Guardo tuas coisas para uma viagem:
(em que tempo)
?

Andreas Achenbach, Boat caught in  a squall off a jetty

A Fishing Boat Caught In A Squall Off A Jetty: Andreas Achenbach - Germany: 1815 - 1910

 

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Soares  Feitosa

 

Uma canção distante

 
Guardo tuas coisas para uma viagem 
                               (em que tempo?),
.
em que vagão viajaremos — e as janelas: 
abertas pr'uma paisagem verde...!?
.
Guardo tuas coisas para uma viagem, 
                               (em que modo?):
.

no modo presente, 

no modo advérbio, passado — 
passam, passam coisas, 

que os meus dedos aos lábios, 

de uma mão perfeitamente trêmula, 
cantam uma canção distante: 
                               silêncio.

..
Guardo tuas coisas para uma viagem, 
                               (em que vontades?):
.
pois se me fugiram os cavalos meus, 
arrebentados todos os trens, 
mortos os condutores de todos os carros, 
naufragadas todas as jangadas, 
.
                   e o mar, 
                   brutalmente mar, 
                   mesmo assim, 
                   as coisas tuas guardadas, fiel — 
                   (onde?):

 .

navegar é possível.

 

 

Salvador, tarde leve, 02.08.1996

 

 

Estava este poemeto em sossego posto, quando o poeta Rodrigo Marques me deu um alô. Nas felicitações de praxe, me pediu para dar uma espiada no Mar, brutalmente mar. Espiei. Disse que nada a ver com o tsunami dos últimos dias de 2004. Ele protestou.Rodrigo Marques, ago/2003 Como diria o Discovery: Terra, Planeta Feroz

Navegar é possível? 

É o que gostaria de dizer aos sobreviventes. [A foto do trem virado e jogado a muitos metros, no Sri Lanka, quem ma consegue?]

Vieram os comentários, a se somarem àquele do saudoso Junot Silveira. A poeta Maria do Carmo Ferreira refez-lhe a formatação, colocando o quadro de Achenbach bem em cima. Ficou muito melhor. 

Como se tudo isto fosse pouco, o mesmo poeta Rodrigo Marques liga de noite para avisar sobre o salmo 46, na tradução da Bíblia de Jerusalém, pedindo ele apenas uma leitura não-religiosa, se possível. Aqui está o fragmento, como se uma epígrafe a posteriori [2.1.2005]:

[...]

E por isto não tememos se a terra vacila,

se as montanhas se abalam no seio do mar;

se as águas do mar estrondam e fervem,

e com sua fúria estremecem os montes.

[...]

Em tempo: a poeta Maria do Carmo Ferreira mandou o trem, aliás, uma linha de trem. Clique aqui. 

Saiba, por seu favor, agora, da generosidade dos amigos: 

Escreva para o editor

 

 

 

 

 

Nilto Maciel

 
William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

Sent: Wednesday, January 05, 2005 4:10 PM

Subject: Re: En:Conto


Poeta Soares Feitosa, não o vejo desde o último maremoto, mas desde a catástrofe eu te vejo sobre as ondas mais altas e mais rebeldes, cabelos soltos, quase heras, a gritar como só os poetasNilto Maciel sabem gritar. 

Este poema de águas, de rebeldias, de desastres, de morte é um arrebatamento dos deuses, aqueles que te acompanham nas noites enos dias de tua insânia indomada. 

Este poema me levou de volta aos primórdios e não é coincidência nada, foi premonição, porque os poetas como tu são premonitórios e, portanto, eternos, como o mar, as ondas, as águas, a vida, o sem-fim. 

Nilto Maciel

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

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Iosito Aguiar

 

 

 

 

 

 

 

Luiz Paulo Santana

 
William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

Sent: sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005 00:56

Subject: Indaga sobre o poema

 

Feitosa, as pessoas são iguais em toda a parte. É o que as imagens mostram, dispensáveis as palavras. Mas, Poeta, por que você escreveu aqueles versos, em "Uma canção distante"? Arriscaria dizer-nos?

Grande abraço,

LPSantana


 

Resposta:

Meu caro LPS,

Realmente de assombrar o nascimento de Uma Canção Distante: fogo, muito antes da fumaça. A gente nunca sabe. Ou sabe?

Conto-lhe que à primeira vez que vi o quadro de Andreas Achenbach, bem uns cinco depois de ter escrito Uma Canção Distante, disse aos meus botões:

— Já vi!

Mas, de verdade, jamais vira aquele quadro. A ligação com o Mar, brutalmente mar, do poema, veio-me imediata. E agora, também imediato, chega-nos o maremoto.

Luiz, nunca vi um maremoto. Ou já vi? Não sei por que, desconfio que sim. Anote aí, por favor: Já vi. Todos nós vimo-lo. E escapamos!

Sabe, Luiz, a gente traz consigo a tal memória ancestral. Você, em Minas, muito longe do mar, sei que sempre sonhou com o mar. Claro que sempre "viu" o mar, tudo por conta daquilo que, indelével, nos tem sido passado de terror e sofrimento, milênios e séculos. Todos nós, ainda que da cidade, temos medo de cobras e bichos; sonhamos com eles, "inimigos", ainda que jamais os tenhamos enfrentado. Sonha-se muito mais com a tormenta (feras, águas e abismos) do que com carros, trens e aviões, cuja memória, tão recente, ainda não deu tempo de "envelhecer" no quengo de cada um de nós.

Veja, poeta, raramente sonhamos com o fogo. Só mui recentemente o homem descobriu o fogo. Antes eram as feras, as águas bruscas (a seca também) e os abismos.

Parece que nos poetas essa tal memória ancestral, meio a la Platão, está mais à flor. Acho que é isso. Deve ser.

Diga-me se lhe mandei um "papé", Do 4º Panfleto. Se não, amanhã mesmo mando um. Mande uma lista de seus amigos para mandar para eles também. Com o grande abraço do Soares Feitosa.


 

Resposta nº 2:

Prezado LPS,

Não fiquei satisfeito com a resposta que acabo de lhe mandar. Desconfio que me perguntou sobre o poema, «os comos e os porquês». Ah, meu caro Luiz, se assim é, assim foi, conto-lhe, por seu favor, dois pontos:

Cidade da Bahia, ano de 1996. Morava eu no Ondina Apart Hotel, uma das mais belas vistas de Salvador, do Brasil, do mundo: desde que do lado do mar, naquele hotel, que a banda da rua é de cortinas fechadas, de sol e barulho. O Ondina não é em frente ao mar, como normalmente entendemos prédios de frente para o mar, com uma avenida entre o prédio e o mar. Não, meu caro Luiz, aquele hotel põe-se à beira do mar, afrontoso, sem rua alguma. Desceu uns batentes, já dentro do mar, molhando os pés — pronto, é o mar!

O pior é que o prédio, como se fossem as tenazes do caranguejo, faz um côncavo para dentro do mar, cercando-o, ensacando-o, engolfando-o, açambarcando-o. E o mar, como quem não refuga um insulto, vem de lá, com a moléstia dos cachorros doidos!

Luiz, eu morava no 10º andar, no 1003 ou seria no 1004, do lado do mar, no centro do côncavo da mão. Lá embaixo, ele, o mar, estalando, rugindo, estrugindo, batendo noite e dia, até acostumar, que nunca acostuma, que a gente sabe que embaixo é escuro.

Estava sozinho em casa. Deixe-me conferir a data neste computador: 2.8.1996, sexta-feira, de tardinha. Num dos quartos onde instalara minha "oficina", fazia eu um trabalho da repartição ou montava uns panfletos como este, que sempre gostei de fazê-los, mas isto, exatamente o que, por favor não insista: faz muito tempo, estou velho.

Era-me o costume, ainda é, recostar-me à janela. Sim, uma irrefreável paixão por janelas. No intervalo entre um cálice e outro, que nem os bebo tantos, um telefonema, coisa assim, os olhos pregados lá embaixo, recapitulando a briga de sempre: eu e o mar. Desculpe-me, não era exatamente este seu amigo quem brigava contra o mar. Era um par de rochedos bem embaixo de minha janela.

Entre um rochedo e outro, eu dizia, mas nunca disse a ninguém, que ali, naquele vão por entre as pedras, era a Garagem do Mar. É que havia dias, ele, o mar, igual a esses amantes violentos que sabem, raros, encherem-se de ternuras, deixava aquela passagem, entre um rochedo e outro – a garagem – bem limpinha, a areia espelhando de nova, brilhante, vazando águas em pequenos filetes, e ele, o mar, lá longe, tomando-se de calmas, como se não fosse o senhor dos ódios, mas só do amor. Se assim fosse, de calmas a manhã, mar e rochedos, pegava os carros, alguns de osso, outros de boi, e também os de verdade, o chevrolet de então e o primeiro fusquinha; pegava-os e descia, e os estacionava na garagem do mar. Sem despregar da janela, é claro.

Contudo, meu caro Luís, tanta calma e ócio eram raros, porque, no geral, ele, o dono da garagem, mar, passava noite e dia querendo, por tudo no mundo, espatifar com aqueles rochedos. Implicava com eles, o mar. Nem me pergunte por quê.

Vi, da janela: ele, o mar, de pura fúria, tentava estragar aquela passagem, na véspera tão chã, de entre os rochedos. Sim, agora em pura ruína, só buracos, pedregulhos, abismos e espumas.

Estalantes – todos os chicotes do mundo – ele, o dono da garagem, mar, brandia-os no lombo dos rochedos. Pegava-os, rochedos, primeiro um, depois o outro, em seguida a ambos, e metia-lhes a tranca!

— Tomem, seus rochedos de uma figa! Eu sou o Mar-Oceano!

Sim, Luiz, ele mesmo, desde as Colunas de Hércules, donde também viemos, o Atlântico, este colosso. Eu, lá em cima. Súbito, reparei na mão que estava junto aos lábios. Tremia. Tremiam. Tremíamos.

Ainda que fosse cabal o estrupício, havia instantes de calma, insuficientes porém para um respiro. É que ele, o mar, afastava-se ao leito do mar como um carneiro se afasta em briga, e, aríete de ferro e brita, com idêntico trombetear da brita no traço do cimento e da areia, tomava carreira, mar, contra a cidade, contra o mundo. Atacaria ele o prédio? Pô-lo-ia a pique? Então, plaft! Quebrava-se. Esmigalhava-se. Espumas e berros.

Recompunha-se bem rápido, mar, tomando velocidade outra vez, a se arremessar muito mais cruel.

Luiz, tal como meus amigos lá de baixo, rochedos, atravessava eu uma situação nada aprazível. A empresa da família, açougues no Recife, quebrada. Problemas no trabalho, agravados com a preocupação sobre os filhos. Dias havia que me restavam tão-só aqueles dois amigos, os rochedos lá debaixo e sua areia bem plana, architectura divina, quando o mar aceitava deixá-la plana e limpa, num leve rampado, perfeito para subir e descer com os carros de boi e o trem de ferro, mas o normal, já disse, a fúria do mar, a devastação a cada açoite.

Sim, indaguei-me, naquela tarde de violência máxima, como haveria de ficar "minha garagem" que não era do mar coisa nenhuma, era minha, retifique aí por favor: minha!

Reparei atento, lá embaixo, no fragor da contenda. Sob as espumas e gritarias do mar, vi que havia água. Uma água turva, mas aparentemente calma, no lugar das areias da rampa (garagem) que o mar escavacava ao osso. Tudo destruído. Ainda assim, recomposto pelas águas. Os rochedos resistiam, cada vez mais agudos. Reparei por entre as espumas. Vi que havia um pequeno espaço para um bracejo, questão apenas de desviar. Não faria mal algum ralar o bucho e os joelhos. Só isto: a perícia de desviar. (Navegar é possível). Saltei.

Fechei a janela. Bebi alguma coisa, um café, que sou viciado em café; água ou teria sido uma lapada de quentes. Sei não, Luiz, o que bebi, mas bebi. O computador aceso. Pedi-me que escrevesse. Dias depois, escutei os gritos da Musa, em Salomão:

— A onda é alta, Coronel!

Desconfio que todo o bracejo de mar, de Salomão, fez-se naquela janela, naquela tarde ou noutras muitas em que briguei com o mar, em meu nome e em nome dos nossos ancestrais, desde o mar e antes do mar.

Confirmo, meu caro Luiz: a onda é alta. A vida é alta. Tudo o que você vê, seus pais, desde os tempos, já viram e lho "passaram". Está no seu quengo impregnado, uma leitura de decifrações – assim a Arte.

Nada há de novo sobre o mar.

Não creio na tabula rasa. Rasa coisa nenhuma! É apenas uma questão de leituras. Arte! 

O abraço do Soares Feitosa


 

Resposta nº 3

Amigo Luiz, só agora, depois do segundo e-mail, dou-me conta do título do poema: Uma Canção Distante. Por que, meu caro Luiz, houvera de ser distante se ali tão próximos o mar, os rochedos e eu lá em cima sob aflições?

Vem-me esta outra pergunta de fim de noite: em comum, entre aqueles que presenciaram maremotos (desde a descida das árvores), o salmista (Sl 46, que exatidão de linguagem!), o pintor alemão, a canção distante deste seu criado, e os acontecimentos de 26.12.2004?

Comum a todos: sobreviveram. Contam à posteridade o que viram e o que seus pais têm visto há milênios. Puseram mãos sobre mãos, recapitulando uma mesma e inesgotável história. Desde! Aliás, meu caro Luiz, já falei isto no Primeiro Panfleto (Estudos & Catálogos – Mãos): Poeta Virgílio, creia-me, o catálogo das mãos é inesgotável porque as mãos dos novos hão de garantir as nossas mãos. Por sobre, sempre por sobre, que assim tem sido.

Veja, poeta Luiz, em Uma Canção Distante pede-se uma paisagem verde, quando o normal é pedi-la azul, que nunca vi tantos poetas gostarem de azul, como se o mundo fosse só-azul, que não é. Por que o verde, ali?

Luiz, o verde do poema implica milhares de anos de secas, aqui, sertões do Ceará, rio Macacos, desde os índios. Implica também a aspereza do tempo, de nossa herança milenar, Sael, terras d’África. Poeta, nós "estamos" lá! Este seu amigo é branco como um queijo de coalho, mas o cabelo é "ruim", um pé n’África, outro na senzala. Nalgumas vezes, as mãos sob o jugo; noutras, negreiro, de chicote em punho, no tráfico, estalando-o. Sobreviemos, sobrevivemos. Não podemos fugir: de terror ou júbilo, indiferentes.

Nestas horas, meu caro poeta, é que detesto o azul, um céu sem nuvens, azul-azul, de chuva nenhuma. Verde, Luiz, minha janela há de ser verde, clamam-me os sangues.

E águas, poeta, onde as águas? Sempre tenho sede, muita sede. Onde o São Francisco que aqui não chega?!

Creia-me, tenho que a Arte é fazer repercutir no traço – linguagens – o trom dos deuses. Pelo bem e pelo mal, tanto faz. Terror e júbilo, assim mesmo, deuses. A história dos sobreviventes, que os mortos não têm história para contar. Ou têm? Contemo-la por eles, a história deles, a nossa história – é a nossa vez.

A Arte há de manter navegável um córrego entre o atual e o ancestre, seja de júbilo, seja de trágico – os deuses, de dentro.

Linguagens? Sim, meu caro poeta! Poesia, escultura, oratória, romance e narrativa; música e pintura e dentre todas, o corpo. Sobretudo, o corpo. Repare no Carnaval, a propósito desta sábado de carnaval.

— Já vi! — você bem que pode dizer, e deve, apenas para ficar em coisa mais recente, livros, a partir da invenção da escrita, Êxodo, 23, 16, a Festa das Tendas, sete dias enfiados de festas:

«O povo ficava nas cabanas durante sete dias de festa. Na primeira noite da festa a área do templo era profusamente iluminada por lâmpadas e tochas; danças rituais eram realizadas à esta luz. [...] Chifres e trombetas soavam nos momentos importantes da festa». Confira em John L. Mackenzie, Dicionário Bíblico, Paulus, pág. 921.

Repare agora na exatidão científica do salmo 46: qual o cientista que, com toda a modernidade, descreveria melhor um maremoto?

[...] E por isto não tememos se a terra vacila,/ se as montanhas se abalam no seio do mar;/se as águas do mar estrondam e fervem,/ e com sua fúria estremecem os montes.[...]

Instrumentos? Para quê?! Basta o gesto, basta o silêncio (selá, a palavra hebraica que traduz a pausa do texto, neste salmo, o 46, repleto de selás). [Seria tanto mais verdadeiro o texto quanto mais selás ele contenha?] Desconfio!

Nossas mãos, poeta, são muito mais velhas do que nós. O falar das mãos. E seus silêncios. Fazer. O homo-faber.

Finalmente, poeta, mas isto seria matéria de um outro panfleto, o modo advérbio do poema: a negação do tempo, vide Salomão, Segundo Movimento, Os Cantares de Pulso: Desliguei todos os relógios,/ entortei-lhes os ponteiros,/ lancei-os no mar.

Com este abraço nada silencioso. Soares Feitosa.

(Fortaleza, 5.2.2005, noite muito alta.)


Luiz Paulo Santana responde:

Querido Poeta Soares Feitosa, 

cá estou, de volta à casa. Chegamos nesta segunda-feira, eu estava lá, beira-mar capixaba, águas salgadas desse mar misterioso, belo, vasto, indomável.

E que bela surpresa você me proporcionou. A "Resposta nº. 2" inundou-me de emoção. Por tudo, pela história viva que você narrou, pela narração em si, seu verbo, sua literatura, seu estilo inconfundível, forte, vibrante. Que bela representação literária de uma história viva, que prosa fantástica! Eu estava sob os efeitos da primeira leitura e minha filha, professorinha começando carreira passava, chamei-a, desculpe-me filha, olha aqui esta história, fiz preâmbulo, contei-lhe da pergunta que originou essas mensagens e reli, ela ao meu lado, e ambos assistíamos à cena até o grande susto — "Saltei." — sim, saltou-lhe a alma, segurou-a pelas penas talvez, (se almas têm penas — e muitas as têm) de volta ao peito, ao corpo, à salvação pela poesia, à vida. Homem agônico envolve-se em luta do mar contra os rochedos. Você — o personagem ali representante, navegou a grande onda. 

De fato, a Resposta nº. 1 não me satisfez. Não insistiria na pergunta, mas buscava uma resposta visceral, e ela veio. Queria mesmo saber os comos e os porquês, o que fosse inteligível para o autor, que outras tantas respostas nem mesmo o autor poderá garantir, levantará hipóteses, construirá uma teoria. 

Contudo, relendo o poema senti ainda um abismo entre ele, poema, e a história viva da Resposta nº. 2. A Resposta nº. 2 configura um transe em progressão, no auge o personagem sentiu-se atraído para uma luta que não poderia vencer, exceto pela sublimação, pela tradução algo mediúnica de sensações e sentimentos que talvez lhe dêem alguma razão na Resposta nº. 3. Aumentou-me a profundidade misteriosa do poema. Sua observação  — oportuníssima — quanto à palavra distante do título é, no mínimo, curiosa. O eco desta canção distante está várias vezes expresso no poema, tanto que perfazem-se dúvidas: "...viagem (em que tempo?... em que modo?.... em que vontades? Em que vagão viajaremos? As janelas estarão abertas para uma paisagem verde? A evocação ao modo, presente e passado, coisas passadas que passam num presente e assustam. 

"Guardo tuas coisas para uma viagem...". Diz o poeta Antonio Cícero in "Guardar" (livro e poema publicados em 1996): "Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por/ admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado./Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por/ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela. "Guardo tuas coisas..." enseja um encontro revestido do mais pleno e atemporal mistério. A quantas histórias o poema se propõe? Não sabe o autor? É muito provável que não. Ele mesmo o diz na Resposta nº. 2: "Sei não, Luiz, o que bebi, mas bebi. Pedi-me que escrevesse." Tinha acabado de saltar, embebera-se. Ora, quem, quantos eram, afinal?  

Sim, navegar é possível. Ainda que, e sobretudo, nas águas trêmulas da poesia. 

Grande abraço, 

Luiz Paulo Santana

BH/MG, 18.2.2005

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Elídia Maria Franzin

 
William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

To: Francisco
Sent: Wednesday, January 12, 2005 10:39 AM
Subject: Uma canção distante

 

Querido poeta, 

Uma Canção Distante (com os comentários, as torres gêmeas, a linha de trem/foto) pegaram-me pelos cabelos e me sacudiram pra valer. Acordei de mim mesma, egoísta imbecil neste casulo de seda.  Acordei e estou pasma diante de seu Poema x Ásia x Salmo 46 x o acertado que lhe diz Nilton Maciel "... desde a catástrofe eu te vejo sobre as ondas mais altas e mais rebeldes, cabelos soltos, quase heras, a gritar como só os poetas sabem gritar." Mesmo! é impossível ler Uma Canção Distante e não entrever os últimos dias de dezembro.  

Sob impacto, noite alta, li e reli o que me remeteu. Chorei.  Sua Poesia, além de apocalipse, profecias e salmos, é Evangelho.  Redime.  Humilhada te agradeço e amo. 

Beijo 

Elídia 

 

Nota: As torres gêmeas, basta clicar

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Junot Silveira

 
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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

Psi, a penúltima letra. Não a última, como derradeira fosse a sua obra ou nada estivesse por vir... Soares Feitosa, grande autor e poeta retratou em sua obra Psi, a Penúltima o que há de eterno. A essência, as raízes, o retrato poético do homem. Livro que reúne diversas poesias, é, no todo, o verdadeiro poema, autêntico em sua grandiosidade.

Revela, na sua linguagem sertaneja, lírico-sensual, umaJunot Silveira multiplicidade de gêneros e tendências tão pouco vistos atualmente. Traz, o livro, em si, o sabor da terra (eis que em seu interior descobre-se um envelope trazendo sementes de umburana como o próprio autor diz: “Do lado de dentro, rapé de umburana, cheiro e talvez os sons, as estrelas (...)”.)

Retrata a sensualidade em seu poema, “Femina”, lembranças e belezas como em “Convite à Flor”. A realidade crítica, hilária e verídica em “No céu, tem Prozac” (Mãe, no céu tem pão?).

Livro surpreendente, atual, de grande profundidade, o de Soares Feitosa. Não traz a coerência dos academicistas, nem um modelo clássico ou pré-moldado. Ao contrário, de maneira incomum (talvez por isso tão verdadeira...) revela modernidade. Não uma modernidade descabida, mas rica em encantamento e ternura. É universal. “(Guardo tuas coisas para uma viagem: em que tempo?)”.

Viajar nas poesias de Soares Feitosa, como ele mesmo diz em “Uma Canção Distante” é, não só uma tarefa perigosa, como prazerosa: arriscamos naufragar no seu mar de lirismo e beleza. Há muito não se falava com tanta sutileza na vida, alma humana: tocá-la compete aos seus grandes, indizíveis conhecedores como o citado autor, que nos surpreende com a emoção inerente à sua condição de homem-poeta.

Soares Feitosa, destinado a brilhar, nasceu com esta estrela: o dom de falar nas coisas simples com destreza, maestria e sedução. Dizer a verdade, sem receios: é certo seguir o exemplo dito na dedicatória que me foi feita – seguir o convite.

Vem, meu irmão/tu és um de nós/o medo é uma loucura breve/nem todos sabem o que fazem/ também é certo:/ se não sabemos/ mesmo assim/ poderíamos/ter feito/ um pouquinho mais/ e melhor. É uma enciclopédia viva da humanidade, o retrato da vida cantada em verso, mas que não é o último, nem tampouco único. É o penúltimo...

Obrigado pelo presente. E pelo convite.

Esta opinião é de Fernanda Carvalho de Matos. Minha neta, com 20 anos de idade, em 98 conclui o curso de Direito na faculdade da Universidade Católica. Apesar de tanto estudar e de trabalhar teve oportunidade de ler o livro de Soares Feitosa que lhe entreguei para apreciar. E sua opinião, já proveitosa e admirada. Escreveu sobre o poeta uma literatura que exalta o autor. Esse autor já foi enaltecido por muitos intelectuais. Dentre outros encontram-se Antônio Massa, João Ribeiro Ramos, Jorge Amado, Hélio Pólvora, Thiago de Mello.

A eles se encontra a jovem Fernanda mostrando-se uma literata que já sabe admirar e elogiar Psi, a Penúltima que realmente merece ser considerado um volume de versos agradáveis. E ela, apesar de tão jovem, faz com justiça e devida consideração ao referido Soares Feitosa. Leu em pouco tempo mas para sempre o que escreveu. Merece o apoio dos leitores.

Junot Silveira [Jornal A TARDE, Salvador, 27.7.1997].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

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Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth