Luís Vaz de Camões
Aquele único exemplo
Aquele único exemplo
de fortaleza heróica e de ousadia,
que mereceu, no templo
da eternidade, ter perpétuo dia
o grão filho de Thétis, que dez anos
flagelo foi dos míseros Troianos;
não menos ensinado
foi nas ervas e médica notícia
que destro e costumado
no soberbo exercício da milícia:
assi que as mãos que a tantos morte deram,
também a muitos vida dar puderam.
E não se desprezou
aquele fero e indómito mancebo,
das artes que ensinou
para o lânguido corpo o intonso Febo
que, se o temido Hector matar podia,
também chagas mortais curar sabia.
Tais artes aprendeu
do semiviro mestre e douto velho,
onde tanto creceu
em virtude, ciências e conselho,
que Télefo, por ele vulnerado,
só dele pôde ser despois curado.
Pois a vós, ó excelente
e ilustríssimo Conde, do céu dado
para fazer presente
de heróis altos o tempo já passado;
em que bem trasladada está a memória
de vossos ascendentes a honra e a glória:
Posto que o pensamento
ocupado tenhais na guerra infesta,
ou do sanguinolento
taprobânico Achem, que o mar molesta,
ou do Cambaico; oculto imigo nosso,
que qualquer deles treme ao nome vosso;
favorecei a antiga
ciência, que já Aquiles estimou;
olhai que vos obriga
verdes que em vosso tempo se mostrou
o fruto daquela Orta, onde florecem
prantas novas, que os doutos não conhecem.
Olhai que, em vossos anos,
uma Orta insigne produze várias ervas
nos campos lusitanos,
as quais aquelas doutas e protervas
Medeia e Circe nunca conheceram,
posto que as leis da Magica excederam.
E vede carregado
d'anos, letras e longa experiência,
um velho que, ensinado
das gangéticas Musas na ciência
podalíria sutil e arte silvestre,
vence o velho Quiron, d'Aquiles mestre;
o qual está pedindo
vosso favor e ajuda ao grão volume
que, agora em luz saindo,
dará da Medicina um novo lume,
e descobrindo irá segredos certos
a todos os antigos encobertos.
Assi que não podeis
negar – como vos pede – benina aura:
que, se muito valeis
na polvorosa guerra índica e maura,
ajudai quem ajuda contra a morte;
e sereis semelhante ao Grego forte.
Poema editado na primeira edição do «Colóquio dos
Simples e Drogas da Índia» de Garcia de Orta, obra publicada em Goa
em 1563.
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