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Luís Vaz de Camões




Naquele tempo brando


 


Naquele tempo brando
em que se vê do mundo a fermosura,
que Thétis descansando
de seu trabalho está, fermosa e pura,
cansava o Amor o peito
do mancebo Peleu de um duro afeito.

Com ímpeto forçoso
lhe tinha já fugido a bela Ninfa
quando, no tempo aquoso,
Noto ligeiro move a clara linfa,
serras no mar erguendo,
que as altas vão da terra desfazendo.

Esperava o mancebo,
com a dor que o seu peito n'alma sente,
um dos dias que Febo
o mundo todo abrasa em fogo ardente,
soltando as tranças de ouro
em que Clície de amor faz seu tesouro.

Era no mês que Apolo
entre os irmãos celestes passa o tempo;
o vento enfreia Eolo,
para que o deleitoso passatempo
seja quieto e mudo;
que a tudo Amor obriga, e vence tudo.

O luminoso dia
os amorosos corpos despertava
na cega idolatria,
que o peito mais contenta e mais agrava;
onde o cego Minino
se faz crer dos humanos que é contino;

quando a fermosa Ninfa
com todo ajuntamento venerando,
na pura e clara linfa
o cristalino corpo está lavando;
o qual, nas águas vendo,
nele, alegre de o ver, se esta revendo:

o peito diamantino
em cuja branca teta Amor se cria;
o gesto peregrino,
cuja presença torna noite, dia;
a graciosa boca,
que Amor a seus amores mais provoca;

os rubins graciosos;
e pérolas que escondem entre as rosas
os jardins deleitosos,
que o Céu plantou em faces tão fermosas;
o transparente colo,
que ciúmes a Dafne faz de Apolo;

o sutil movimento
dos olhos, cuja vista o Amor cegou;
o qual, com seu tormento,
nunca mais de tais olhos se apartou,
mas antes de contino
nas mininas o trazem por minino;

os fios espalhados
de amor que aos mais dos peitos faz cobiça,
onde Amor enredados
os corações humanos traz e atiça,
com férvido desejo
por onde ele começa a ser sobejo.

O mancebo Peleu,
que de Neptuno estava aconselhado,
vendo na terra o Céu
em tão bela figura tresladado,
mudo um pouco ficou,
porque Amor logo a fala lhe tirou.

Enfim, querendo ver
quem tanto mal de longe lhe fazia,
a vista foi perder,
porque, de puro amor, Amor não via;
ficando cego e mudo
contra as forças do Amor, que pode tudo.

Agora se aparelha
para a batalha; agora remetendo;
agora se aconselha;
agora vai; agora está tremendo;
quando já de Cupido
com nova seta o peito viu ferido.

Remete o moço logo
para onde estava a chaga, sem sossego;
e co sobejo fogo,
quanto mais perto estava, então mais cego
se via; e cum suspiro
na fermosa donzela emprega o tiro.

Vingado assi Peleu,
nasceu deste amoroso ajuntamento
o forte Larisseu,
destruição do frígio pensamento;
que, por não ser ferido,
foi nas ondas estígias submergido.

 

 

 

 

 

16/03/2006