José Castello
Bruno Tolentino faz versos contra
a hipocrisia
O poeta que acaba de ganhar o
Prêmio Cruz e Souza lança mais dois livros, um deles em SP
O poeta Bruno Tolentino acaba de ser contemplado com o Prêmio Cruz e
Souza, conferido pela Secretaria de Cultura de Santa Catarina. A
premiação vem no momento em que o escritor se prepara para o
lançamento de dois livros: Os Deuses de Hoje (editora Record),
reunião de 30 anos de poesia política, e Os Sapos de Ontem (editora
Diadorim), dossiê de uma polêmica com os irmãos Augusto e Haroldo de
Campos (leia texto ao lado), somado a uma coletânea de poemas
satíricos.
Os Sapos de Ontem terá sessão de autógrafos em São Paulo hoje, a
partir das 18 horas, no Espaço Átrio República (Rua Marquês de Itu,
64, 258-3823). Os Deuses de Hoje será lançado no Rio, na
segunda-feira, às 20 horas, na Livraria do Museu da República, no
Palácio do Catete.
O livro premiado com o Cruz e Souza é o inédito Balada do Cárcere de
Dartmoor. Tolentino o escreveu entre 1985 e 1987, período em que
cumpriu pena na sinistra prisão inglesa construída no século 18, sob
a acusação de consumir cocaína. A prisão não passou de um artifício
usado pela polícia inglesa, que pretendeu, sem sucesso, levar o
poeta a confessar alguns dos nomes dos grandes chefões do tráfico de
drogas na Inglaterra.
O livro é um acerto de contas com esse período que, apesar de todo o
mal-entendido e o imenso sofrimento que causou, Tolentino classifica
como "muito rico". "Sempre que relato as condições nas quais escrevi
esse poema, tenho de ouvir do repórter o comentário: `Não se
preocupe, porque não vou publicar", diz, indignado. O poeta
prossegue: "As pessoas fazem uma espécie de restrição mental ao
episódio, porque partem da premissa falsa de que, se você é poeta,
você é impecável."
Silêncio intelectual
Bruno Tolentino se diz cansado da hipocrisia com que o episódio de
sua prisão é silenciado no meio intelectual brasileiro. Há uma
semana, ao receber a informação de que fora escolhido como o
vencedor do Cruz e Souza, teve de ouvir a ressalva: "Mas, não se
preocupe: sobre a sua prisão, não falaremos nada."
A narração do poema é atribuída ao detento 212, um certo Ambrose, na
verdade o mais interessante dos muitos presos que Tolentino
alfabetizou durante sua temporada atrás das grades. Acusado do
assassinato da mulher e cumprindo pena por mais de uma década,
Ambrose, mais tarde, dedicou-se a estudar o próprio caso e hoje, já
em regime de prisão aberta, transformou-se em um respeitado
psicólogo.
Tolentino pretende publicar Balada do Cárcere de Dartmoor em 1996.
Antes disso, quer acrescentar ao vasto poema uma série de documentos
sobre o processo que o levou à prisão e ainda escrever um relato
mais factual sobre o homem que inspirou seu personagem Ambrose.
O poeta também é autor de As Horas de Katharina, editado no ano
passado pela Companhia das Letras e que recebeu este ano o Prêmio
Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Depois de viver
mais de 20 anos na Europa, entre Itália, França e Inglaterra, onde
se tornou amigo de escritores como Giuseppe Ungaretti, W. H. Auden e
Samuel Beckett, Tolentino retornou ao Brasil temporariamente em
1985, com o projeto de lançar uma coletânea de poemas brasileiros,
que se chamaria A Terra Provisória.
No período em que esteve na Europa, escreveu seus poemas em inglês e
francês e eles lhe renderam dois livros: Le Vrai le Vain, publicado
em Paris, e About the Hunt, editado em Londres, além de elogios
entusiasmados de personalidades como Jean Starobinsky e Yves
Bonnefoy. O poeta acabou voltando para a Europa e o projeto de A
Terra Provisória não se realizou.
Ao retornar de vez ao Brasil, em 1993, os amigos o presentearam com
um livro organizado a partir dos muitos poemas escritos em português
que o poeta lhes enviou por carta, ao longo da temporada européia.
Eles compõem, agora, O Baile Negro, primeira parte de Os Deuses de
Hoje.
Entre eles se destaca o poema-título, na verdade o grande lamento de
Tolentino pelo golpe militar de 1964. O baile, no caso é uma
metáfora da tortura. Nessa primeira parte, pode ser encontrado
também o magnífico A Garça e o Equilibrista, longa meditação sobre a
existência humana, escrita depois do retorno de Tolentino à fé
cristã. A segunda parte, Torres e Deuses, tem como centro a figura
de Alberto Torres, que assina uma das epígrafes: "Este estado não é
uma nacionalidade; este país não é uma sociedade; esta gente não é
um povo. Nossos homens não são cidadãos." Torres e Deuses reúne
poemas que tratam dos temas da identidade, da nacionalidade e do
exílio.
A terceira e última seção, Na Terra Provisória, traz um poema
eminentemente confessional como A Torre Cabocla. "Eu, o poeta Bruno
Tolentino/ porque nunca me dei com tiranos/ nem com títeres, vivi ao
léu,/ perambulei anos e anos/ em território alheio...", começa.
Nesse exílio, Tolentino foi em busca de suas referências, como
William B. Yeats e Rainer Maria Rilke. "Reconheço o que fiz/ como
mais ou menos feliz,/ mas fui feliz fazendo-o, o que basta/ a
pedreiros da minha casta." Os Deuses de Hoje tem homenagens
acaloradas a Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Manuel
Bandeira e José Guilherme Merquior. "Fernando Pessoa/ dizia que
fora/ como a erva daninha/ que não arrancaram;/ a mim me podaram/
bem cedo, e a tesoura", escreve na bela Cantilena do Eco. E, pouco
depois, prossegue: "Manuel Bandeira/ uma vez me disse/ que não
desistisse/ de ouvir o silêncio,/ professor de estilo."
Compromisso
Nesses versos, tomados entre os melhores, estão dois dos principais
temas de Tolentino: a castração e a meditação. Os Deuses de Hoje
reúne, na verdade, os poemas políticos que Tolentino escreveu ao
longo de 30 anos. No livro, Bruno Tolentino escreve como um poeta
histórico, enraizado em seu tempo e comprometido irremediavelmente
com o presente e sua cauda de circunstâncias. Seu modelo é William
B. Yeats. "É meu único livro em que, de verdade, falo de mim, sou
sempre Eu que estou presente."
Estão nesse livro quase todos os poemas que, ao longo de 30 anos,
Tolentino produziu na esfera do Eu. O premiado As Horas de Katharina,
ao contrário, reúne versos escritos sob a premência do pensamento e
da abstração. Os poemas de fundo mais filosófico que Tolentino
escreveu ao longo da mesma época aparecerão em As Epifanias, livro
no qual as relações de amizade com Giuseppe Ungaretti e Saint John
Perse estarão mais nítidas e que já tem mais de 8 mil versos
prontos.
Em 1992, Tolentino mostrou um esboço das Epifanias a Antônio
Cândido, que desaconselhou a publicação do livro: "Publicar esse
livro agora, no Brasil, é como tentar aterrissar um Boeing em um
campo de futebol", argumentou o escritor. Apesar da ressalva do
mestre, Bruno Tolentino considera que As Epifanias será seu
livro-súmula. Trabalha ainda em O Mundo Como Idéia, coletânea em que
reúne os poemas mais radicalmente filosóficos, poesia sobre a
poesia, sobre os temas transcendentais e sobre a morte. "Será um
livro sobre o perigo das ideologias", o poeta define.
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