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Soares  Feitosa

Escreva para o editor

Thomas Colle,  The Return, 1837
 

Compadre   Primo

MOTE GERAL:  
A infância, o chão, 
os matos, as pedras,  
os céus, as águas,o sertão, 
os bichos grandes e miúdos,  
oficinas e tralhas,  
cheiros, e  sons!  
Mofumbos & alecrins, perfumes.

 

                                PERSONAGENS:

Dois meninos,

os tios, os parentes,

os moleques,

as montarias

e o tempo.

Daquele Tempo

 

 

 

CANTO PRIMEIRO - TRAVESSIA

 

Passinho miúdo, pedregulho da serra,  
Padrim Ulisses, a burra Faceira  
garupa, o primo, molecote, meu igual.  

Quarenta... e lá se vão pedradas.  
Foi ontem!  

Vicente, o tio, brabo e valente,  
montaria Jandaíra. E eu também...  

             — Brincamos ou brigamos?  

Perguntou o padrim aos dois meninos.  

 

Nem precisava:  
primos, destino;  
séculos, amizade:  
Compadres!  
  

Oito léguas, mas chegamos.  
Chovia,  
paraíso:  
fazenda Bom-Jardim,  
sertão do Tamboril,  
terras de Siarah!

 

 

CANTO SEGUNDO - CAÇADAS

 

Diz o governo que não pode.  
  

Naquele tempo, podia:  
caçar passarim.  
  

Era craque o primo.  
terror da floresta,  
na mira da baladeira,  
inverno,  
em terras de Siarah,  
mofumbos, alecrins:  
perfumes... a mata  
cheia.  
  

Não podia era tirar ninho,  
nem judiar do inocente,  
nem abrir-a-porteira-do-curral,  
nem mangar do desvalido,  
nem desrespeitar o mais velho,  
nem deixar de socorrer, doente, o animal.  
  

Tocar fogo no capim?  
  

Nem pensar,  
pois o Cão "aparecia"...  
  

Tudo isso estava escrito  
no Segundo Livro,  
de Felisberto,  
feliz que escreveu;  
de Carvalho,  
imortal!  
  

E, fielmente obedecido.  
  

Quarenta... e lá se vão pedradas!  
Foi ontem!  
  

Pois caçar,  
naquele tempo, podia!  
  

Primo meu, mira afinada,  
fogo-pagou, juriti, jaçanã...  
terror da mata, o primo.  
entre espinhos da faveleira,  
atirava,  
eu ia buscar.  
  

Crime dos crimes:  
do beija-flor, troféu de glória,  
o coração, antropófagos,  
comíamos, para atirar melhor.  
  

A mim nunca adiantou a mandinga:  
Remorsos, hoje, do inocente beija.  
Atirava no que via,  
matava o que não via.  
  

Matava?  
  

É um modo-de-dizer.  
acertava na pobre da lagartixa,  
confirmatória,  
jiboiada na cerca do curral.  
  

Primo meu,  
quarenta, primo, lá se se vão:  
ainda acertarias no Sibite em pleno vôo?  
 
 

[...] ou   
à raiz de teus cabelos parcos  
(pensei, apenas pensei)  
haveriam de tremer  
no ar  
a mão,  
o olho,  
a baladeira,  
a pedra,  
e no tempo,  
o tempo? 

 

—  Cadê tua baladeira?  
  
 

Não, não, Compadre-primo,  
eu sei que tu acertas!  
Embainhes tua arma,  
mestre Sibite  
agora é nosso compadre,  
tem filhos para criar...

 

 

CANTO TERCEIRO

A LETRA TÊ, EM TACHINHAS

 

Íamos traquinar nas tralhas,  
da oficina do avô, Joaquim.  
Tinha a bésta, de madeira e relho,  
do meu já falecido pai, Tatim.  
  

A letra T, em tachinhas...  
Na madeira da besta,  
um T,  
igualzinho ao das cadeiras lá de casa.  
  

A besta é dele,  
disse um tio, Quinzim:  
Eu ajudei a fazer... a mobília  também.  
Não é para mexer...  
É dele...  
  

Um proibido tão fraco, esse do tio...  
Pareceu até achou bom,  
os meninos...  
dos meninos que um dia,  
ele também...  
  

Cúmplice, saiu fininho,  
fez de conta que não viu!  
  

Pois mexemos e traquinamos!  
  

Alguém fazia outra coisa?  
  

Casaca-de-couro, um ninho imenso,  
na canafístula, lado da casa,  
inocente, pagou o pato.  
Perdemos a flecha, da besta.  
  

O avô, o tio e o "dono",  
até hoje,  
não sabem da traquinagem.  
Foi bom!  
  

Ah, meu Tempo,  
que me avoe o velho Sibite,  
que me perdoe o Beija.  
Flor, flores...  
Longos anos , mestre Casaca,  
felicidades, comadre Jaçanã.  
  

Mas, vocês rezem,  
rezem muito,  
sempre chega uma nova safra...  
os moleques, de baladeira!  

 

 

CANTO QUARTO

REZAS & PAÇOQUINHA

 

Francisquinha, nossa avó:  
meu netim, uma paçoquinha,  
de gergelim, com rapadura.  
  

E nos ensinou o Ângelus:  
Angele Dei, qui custos es mei...  
Anjo do Senhor, que és o meu guarda...  
Às seis da tarde,  recomendava.  
  

E se benzia!  
  

Por que, compadre,  
a gente não reza mais?

 

 

CANTO QUINTO

PERIPÉCIAS

Depois, nas montarias,  
mais quatro léguas,  
Sítio-do-Meio, de Raimundo, tio.  
Os primos e os moleques, do nosso tope.  
Foi festão!  
  

E corríamos nos jumentos.  
Nas jumentas, ainda não,  
não era tempo.  
  

E traquinávamos;  
e traquinávamos!  
  

Um capuxu,  
ferroadas...  
doeu!  
  

A prima,  
a farda do patronato,  
Crateús,  
fim do mundo, diziam.

 

        Tão longe...  
        depois ficou perto...  
        agora é longe... 

 

Como pode?  
menino, longe;  
taludo, perto;  
velhote, outra vez é longe...  
esse mesmo Crateús!?  
É muito longe!  

        Sal,  
        água morna,  
        a bacia de ágata,  
        a  toalha de cheiro:  
        lava-pés de rei!  
          

        E tirava os espinhos,  
        branca, listras azuis,  
        belíssimas!  
        A farda,  
        a prima!

 

 

CANTO SEXTO

"BENÇAS"

E a papa de farinha-do-reino?  
E a coalhada, da ceia?  
A carne seca, do bode, assada...  
Tudo com rezas e benças  
aos mais velhos, dos meninos.  
  

—  Meninos...?  
 

      Meio-século, primo! 

—  Velhos?  
 
      É quaje!  

      Como corre! 

Ver fabricar o queijo, primo;  
o queijo do Tamboril, famoso,  
da fazenda Bom-Jardim, melhor,  
das terras de Siarah;  
a coalhada ainda quente, fiapando...  
  

— Não mexe, menino!  
Dizia a preta Tonha.  
  

— Tome um pedacim, meu netim!  
E chamava pra perto. 
  

As beiradas, da prensa, à noite,  
quem não comeu, (rangindo),  
o queijo,  
salte esta linha, pois inocente,  
não sabe o que é bom!  
  

Foi ontem! 

 

 

CANTO SÉTIMO

ALMANAQUE & ALMANAQUES


Tem a história do Almanaque:  

Vô Joaquim, para ficar forte,  
comprou um biotônico.  
Não é que tinha um almanaque.  
Ilustrado!  
  

Até o galo, de botas e esporas,  
a onça,  
a terrível onça, comedeira dos bodes,  
de um murro só, Zeca matou-la!  
  

— Tu não te lembras?  
  
Pois foi lá que "li o Almanaque".  
E não me canso de "ler almanaques".  
Até hoje! 

 

 

CANTO OITAVO

CHEIROS & SONS

Compadre-primo, eu te digo:  
o estrume da Mimosa,  
o bodejo do Caprichoso, nas cabras...  
  

Cheiros e Sons!  
  

Foi ontem.  
  

Não,  
não foi ontem,  
foi ind’agorinha!  
  

Pra lá,  
compadre bode,  
pra cá, minha vaquinha.  
  

Safado todo,  
o Caprichoso, compadre!  
Ah, compadre, a gente olhava...

 

 

CANTO NONO

RETORNAR, QUANDO CHOVER

 

Antes que a ceifeira chegue, 
e que não chegue já... 
 

Eu te convoco: 

Vamos tomar emprestado 
os pulsantes 
dos beijas: 
aqueles, 
daquele tempo 
 

—  Será que a gente agüenta? 
 

(É melhor quando chover) 
 

Selar a Faceira, 
a Jandaíra, 
e chamar 
o Padrim, 
e para ir junto, 
o tio, 
Vicentim. 
 

E, 
coragem, 
cavalgada ligeira, 
voltar lá, 
Bom-Jardim! 
 

É que eu tenho de voltar lá, compadre, 
para pegar 
a besta, 
aquela, 
das tachinhas 
 

 ... ... ... ... É  "minha"! 
 

—  E a flecha? 
 

—  O Compadre me ajuda a procurar. 


 
Recife, tarde, 26.09.93 
 

 

 
     
 

Notas de Compadre-primo 

1 - Abrir-a-porteira-do-curral: entre os 'pecados' dos meninos, logo abaixo do desrespeitar pãe e mãe, tios inclusive, estava a 
traquinagem de abrir a porteira do curral, de manhã bem cedo, com o que os bezerros entrevam e mamavam todo o leite. Pecadíssimo, bem mais grave, seria tocar fogo no capim - bastava pensar, que o Cão, o famosíssimo Cão do Segundo Livro, da obra didática de Felisberto de Carvalho, aparecia para carregar o capetinha colega. 

 

2 - Felisberto de Carvalho: Os livros eram quatro: Primeiro Livro de Leitura, Segundo, Terceiro e Quarto, do referido Felisberto de Carvalho e mais os Pincipios de Arithmética, de Antônio Trajano, depois as famosíssimas coleções FTD. Duravam os livros de bisavô a neto. A literatura da época incluia o Lunário Perpetuo e os almanaques, Capivarol, Bristol, Fontoura - onde Monteiro Lobato divulgava o Jeca-Tatu - estampas (belíssimas mulhres) do sabonete Eucalol. A expressão "dei até o terceiro livro" significava ter estudado inclusive o terceiro livro de Carvalho, o que, dizia minha mãe, ganhava das oitos séries atuais. Parece que ganhava. Ganhava mesmo, com certeza. E tome bolo, na sabatina.

 

3 - Cão-do-Segundo-Livro: Faz parte da famosa coleção de Felisberto de Carvalho, o Segundo Livro, que lá pelas tantas trazia a história de Ernesto, capetíssimo, que mexia nos ninhos e, pecado maior, mexia neles durante a queresma. Levanta-se de noite, abria a porteira do curral, botando o bezerros para mamar, de modo que, de manhã, adeus leite, adeus queijo! A mais grave das traquinagens do tal Ernesto é que num belo dia resolveu tocar fogo na pastagem, deixando os pais na penúria, porque o gado não teria o que comer tão cedo. O Cão, um bicho terrível, cascos de burro (chifres do Cão mesmo, imensos, que corno algum do trecho os teria tão medonhos), aparece a Ernesto, pronto para levá-lo. Na gravura, os cabelos arrepiados do menino, um berro escancarado de mais de palmo, o fogaréu no pasto e o tal Cão, soprando enxofre, já agarra e não agarra! Por um triz! Aquilo era a nossa didática, uma didática de rezas — Livrai-nos do Cão!, dizíamos. Amém. 

[Em tempo: já rodei Ceca e Meca à procura dessas antigas coleções: Livros de Leitura I a IV, tanto de Felisberto de Carvalho como de Erasmo Braga. Quem conseguir, por favor, gostaria de ter nem que fosse uma xerox. Reembolsarei todas as despesas.]

Consegui os livros de Felisberto de Carvalho! O cão do poema não é mesmo de Felisberto. Confira aqui, por favor.

 

4 - Coração do beija-flor: Corre a lenda no sertão de que o menino que comer o coração do beija-flor, pasmem, ainda O pai, Tatim, Francisco Souto Feitosa "batendo", cru, ficará arteiro na pontaria da baladeira. Por certo, um sacrifício ritual - teria origem nos sacrifícios das civilizações pré-colombianas do Novo Mundo, o coração, também pulsante, das virgens imoladas? O poeta, como todo menino, comeu também, mas de nada adiantou... óculos desde muito pequeno, quando muito acertava na pobre da lagartixa, um alvo imóvel, uma injustiça! 

 

5. - Letra T, em tachinhas: A mobília de madeira ou de couro, no Ceará, era marcada com a inicial do dono, com pregos de cabeças arredondadas, as tachinhas, aqui retratadas tanto na besta de madeira como nas cadeiras ainda hoje existentes na casa da mãe do poeta, lá-em-casa. O pai do poeta chamava-se Francisco, (apenas no registro de nascimento), pois era conhecido no trecho Serra das Matas-Serra da Ibiapaba, (Ceará) onde comboiava uma tropa de burros e de jumentos, com rapaduras e farinhas, como Tatim. Numa dessas viagens, de "grande conforto", em meio aos garajaus e aos caçoás, quando o casal passava pela cidade do Ipu (19/jan/44), nasceu o poeta, mas, no mesmo 19, algumas horas antes do nascimento, o pai, Tatim, suicida-se, sem ter tido o prazer de ver o filho, único. O pai agonizou até o alvorecer do dia 20. 

 

 

Outras orfandades, clique aqui:

Os órfãos

 

 
Wilson Martins

 

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Jorge Amado

 

 

 

 

 

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Hélio Pólvora

 

Navegação no Eu Profundo

 

A poesia de Soares Feitosa, cearense até pouco tempo radicado em Salvador, é dessas que se impõem a partir da simples presença. Tem timbre, tom e vozes novos, tem parâmetros antigos e desnudamentos atuais, e muitos de seus signos, os gráficos, trazem a cumplicidade do microcomputador. O poema parece, às vezes, brotar da virtualidade cibernética, na sua inusitada composição espacial, e em outras ocasiões – que são muitas – ele prima pelo lado humano. 

Apesar do aparato eletrônico, Soares Feitosa não perde de vista a sua condição, a sua circunstância, e sente-se que o passado, nele, é a primacial matéria-prima do canto. A este poeta foram propostos, como a Thiago de Mello, Gerardo Melo Mourão e outros que vivem debruçados nos abismos, os enigmas da existência, da não-existência e da intemporalidade. Quando tentam compreender os enigmas, eles partem sempre do seu posto privilegiado de observação: a borda da funda cisterna em que projetam a sua sombra. 

De modo que, em Soares Feitosa, neste seu livro de estréia Psi, a Penúltima (o livro anterior, Réquiem em Sol da Tarde, foi uma edição artesanal, produzida em computador), há que ver-se logo a vocação brasileira. Todos cantam a sua terra, e Casimiro foi um destes. Mas, em Soares Feitosa e outros de sua geração, o canto elementar e lírico, canto de comunhão e busca, de acalanto e rebeldia recolhe temas deHélio Pólvora severas reflexões sociais. À véspera do Terceiro Milênio e em todos os quadrantes, mas principalmente no Brasil e no Nordeste, o homem, este patético Rei dos Animais, parece destinado a estrume da terra. 

Louve-se logo, pois, em Soares Feitosa, o conhecimento da sua realidade psicossocial e a vontade de transformá-la em matéria poética, para que mais fundo repercuta, se é que a insensibilidade já não nos cegou por completo. Seus cantos pessoais, que jorram com a força de águas represadas e de súbito sangradas, em contínuo avanço para um estuário de verificações e quase sempre transformadas em perplexidade, são os cantos do conhecimento do ser, da ânsia do ser em definir e possuir uma identidade. É o caso de Antífona. O poeta, natural do Ceará, ou do país do Siarah, vai à Grécia, vai a Roma, ouve as perorações de Jeremias, entoa salmos de Jó, sobe com Elias na carruagem de fogo (que se transforma no carro de Ayrton Senna), mas continua fundamentalmente brasileiro e nordestino. Seu pai Tatim suicidou-se, rasgando o ventre à maneira dos samurais, no próprio dia em que o poeta, filho único e desejado, vinha à luz. A mãe Anísia, mãe de muitos porque parteira de renome nos sertões, foi mulher resistente – de uma resistência de rocha primitiva. 

Com tanta biografia íntima, de choro e de júbilo, de velas e de foguetes, é natural que Soares Feitosa, vivendo em estado de poesia, sentisse aos 50 anos a poesia irromper de dentro dele, numa erupção que o recobre de lava. Menos de 4 anos depois (está agora a caminho dos 54) o poeta recolhe essa poesia e nela trabalha guiado pelo instinto e pela erudição. Está certo o outro poeta Cajazeira Ramos quando se refere, sobre a poética de Feitosa, a uma “trempe cultural” greco-romana, judaico-cristã e “mundinordestina”. Isso mesmo: a nordestinidade transfigurada, absorvendo valores universais. 

Nessas navegações, que transbordam da tela do computador e retomam os percursos da rosa-dos-ventos, o poeta de Psi, a Penúltima deixa-se invadir pelo sentimento da solidariedade (além de crianças, rios, florestas e bichos dizimados, o poeta comunga com Luiz de Camões, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos e Castro Alves, editados por inteiro no seu Jornal de Poesia, na Internet): seus poemas são lamentações de Jeremias, e a sua busca, a busca do eu profundo, que abre caminho ao eu coletivo, assemelha-se à do Hearst-Kane de Orson Welles, resume-se a uma “bésta” ou a um trenó – o Rosebud de todos os poetas puros, porque inocentes. 

Em suma, uma poesia buliçosa, arrelienta e cheia de invenções. Uma poesia nova. 

 

[in A TARDE, caderno Cultura, 26 abril 1997] 


 

2. Orelha do livro Psi, a Penúltima

 

Não conheço poesia brasileira atual mais buliçosa e arrelienta que esta de Soares Feitosa. 

Uma vez lida, não desarreda mais da nossa emoção, fica zanzando na lembrança, futucando nas nossas cordas íntimas.

Poesia-menina, danada de criativa, cheia de traquinagens: inventa, reinventa, parodia, salmodia e vai em frente, sabendo espalhar-se no espaço em branco e ali adquirir as formas gráficas do seu visual subjetivo.  Uma poesia lírica, gostosa, irônica, sapeca, meiga e sussurrante - e sempre cheia de ousadias formais e sentimentais.

[Orelha do livro Psi, a penúltima]

 

 

 

 

 

 

 

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Joel Marques de Souza

 

Compadre-primo é a glória do artífice exibindo hoje seus  apetrechos, há tanto tempo, mais de quarenta, tão zelosamente  guardados? Ou, diriam os seguidores de Freud, é a criança  refletindo-se no adulto, à vida inteira? Ou, no dizer frio e  intelectualizado dos sociólogos, é o meio produzindo o homem? 

Até que poderia ser qualquer uma dessas hipóteses ou as três juntas. Entretanto, há em Compadre-Primo acenos a coisas muito mais valiosas, impossíveis de isolar em laboratório, em conceitos racionalistas. Ali sentem-se, ouvem-se e vêem-se imagens e sons universais: nas peripécias da infância — quem não as teve? — nos vôos dos beijas, do casaca-de-couro, do compadre sibite, no tropel das montarias em aventuras, no cio dos animais, tudo apresentado com um ritmo perfeito, um encanto, uma beleza e um vigor que se sente o cheiro da terra, respira-se poesia. Dá vontade de voltar! E quem disse que eu não voltei? Larguei, por uns dias, a cidade grande, e, em companhia de um primo, meu compadre, revisitamos a velha fazendola, nos sertões paraibanos, que fora de meus pais. A fazendola, vendida a estranhos, está em boas mãos de nossos parentes outra vez. Fomos recebidos com aquela hospitalidade tão característica de nós, as pessoas do campo. Revisitamos toda a casa-grande, quarto por quarto; abrimos as mesmas porteiras, vimos as mesmas cercas, os mesmos animais..., a mesma Seca, tão nossa conhecida... 

Compadre-Primo, decididamente, é um monumento de amor, a única e possível máquina do tempo, by Soares Feitosa, globalizando aquelas sesmarias de nossa infância com acelerações de raríssima sensibilidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luiz Paulo Santana

 

Soares,

Li "Compadre Primo". Que coisa mais inteira, mais "telúrica" mesmo, mais visceral. Depois, lendo um dos "comentaristas", este diz de uma viagem que fez, à vista do poema, à fazenda da infância, que no então, já estava de posse de parentes. Puderam entrar, revisitar todas as dependências, etc.

Fiquei imaginando se tal missivista o teria impelido a ir lá, de volta, aos locais de "Compadre Primo". Do que teria então nascido "Réquiem em sol da tarde". Será?

LPSantana

 

 

 

 

 

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Luiz Tarciso Souza

 

From: Luiz Tarciso

To: soaresfeitosa@uol.com.br

Sent: Monday, September 27, 2004 4:23 PM

Subject: Compadre Primo

A internet tem destas coisas - labirinto sedutor. Tem tanta informação sem valor misturado com algumas jóias preciosas. Parece um sebo destes do centro da cidade.

Essa preciosidade de obra "Compadre Primo" me pareceu uma sinfonia gravada num disco de 78 rpm. Tive que buscar lá dentro de mim a vitrola de corda pra poder apreciar a sua beleza. Meu lugar é o Paraná. No meio do mato - um lugar que tem montanhas e montanhas envolvendo um pequeno vale - mas a gente lá as chama de serra e não de montanha. A atiradeira chamamos estilingue; no mais a passarada repete os mesmos nomes - ou quase. Eu não acertava nem lagartixa - então dei um jeito de me vingar da fraca pontaria atirando uma única vez com uma espingarda-de-carregar-pela-boca... dá um soco no peito e sai chumbo pra todo lado! Foi ontem, não, foi inda agorinha também. Já cheguei pelos 50!

Tenho que descobrir estes livros do Ascendino Leite, Soares Feitosa e os demais. Meu entretenimento tem sido garimpar esse universo virtual e tenho descoberto jóias raras e preciosas como esta do Compadre Primo. Descobrir é sempre bom e, antes tarde do que nunca! 

Luiz Tarciso Souza

 

 

 

 

 

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Olinda Maria Rodrigues Prata

 

Prezado Soares Feitosa.

 

A riqueza do poeta é, sabidamente, a sua criança. Quando a infância sobrevive pouco no adulto, como reinventar o mundo? Só os que nascem loucos ou poetas – digo com ciência própria – conseguem ver o que à maioria dos homens escapa. E vêm os teóricos modernos com essa tal de “terceira idade” ou a mais execrável ainda “melhor idade”, verdadeira hipocrisia lingüístico-social. Já os livros de auto-ajuda, que abarrotam nossas livrarias, nos dizem que devemos ser otimistas e pensar no futuro. Isso é conversa para quem ainda não viveu! Em meio a tanta aceleração da ciência e da tecnologia, eu sou daqueles que estão aguardando a descoberta da possibilidade de viagem no tempo, para podermos viajar no passado.

Mas deixemos as digressões e vamos ao seu poema. Confesso que sou muito urbana (lá entro “eu” de novo) e não freqüentava muito a fazenda de meu pai. As histórias que vinham de lá me assustavam: os bichos grandes e miúdos, as cobras... Esse mundo, contudo, não me é estranho, porque de vez em quando eu ia lá. Ficava pros lados de Camaçari, onde hoje é a represa Santa Helena, “pertim” do pólo petroquímico...

Seu texto traz a delícia da fala cearense, da fala do Brasil nordeste. A apresentação do poema é do terreno da dramaturgia e o texto em si é épico, no sentido de narrativa. Condensar em versos o que poderia ser um conto revela o domínio que o autor tem da arte poética. Aliás a divisão em cantos remete à poesia épica. Foi uma grande sacada basear-se na cartilha que é um bom referencial de tempo.

Quanto à construção do poema, gostaria de ressaltar ainda a aceleração do ritmo, que é dada pelos versos curtos, daí decorrendo o encolhimento do tempo e do espaço. O espaço e o tempo subjetivados como no exemplo:

“Oito léguas, mas chegamos,

Chovia,

Paraíso:

..................”

Beleza de concisão, de forma enxuta. É uma câmera cinematográfica na mão de um bom diretor. Outro exemplo, agora no que se refere ao tempo:

“Nem precisava:

Primos, destino;

Séculos, amizade:

............................”

Muito nos alicia no seu poema o fato de ele ser um repositório da língua coloquial do Ceará. Duas palavras me fizeram correr ao dicionário: Mofumbos e Capuxu. Baladeira é o badogue da Bahia. O diminutivo em “–im” nos delicia: padrim, passarim, pedacim, netim...

“Quarenta e lá se vão pedradas!” Mais uma forma de marcar a distância do tempo e, creio eu, afortunadamente nossa.

Gostaria de saber (desculpe a ignorância) se foi você quem inventou a grafia “Siarah”. Que palavra bonita e bem colocada para nosso sertão de seca. Ela sugere as poeiras do deserto árabe, do Saara.

Em suma, “compadre Primo” é um recorte no tempo e no espaço, é o olhar do poeta que revive seu passado e faz despertar no leitor memórias adormecidas, quer as propriamente vividas, quer, de algum modo, aquelas vivenciadas em suas leituras de mestres como Zé Lins, Graciliano e tantos outros.

Obrigada, Soares, na realidade nós somos todos primos.

Um abraço,

                       Olinda.

 

 

 

 

 

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Virgínia Schall

SF, 

Estou aqui em um pequeno intervalo de descanso, após o almoço, e bendita seja a internet: em poucos minutos alcanço décadas de vida do sempre menino nordestino, brasileiro, que encontra a menina mineira e evoca tantas lembranças em comum, revividas como bolhas flutuantes em taça de cristal. Sim, porque vão se tornando suspensas através de poética e bela linguagem, entrelaçadas a visões de imagens em tecido tramado por cenas do Brasil de lá e de cá. Se navegar é preciso, reviver é mais que preciso, é estar pleno por viver.

E você dá mostras de uma sensibilidade e memória que nada deixa escapar da vida, detalhe a detalhe evocado em Compadre-Primo. Volto ao trabalho de alma feliz e sei que, nas horas seguintes, as imagens continuarão reverberando por entre as frestas do dever, colorindo o meu dia.

Até breve,

Virgínia

 

SB 06.03.2023