Luís Vaz de Camões
Quanto tempo ter posso amor de
vida
Quanto tempo ter posso amor de vida
sem ver aquela luz alegre e bela
daqueles graciosos lindos olhos?
Se há-de ser muito, venha a morte,
e para sempre aparte deste corpo
a triste namorada, infelice alma.
Quando fizeste os olhos seus desta alma
a luz, a guia, a glória, a fama, a vida,
ordenaste que não vivesse o corpo
não vendo a vista amada linda e bela.
Pois como já me tarda tanto a morte,
se tanto há que não vejo os olhos belos?
Claros raios do sol, formosos olhos,
que as chaves ambas tendes da minha alma,
se não vos hei-de ver, leve-me a morte,
que morte é, sem vos ver, a própria vida.
E pois que não vos vendo a morte é bela,
não tenha uma hora mais de vida o corpo.
Vai-se sustendo na esperança o corpo
de tornar inda a ver-vos, doces olhos;
que, se não fora esta esperança bela,
a alma já o deixara e ele a alma.
Pois se vós dele e dela sois a vida,
que podem sem vós ter mais do que morte?
Vários modos sofrendo está de morte
entanto este mortal e triste corpo;
e, se temo perder de todo a vida,
é por temer perder-vos, lindos olhos.
Isto faz com que já de todo a alma
não se parta a buscar vida mais bela.
Serena luz, formosa, clara e bela,
que me dás juntamente vida e morte,
e pintaste com teus raios nesta alma
as raras perfeições do belo corpo!
'Té que te torne a ver, meus tristes olhos,
não haverá em mim gosto da vida.
Morte sem vós é vida, e morte a vida;
bela a tristeza nestes tristes olhos;
a alma carga pesada ao mortal.
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