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Luís Vaz de Camões




Sobre a seta que o Santo Padre mandou a El-Rei
D. Sebastião no ano do Senhor de 1575:




Mui alto Rei, a quem os Céus em sorte
deram o nome augusto e sublimado
daquele cavaleiro que, na morte
por Cristo, foi de setas mil passado;
pois dele o fiel peito, casto e forte,
co nome imperial tendes tomado,
tomai também a seta veneranda,
que a vós o sucessor de Pedro manda.

Já por sorte do Céu, que o consentiu,
tendes o braço seu, relíquia cara,
defensor contra o gládio que feriu
o povo que David contar mandara.
No qual, pois tudo em vós se permitiu,
presságio temos e esperança clara
que sereis braço forte e soberano
contra o soberbo gládio mauritano.

E o que este presságio agora encerra
nos faz ter por mais certo e verdadeiro
a seta que vos dá quem é na Terra
das relíquias celestes dispenseiro;
que as vossas setas são, na justa guerra,
agudas; entrarão por derradeiro,
- caindo a vossos pés povo sem lei -
nos peitos que inimigos são do Rei.

Quando vossas bandeiras despregava
Albuquerque fortíssimo, com glória,
polas praias da Pérsia, e alcançava
de nações tão remotas a vitória;
as setas embebidas que tirava
o arco armusiano é larga história
que no ar, Deus querendo, se viravam
pregando-se nos peitos que as tiravam.

O querido de Deus, por quem peleja
o ar também e o vento conjurado,
ao atambor acode, por que veja
que quem a Deus ama e de Deus amado.
Os contrários, reveis a madre Igreja,
atroarão co tom do Céu irado,
que assi deu já favor maior que humano
a Josué hebreu, a Teodósio hispano.

Pois se as setas tiradas da inimiga
corda, contra si só nocivas são,
que farão, Rei, as vossas que têm liga
coa que já tocou Sebastião?
Tinta vem do seu sangue com que obriga
a levantar a Deus o coração,
crendo que as que vós atirareis
no sangue sarraceno as tingireis.

Ascânio – se trazer-me é concedido,
entre santos exemplos, um profano -
rei do largo império conhecido
romano, e só relíquia do Troiano,
vingou, com seta e ânimo atrevido,
as soberbas palavras de Numano;
e logo foi dali remunerado,
com louvores de Apolo celebrado.

Assi vós, Rei, que fostes segurança
de nossa liberdade, e que nos dais
de grandes bens certíssima esperança;
nos costumes e aspeito que mostrais,
concebemos segura confiança
que Deus, a quem servis e venerais,
vos fará vingador dos seus revéis,
e os prémios vos dará que mereceis.

Estes humildes versos, que pregão
são destes vossos reinos, com verdade,
recebei com humilde e leda mão,
pois é devido a reis benignidade.
Tenham – se não merecem galardão -
favor, sequer, da régia Majestade;
assi tenhais, de quem já tendes tanto,
com o nome e relíquia, favor santo.



 

 

 

 

 

16/03/2006