Cecy Barbosa Campos
A Natureza na poesia de Emily
Dickinson
Pouco conhecida em
seus 56 anos de vida, passados quase totalmente em Amherst,
Massachusetts, Emily Dickinson só se revelou ao mundo como poeta
após a sua morte.
Foram encontrados na
escrivaninha de seu quarto, de onde raramente saía, cerca de 1775
poemas amarrados com barbante em pacotinhos. Escritos à mão, muitos
deles parecendo rascunho à espera de forma posterior, e todos eles
sem título, o que faz com que, usualmente, sejam citados pelo
primeiro verso ou por números.
Em 1890,
postumamente, é publicado o primeiro volume de uma série de três,
com seus poemas e em 1894 são publicadas suas cartas. Desde então,
Emily Dickinson torna-se uma das maiores figuras da literatura
norte-americana.
Sua vida misteriosa
tem desafiado os biógrafos que se perdem na falta de provas para
inúmeras suposições. Sabe-se que, após infância e adolescência
normais, participante das atividades próprias à idade, retraiu-se
por volta de 1860, afastando-se por completo das atividades sociais.
Vestida de branco e
sendo vista apenas no jardim, cuidando das flores, já a esta época
desencadeava-se a efervescência literária que a levaria a obra tão
extensa.
Entre os muitos
temas abordados em sua poesia, estão a Vida, a Morte, o Amor, a
Imortalidade e a Natureza.
A Natureza foi fonte
de inspiração quase constante na poesia de Emily Dickinson e, mesmo
quando não aparece tratada em profundidade sendo o tema principal, é
mencionada brevemente, como complemento do cenário ou como imagem
representativa da morte, nas muitas alusões que faz ao inverno, à
neve e ao frio, ou simbolizando mudanças de caráter através do ciclo
das estações do ano.
Embora existam
afinidades da poesia Dickinsoniana referente à Natureza com
conceitos emitidos por autores transcendentalistas, principalmente
Emerson e Thoreau, Emily Dickinson não pode ser enquadrada em nenhum
movimento ou escola, pelas características absolutamente pessoais de
sua obra.
Se, às vezes, era
irreverente com a religião e até mesmo com Deus, a quem chegou a
chamar de “Ladrão – Banqueiro – Pai”, em um de seus poemas, mantinha
em relação à Natureza uma atitude sempre reverente, como se ela
representasse a manifestação divina mais intensamente que igrejas e
credos.
O sol, a neve e até
os relâmpagos, a fascinavam. Em um de seus primeiros poemas, “An
Altered look about the Hills”, catalogava as belezas da primavera e
o esplendor da paisagem novamente iluminada. As “criaturas da
natureza” também eram alvo de sua atenção, não importando quão
insignificantes parecessem ser. Assim, a abelha, a borboleta, o
passarinho, o rato, são por ela lembrados. A serpente aparece de
maneira dramatizada em “A Narrow Fellow in the Grass” e apesar da
graça e da observação aguçada com que é feita a descrição, infere-se
que ali existe uma ameaça psicológica.
A proximidade do
outono e a beleza natural do fim de verão impressionam Emily
Dickinson, que registra com sensibilidade os sons e visões da
paisagem, passando depois de observadora a participante da cena na
qual se insere e descreve em “The Morns are meeker than they were”.
Em “These are the days when Birds come back” o mesmo tema é abordado
– o período de transição entre o verão e o outono, quando dias
quentes e ensolarados retornam interrompendo o outono e dando lugar
ao chamado “Indian Summer”, o verão indiano, fenômeno climático
tipicamente americano. Os pássaros se enganam com estes dias tardios
de verão que surgem no meio do outono e também se engana a poeta
induzida ao erro pela mistificação da natureza que a envolve em
“azul e ouro”.
Este poema sugere,
alegoricamente, a caminhada inexorável do tempo, com o verão
representando a juventude, o outono a meia idade que vai levar ao
inverno representativo da morte. Apesar da conotação negativa que
nos é trazida pelas idéias de fraudes e mistificações há o aspecto
positivo que nos é transmitido pelo ciclo das estações, trazendo o
renascimento após a morte, ou seja, o fato do inverno ser seguido
pela primavera.
As duas estrofes
finais do poema assemelham-se a uma prece em que os termos
principais são “sacramento”, “última Comunhão”, “emblemas sagrados”,
“pão abençoado” e “vinho imortal”. Parece residir aí uma súplica
para inclusão num ciclo contínuo de vida e morte.
Emily Dickinson faz
uso freqüente de metáforas em suas poesias da natureza. A madrugada
e o anoitecer também são descritos metaforicamente em “I’ll tell you
how the Sun Rose”, com vívido contraste entre a exuberância do dia
que nasce e a atmosfera intimista que chega com o pôr do sol. O
poema “I taste a Liquor Never Brewed” descreve a exaltação da poeta
ante o azul do céu, o brilho do verão e a suavidade do orvalho, que
agem como bebida embriagadora.
Através destes
poucos exemplos verificamos que a Natureza, em seus diversos
aspectos, sempre alertou os sentidos e a sensibilidade de Emily
Dickinson. Por isso ela foi capaz de tornar permanente a fugacidade
de um momento como o nascer do sol e de fixar emoções inspiradas
pelo canto dos pássaros ou pelo terror advindo de relâmpagos e de
tempestades.
Para melhor ilustrar
o que foi dito, apresentamos aqui dois dos poemas citados com as
traduções feitas pela autora deste trabalho.
130
These are the days when
Birds come back–
A very few – a Bird or
two –
To take a backward look.
These are the days when
skies resume
The old – old sophistries
of June –
A blue and gold mistake
Oh Fraud that cannot
cheat the Bee –
Almost thy plausibility
Induces my belief.
Till ranks of seeds their
witness bear –
And softly thro’ the
altered air
Hurries a timid leaf.
Oh Sacrament of summer
days,
Oh Last Communion in the
Hoze –
Permit a child to join
Thy sacred emblems to
partake
Thy consecrated bread to
take
And thine immortal wine!
|
130
Estes sãos os dias em que
os pássaros [voltam –
Muito poucos – apenas um
ou dois –
Para dar uma olhada para
trás.
Estes são os dias em que
os céus [retornam
Aos velhos – velhos
sofismas de Junho–
Em mistificação azul e
ouro
Ó fraude que não consegue
enganar a [Abelha –
A sua plausibilidade
Quase me faz acreditar
Até que as sementes
aparecem
Sopradas, suavemente,
pelo vento
E escapa uma folha tímida
Oh, Sacramento dos dias
de verão,
Oh, Última Comunhão na
névoa
Permite que mais um filho
se junte
Para compartilhar de
emblemas [sagrados
Comendo de seu pão
abençoado
E bebendo de seu vinho
imortal |
214
I taste a liquor never
brewed –
From Tankards scooped in
Pearl –
Not all the Vats upon the
Rhine
Yield such san Alcohol?
Inebriate of Air – am I –
And Debauchee of Dew –
Reeling – thro endless
summer days –
From inns of Molten Blue
–
When “Landlords” turn the
drunken Bee
Out of the Foxglove’s
door –
When Butterflies –
renounce their
“drams” –
I shall but drink the
more!
Till Seraphs swing their
snowy Hats
And Saints – to windows
run –
To see the little Tippler
Learning against the –
Sun - |
214
Provo uma bebida nunca
fermentada
De Canecas esculpidas em
Pérolas –
Nenhum dos Barris do Reno
Produz tal Bebida?
Inebriada de Ar – estou –
E Bêbada de Orvalho –
Cambaleando – pelos
intermináveis dias de
verão –
De tabernas de Azul
Metálico –
Quando os “Proprietários
expulsam a [Abelha
bêbada
Para fora das portas do
Foxglove
Quando as Borboletas –
renunciam a seus
“goles” –
Eu bebo ainda mais!
Até que os Serafins
acenem com seus
chapéus brancos
E os Santos – corram às
janelas –
Para ver a Bebadazinha
Apoiando-se ao – Sol –
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Bibliografia:
DICKINSON, Emily. The Complete Poems of Emily Dickinson. (Ed.
by Thomas H. Johnson). Cambridge, Mass. 1970.
Notas:
1. Tradução dos títulos dos poemas:
An Altered look about the Hills – Uma visão diferente das montanhas
A Narrow Fellow in the Grass – Um companheiro esguio na grama
The Morns are meeker than they were – As manhãs são mais tranqüilas
agora
These are the days when the Birds come Back – Estes são os dias em
que os pássaros voltam
I taste a liquor never brewed – Provo uma bebida nunca fermentada
I’ll tell you how the Sun Rose – Eu lhe direi como o Sol nasce
2. Uma das “excentricidades” de Emily Dickinson é o uso não
convencional de letras maiúsculas.
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