Luís Vaz de Camões
Já não posso ser contente
MOTE
Já não posso ser contente:
tenho a esperança perdida;
ando perdido entre a gente,
nem morro nem tenho vida.
GLOSA
Despois que meu cruel Fado
destruiu uma esperança
em que me vi levantado,
no mal fiquei sem mudança,
e do bem desesperado.
O coração, que isto sente,
à sua dor não resiste,
porque vê mui claramente
que pois nasci para triste,
já não posso ser contente.
Por isso, contentamentos,
fugi de quem vos despreza.
Já fiz outros fundamentos,
já fiz senhora a tristeza
de todos meus pensamentos.
O menos que lhe entreguei
foi esta cansada vida:
cuido que nisto acertei
porque, de quanto esperei,
tenho a esperança perdida.
Acabar de me perder
fora já muito melhor:
tivera fim esta dor
que, não podendo mor ser,
cada vez a sinto mor.
De vós desejo esconder-me
(e de mi principalmente),
onde ninguém possa ver-me;
que pois me ganho em perder-me,
ando perdido entre a gente.
Gostos de mudanças cheios,
não me busqueis, não vos quero;
tenho-vos por tão alheios
que do bem, que não espero,
inda me ficam receios.
Em pena tão sem medida,
em tormento tão esquivo,
que morra ninguém duvida.
Mas eu, se morro ou se vivo,
nem morro nem tenho vida.
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