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Luís Vaz de Camões




Partir-me do meu bem, triste partida






Partir-me do meu bem, triste partida!
Estar onde ele está, duro tormento!
Vê-lo e não o ver, penosa vida!
Não tem minha alma enfim contentamento.
Qual alma se viu nunca perseguida
de tão contrário e grave sentimento
que assi a fere tudo e entristece,
que com o mal e o bem sempre padece?

Se tão conforme estou com meu cuidado,
donde lhe nace um bem tão diferente?
São tudo desconcertos do meu fado,
que nenhum breve gosto me contente.
Já começo a sentir o triste estado
e a saudosa dor da vida ausente,
pois me aparta de vós, indo comigo,
o Amor que me foi sempre tão imigo.

Seguindo minha estrela triste, escura,
vou por remoto mar em um leve lenho,
buscando pera a vida sem ventura
bonanças da ventura que eu não tenho.
Mas se me a vida muito tempo atura
e a tanto mal, depois de tantos, venho,
eu chorarei a minha triste sorte,
pois me é contrária a vida e mais a morte.

Cercado de saudosa e vã lembrança
nascida já do muito que vos quero,
descobrirei meu mal sem esperança
ao furioso mar e vento fero;
descobrirei nesta áspera mudança
a quão perfeito amor quão pouco espero,
pera que tudo saiba e tudo veja
quanto esta alma vos ama e vos deseja.

Quanto me alongo mais, de grito em grito,
bradando irei por vós continuamente,
levando vosso nome n'alma escrito
pera o celebrar de gente em gente.
Que vendo vosso ser tão infinito,
se espantem como vivo, estando ausente.
Mas não tenho eu saber para louvar-vos,
que nunca soube mais senão amar-vos.

Vendo-me na tormenta furiosa,
na bonança quieta e sossegada,
vos direi como sois alva e fermosa
nos saudosos olhos transformada
que, enlevados na vista deleitosa
que me traz a alma alheia e transformada,
far-me-ão todo trabalho doce e leve
e a mais comprida (noite?) curta e breve.

Um só remédio quero que procure
a minha alma, Senhora, o qual pretendo
e não pera que a vida mais me dure,
que desde agora a estou aborrecendo;
mas para que a meus olhos se afigure
a vossa alegre vista, não vos vendo,
peço ao Amor que assi me favoreça,
que quanto eu vir convosco se pareça.

Bem sei que em tanta dor, tanto tormento,
mal tão sem esperança, tão sem cura,
era melhor remédio esquecimento.
Mas não permita tal minha ventura;
antes, se me esquecer do pensamento
com que eu adoro vossa fermosura,
o céu se me escureça e tudo seja
contrairo ao que a minha alma mais deseja.

E se dos vossos olhos vencedores
em algum tempo me virem esquecido
ou se eu tiver, Senhora, outros amores,
nem inda que seja amor fingido,
o bem de vossos doces disfavores,
em que me fazeis ser tão bem perdido
se me converta em dor, pena e cuidado
e morra descontente e desamado.



 


 

 

 

 

 

20/03/2006