1 – Bom dia compadre João
Como é que vai passando?
2 – Bom dia. Mas eu não
vou
É Deus quem
vai me levando
1 – A comadre, como vai?
E os meninos vão
bem?
2 – Vão como Deus
é servido
Enquanto a morte não
vem
1 – Eu sinto que o compadre
Tá meio desanimado
2 – Também pudera,
compadre
Vivo sempre aperreado
1 – O que está acontecendo?
O que é que
o arrelia?
2 – É essa dificuldade
Que aumenta a cada
dia
Veja, só minha
agonia
O milho está
acabando
Feijão tem
só um restinho
Deu o gogo nas galinhas
Não sobrou
nenhum pintinho
E pra aumentar minha
agrura
Só tem mais
dez rapaduras
Duas cabras e um bodinho
Joaquim quebrou o pé
No mato buscando lenha
Quase que fica perdido
Sozinho naquela brenha
Antônio está
acamado
Maria tem se queixado
Parece que está
prenha
1 – É...
A coisa não
está boa
Pra você nem
pra ninguém
Há tempos não
ganho nada
Não tenho nenhum
vintém
Ao menos para o café
Fui emprestar do tio
Zé
Mas, ele também
não tem
Todo mundo está
sofrendo
Nesta nossa região
Já está
faltando água
Não tem milho
nem feijão
Nada pra forrar o
estômago
E não se vê
um relâmpago
E não se ouve
um trovão
2 – Da primeira plantação
Não me restou
um só pé
Nossa última
esperança
É dia de São
José
Só resta agora
esperar
Se não chover
é rezar
E seja o que Deus
quiser
Compadre, você
me diga
O que nós vamos
fazer
Sem chuva para plantar
Sem água para
beber
Sem ter pra quem trabalhar
Para o sustento ganhar
Donde tirar o que
comer
1 – Do jeito que a coisa
vai
É outra calamidade
Dizem que o sindicato
Pras bandas de Caridade
Está consultando
o povo
Para saber se de novo
Devem invadir a cidade
Lá pra nós
formou-se um grupo
Para falar com o Prefeito
Saber o que é
que foi
Ou o que está
sendo feito
Tem de haver mobilidade
O que não pode,
é, compadre
Continuar desse jeito
2 – Mas disseram que o Prefeito
Pediu pra ter paciência
Porque o Governador
Já falou com
a Excelência
Do Planalto pra criar
Para o povo empregar
A frente de emergência
Os deputados também
Estão bastante
empenhados
Um que é proprietário
De quatro supermercados
Numa manobra fantástica
Vai fornecer cesta
básica
Aqui, para os flagelados
1 – Outro que nas eleições
É um poço
de decência
Já conseguiu
para o pai
Ser chefe da Residência
Um irmão apontador
O filho será
feitor
E um tio na gerência
Tem um que é
mais autêntico
E sem ter constrangimento
Disse que vai empregar
Mãe e pai e
até o jumento
Este pra carregar
barro
Alugar também
seu carro
E ter um fornecimento
2 – Outros mais dissimulados
Fazem visita ao sertão
E com a voz embargada
Ar de compenetração
Pedem a Deus por clemência
E lamentam a repetência
Daquela situação
Prometem que vão
trazer
Logo uma solução
Na verdade estão
felizes
Rindo de satisfação
Está melhor
que o plano
Pois, exato esse ano
É ano de eleição
1 – Assim será bem
mais fácil
Ter uma boa votação
Distribuindo receita
Dentadura e chinelão
Medicamento vencido
Xarope, chá,
comprimido
E uma migalha de pão
Os vereadores fazem
A ponte de ligação
Entregando os donativos
Sempre em concentração
Demonstrando ser apreço
Pegam nome e endereço
Título, zona
e seção
2 – Desde o ano de mil
Oitocentos setenta
e sete
A primeira grande
seca
O flagelo se repete
E o governante da
hora
Se o povo de fome
chora
Uma solução
promete
O Rei, Dom Pedro II
Empenhou seu nobre
nome
Prometeu vender as
pedras
Da coroa, aquele homem
Antes que um cearense
Ou qualquer nordestinense
Viesse a morrer de
fome
1 – Foi deposto e a coroa
Continua no museu
Para os efeitos da
seca
A solução
ninguém deu
E muita gente, de
fome
Pelo descaso dos “home”
No meu Nordeste morreu
E continua morrendo
Fraca, de inanição
De dengue, tuberculose
Cólera e amarelão
Para acabar tudo isso
Basta haver compromisso
Vontade e cooperação
2 – É bastante que
se faça
Correta distribuição
Pequenos lotes de
terra
Para o homem do sertão
Um pouco de infra-estrutura
E para a agricultura
Um muito de irrigação
Os estudos apontaram
Que a melhor solução
É do rio São
Francisco
Fazer a transposição
E no Nordeste implantar
Pra com a fome acabar
Projetos de irrigação
1 – Assim grandes rios
secos
Seriam perenizados
Às margens
de cada um
Núcleos seriam
implantados
Com estudos bem precisos
Considerando os cultivos
Ao solo mais indicados
O retorno, meu compadre
Já é possível
antever
Muita fartura na mesa
Excedente pra vender
Isso acontecendo um dia
Nosso Nordeste seria
O melhor lugar pra viver
2 – A solução
é viável
E simples, pode-se
ver
Entre o custo e o
benefício
É deste último
o haver
Mas pra ser implementada
E ser a meta alcançada
É necessário
querer
Querer, que Humberto
de Campos
Traduziu como poder
Poder que está
nas mãos
De quem não
tem o querer
Pois se a fome acabar
Quem um voto vai lhe
dar
Para manter-lhe o
poder?
1 – É meu compadre,
difícil
Entender essa política
Mas para interromper
Essa verdade fatídica
Devemos bem eleger
Por isso devemos ter
Capacidade e crítica
2 – Vamos, pois, melhor votar
Litoral, sertão,
agreste
E da política
expulsar
Todo aquele que não
preste
Peste e fome acabar
Bem forte ao Brasil
gritar
Viva o povo do Nordeste.
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