Luís Vaz de Camões
A quem darão de Pindo as moradoras
A quem darão de Pindo as moradoras,
tão doutas como belas,
florescentes capelas
do triunfante louro ou mirto verde,
da gloriosa palma, que não perde
a presunção sublime,
nem por força do peso algum se oprime?
A quem trarão na fralda delicada
rosas a roxa Clóris,
conchas a branca Dóris;
estas, flores do mar, da terra aquelas,
argênteas, ruivas, brancas e amarelas,
com danças e coreias
de fermosas Nereidas e Napeias?
A quem farão os hinos, odes, cantos,
em Tebas Anfion,
em Lesbos Arion,
senão a vós, por quem restituída
se vê da Poesia já perdida
a honra e glória igual,
Senhor Dom Manuel de Portugal?
Imitando os espritos já passados,
gentis, altos, reais,
honra benigna dais
a meu tão baixo quão zeloso engenho.
Por Mecenas a vós celebro e tenho;
e sacro o nome vosso
farei, se algüa cousa em verso posso.
O rudo canto meu, que ressuscita
as honras sepultadas,
as palmas já passadas
dos belicosos nossos Lusitanos,
para tesouro dos futuros anos,
convosco se defende
da lei leteia, à qual tudo se rende.
Na vossa árvore, ornada de honra e glória,
achou tronco excelente
a hera florecente
para a minha, até aqui de baixa estima,
na qual, para trepar, se encosta e arrima;
e nela subireis
tão alto quanto aos ramos estendeis.
Sempre foram engenhos peregrinos
da Fortuna envejados;
que, quanto levantados
por um braço nas asas são da Fama,
tanto por outro a sorte, que os desama,
co peso e gravidade
os oprime da vil necessidade.
Mas altos corações, dignos de império,
que vencem a Fortuna,
foram sempre coluna
da ciência gentil: Octaviano,
Cipião, Alexandre e Graciano,
que vemos imortais:
e vós, que nosso século dourais.
Pois logo, enquanto a cítara sonora
se estimar pelo mundo,
com som douto e jucundo,
e enquanto produzir o Tejo e o Douro
peitos de Marte e Febo crespo e louro,
tereis glória imortal,
Senhor Dom Manuel de Portugal.
|