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Luís Vaz de Camões




Nem roxa flor de Abril




Nem roxa flor de Abril,
pintor do campo ameno e da verdura,
colhida entre outras mil,
foi nunca assi agradável à donzela
cortês, alegre e bela,
de sua mãe deleite e glória pura,
como a mim foi a inculta fermosura
natural, que pudera
render Saturno lá na sua esfera.

Natural fonte agreste,
não lavrada de artífice excelente,
mas por arte celeste
derivada de rústico penedo,
não fez nunca tão ledo
cansado caçador por sesta ardente,
quanto o descuido a mi me fez contente
do ver tão descuidado,
que faz sereno a Júpiter irado.

Fruta que, sem concerto,
Natureza entre os ramos dependura,
achada por acerto;
a quem pintada a vê de sangue e leite,
não lhe dá o deleite,
que essa graça me dá sem compostura,
ornamento da mesma formosura,
e o toucado sem arte,
que tornara pastor o bravo Marte.

A manhã graciosa
que derramando sai de entre os cabelos;
a flor, o lírio, a rosa,
sem ajuda de ornato ou de artifício,
não faz o benefício,
que faz a luz dos vossos olhos belos
a quem os vê tão puros e singelos;
e esse inocente riso,
por que o sol deixa pelo Tejo Anfriso.

Outeiros coroados
das árvores que fazem espessura
co' os ramos carregados
alegre, que mão destra os não cultiva,
graça tão excessiva
não têm na sua natural verdura,
quanta na desses olhos, clara e pura,

deposita a esperança,
com que Amor gosto, e a mãe tormento alcança.
Dos simples passarinhos
a música sem arte concertada,
dentre os verdes raminhos,
tão suave não é, tão deleitosa
a quem no campo a goza
[com mente ouvindo-a está toda elevada,]
quanto a mim essa fala alegre agrada,
e o natural aviso
tal que a Mercúrio rouba o ceptro e o siso.

Dos rios frescos água,
que clara entre arvoredos se deriva,
caindo de alta frágoa,
esmaltando de pérolas no prado
o verde delicado,
com brando som aos olhos fugitiva;
não nos alegra quanto a graça esquiva
dessa voz soberana,
que faz cortes a rústica Diana.

A tal luz – ó Canção, que ousaste! -,
vendo estás já prostrado
Saturno triste, Júpiter irado,
bravo Marte, áureo Apolo, Vénus bela,
e Mercúrio, e Diana, e toda estrela.


 


 

 

 

 

 

16/03/2006