Casé Lontra Marques
Um pequeno bloco de poemas de
Mares Inacabados
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O corpo ultrapassa a parede de argamassa, mas continua
estreito, concreto, como um pulmão trancado
em crise de asma. A liberdade
vendeu as asas em troca de paisagem.
Encontro um detrito
entre as pernas, apesar da velocidade dos afetos.
O pássaro
que inventamos era só mais um pássaro.
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Através da vidraça trincada, dá pra ver a cara calma
da calçada. Prédios em vez de asas.
Quando escurecer, o corpo edificará sua cota
de argamassa. Algo branco
seduz a cidade com solidez de fumaça.
Depois de respirar, aceito
o sol na medida exata do furo de uma bala.
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Lá está a esquina prevista, a cidade evidente. Mares
inacabados
que o sol do sarcasmo
infeccionou. Dois desempregados cruzam o asfalto, equilibrando
pássaros
dentro dos sapatos. Cultivar o corpo como pedras
que o sol do sarcasmo
infeccionou. A violência também exercita nem tão sutil melodia.
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Móveis novos há tanto depredados. Setembro quase de todo
vertical. Uma gaveta que ninguém ousaria
comparar a um pulmão. Apesar de desfalcar o tórax
do armário. Outubro não virá
até que se abra outro janeiro no colo desta hora.
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Pouco importa se o fogo voltará. Alguma cabeça
no mais alto degrau da escada. Ainda
o martelar daquele prego
incomodamente mudo. Resta agora a camisa pra lavar.
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