho causas muitas
para te convencer, de que queixar-me;
por isso vás fugindo e não me escuitas.
Puderam os teus rogos abrandar-me:
os meus – triste de mi! – mais te endurecem.
Já não acho em que possa confiar-me.
Aqueles doces versos já te esquecem,
que tu nos lisos álamos cortavas,
onde com teus enganos inda crecem?
Arder por meu amor neles mostravas:
Eu, crendo que era assi, não entendia,
quando fingiste amar, quão pouco amavas.
Tristes meus fados foram, triste o dia
em que nasci : coitada de mi, triste,
que em mágoa se tornou minha alegria!
Logo que a tua Galateia viste,
vi eu deste meu mal grandes agouros;
e tu da parte esquerda um corvo ouviste.
E não tem Galateia mais tesouros,
nem tem mais formosura, inda que seja
ou de alvo rosto, ou de cabelos louros.
À negra violeta tem inveja
o branco lírio, porque tal não tem
o cheiro, que vencido não se veja.
Títiro arde por mi; Títiro, a quem
mil Ninfas dão capelas de mil flores;
mas ele a mi só chama, a mi quer bem.
Eu desprezo por ti muitos pastores,
e tu por Galateia me desprezas!
Tal pago dás, cruel, a meus amores?
Em que te mereci tantas cruezas
quantas usas comigo? Porventura
usei contigo de ira, ou de asperezas?
Prouvera a Deus que tão isenta e dura
me viras para ti que nunca viras
em mi sinal de amor ou de brandura!
Se eu fugira de ti, tu me seguiras;
por mi arderas, não por uma ingrata
por quem choras em vão, em vão suspiras.
Bem me vinga de ti, pois te maltrata;
mas eu te quero tanto que desamo
- por mais que tu me mates – quem te mata.
Respondem-me estes montes, quando chamo
por ti com triste voz; Eco responde
das lágrimas movida, que derramo.
E tu não me respondes, nem sei onde
te leva esse desejo; mas bem sei
que amor e desamor de mi te esconde.
Ai triste Fílis, triste! Onde acharei
remédio a tanto mal? O fogo puro,
em que me abraso, com que abrandarei?
Já fugira daqui, por mais que duro
fosse o deixar o ninho em que nasci.
Mas não há contra Amor lugar seguro.
A morte só – mil vezes isto ouvi
à nossa Célia – por remédio espere
aquele que a Amor fez senhor de si.
Então, por que de todo desespere,
este Cego, a quem cegos nós seguimos,
a mi por ti, e a ti por outra fere.
Se eu morrera no ponto em que nos vimos,
não vira tanto mal. Mas que da sua
sorte fugisse alguém nós nunca ouvimos.
Eu me queixo de ti, e tu da tua
Galateia te queixas; e não vês
que mais piedosa te é, quando mais crua.
Sendo tu tão cruel – tão cego és! -
queres achar piedade? Como queres
que te creiam teu mal, se o meu não crês?
Que eu viva com pesar, tu com prazeres;
não quer o justo Céu. Ou ambos tristes,
ou ledos ambos, si: mais não esperes.
Selvas, que noutro tempo nos cobristes
com frescas sombras lá do ardor de cima,
dizei se a Coridon dizer ouvistes:
«Primeiro há-de tornar o brando Lima
as águas de cristal à fonte clara,
que no meu peito novo amor se imprima.
Primeiro que eu te deixe, Fílis clara,
me há-de deixar a mi a própria vida.
Mas quem, por não deixar-te, a não deixara!
Pois tu, Fílis, ma dás, eu of'recida
a tenho a teu querer; tu dela ordena
como, doce amor meu, fores servida.
Por ti me será branda a dura pena;
por ti suave a dor, leve o tormento,
a que me inclina o Fado, ou me condena.»
Ah falso Coridon! teu pensamento
era enganar-me: dada a fé me tinhas;
e a fé coas palavras leva o vento.
Mas – ai triste de mi! – também as minhas
o vento vai levando. O sol é posto.
Porque, ligeira luz, te não detinhas,
enquanto em meu queixume achava gosto?
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