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Luís Vaz de Camões




Tão suave, tão fresca e tão fermosa




Tão suave, tão fresca e tão fermosa,
nunca no Céu saiu
a Aurora no princípio do Verão,
as flores dando a graça costumada,
como a fermosa, mansa fera, quando
um pensamento vivo m'inspirou,
por quem me desconheço.

Bonina pudibunda ou fresca rosa
nunca no campo abriu,
quando os raios do Sol no Touro estão,
de cores diferentes esmaltada,
como esta flor que, os olhos inclinando,
o sofrimento triste costumou
à pena que padeço.

Ligeira, bela Ninfa, linda, irosa,
não creio que seguiu
Sátiro, cujo brando coração
de amores comovesse fera irada,
que assi fosse fugindo e desprezando
este tormento, onde Amor mostrou
tão próspero começo.

Nunca, enfim, cousa bela e rigorosa
Natura produziu
que iguale àquela forma e condição,
que as dores em que vivo estima em nada.
Mas com tão doce gesto, irado e brando,
o sentimento e a vida me enlevou
que a pena lhe agradeço.

Bem cuidei de exaltar em verso ou prosa
aquilo que a alma viu
antre a doce dureza e mansidão,
primores de beleza desusada:
mas, quando quis voar ao Céu, cantando,
entendimento e engenho me cegou
luz de tão alto preço.

Naquela alta pureza deleitosa
que ao mundo se encobriu
e nos olhos angélicos, que são
senhores desta vida destinada,
e naqueles cabelos que, soltando
ao manso vento, a vida me enredou,
me alegro e entristeço.

Saudades e suspeita perigosa,
que Amor constituiu
por castigo daqueles que se vão;
temores, penas d'alma desprezada,
fera esquivança, que me vai tirando
o mantimento que me sustentou,
a tudo me ofereço.

 

 

 

 


 

16/03/2006