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Luís Vaz de Camões



Ora cuidar me assegura


MOTE

Ora cuidar me assegura,
ora me matam cuidados.

GLOSA

Foi ser a vontade minha
de todos tão desviada
que me não afirmo em nada,
pois tenho o mal que tinha.
O bem que tinha me enfada.
Isto é força da ventura
- se não me engana o que cuido -
que tais extremos mistura
que ora o meu próprio descuido,
ora cuidar me assegura.

Diversas cousas me pede
o meu desejo inquieto:
umas nego, outras prometo;
mas contudo me sucede
perder-me no que cometo.
Como será dos meus fados
a tenção favorecida,
se para males dobrados
dão-me ora cuidados vida,
ora me matam cuidados?


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís Vaz de Camões


 

Por uns olhos que fugiram


MOTE

Por uns olhos que fugiram
o lume dos meus perdi;
porque nem eles me viram,
nem eu também mais os vi.

VOLTA

Não lhes pude defender
que tais olhos não seguissem;
riram-se muito de ver
outros olhos que tal vissem.
Eu não sei o que sentiram,
mas sei que tal dor senti
quando vi que não viram
que nunca mais prazer vi.

Com sua luz me cegaram,
como o sol tem por costume;
fiquei com olhos sem lume,
para chorar me ficaram.
Assi, desde que não viram
aqueles que acaso vi,
sempre disso me servi:
nunca mais com eles vi.


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís Vaz de Camões


 

Prazeres, que me quereis?


MOTE

Prazeres, que me quereis?
Se vedes que vos não quero,
- já nenhum de vós espero -
nenhum de mim espereis.

VOLTA

Vindes para vos tomar,
sois leves de natureza;
melhor é minha tristeza
que me não sabe deixar.
Disto não vos espanteis,
que pois me quer, eu a quero;
não me engana no que espero,

como vós sempre fazeis.
Lembre-vos quanto enleastes
quando fugir vós quisestes;
o muito que prometestes,
o pouco que me deixastes.
O que agora prometestes
é também engano mero:
o que podeis, não o quero;
o que quero não podeis.

De vossos contentamentos
tenho já experiência
que de bens têm aparência,
e na verdade são ventos.
Tempo é que me deixeis,
já que nada de vós quero:
não tenhais isto por fero;
buscai outrem que enganeis.


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Se espero, sei que me engano


MOTE

Se espero, sei que me engano,
mas não sei desesperar.

GLOSA

O meu pensamento altivo
me tem posto em tal extremo
que, quando esperando vivo,
o bem esperado temo
muito mais que o mal esquivo.
Que, para crescer meu dano
no gosto da confiança,
ordena o amor tirano
que, na mais firme esperança
se espero, sei que me engano.

Deste novo sentimento
chega a tanto a nova dor,
que se enleia o pensamento
ver que, no mor bem de amor,
se descobre o mor tormento.
Folgara de me enganar;
mas não é cousa possível
pois, para sempre penar,
sei que espero o impossível,
mas não sei desesperar.


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Tal estoi despues que os vi


MOTE

Tal estoi despues que os vi
que de mi proprio cuidado
estoi tan enamorado
como Narciso de si.

VOLTAS

Una sola deferencia
hallo neste amor altivo:
que el murió con preferencia,
mas yo con la vuestra vivo.
En el junto que yo os vi,
se realçó mi cuidado;
de modo que enamorado
por vos, me quedé de mi.

Nacieron de un amor dos
Cupido fué el tercero,
que hace que bien mi quiero
solo porque os quiero a vos.
Los extremos que en vos vi
me han traido a tal estado
que me veo enamorado
de amor de vos e de mi.


 

 

 

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De vós quererdes meu mal


MOTE

De vós quererdes meu mal
me vem podê-lo sofrer.

GLOSA

De tantas penas cercado,
gozo de um bem que já tive;
que o que me é menos pesado
é ponderar que ainda vive
um amor tão mal pagado.
A causa deste tormento,
sem vós, me fora mortal;
daqui vem que, em dano tal,
só tenho o contentamento
de vós quererdes meu mal.

De vós quererdes meu mal
vem o querer esta vida;
porque a dor de tal ferida
posto que em si é mortal,
fica assim menos sentida.
Eu tenho a dor desta pena
que me vós fazeis querer;
E posto que me condena,
de ver que se me ordena
me vem podê-la sofrer.


 

 

 

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29/03/2006