Carlos Herculano Lopes
Poesia
telúrica e sensual - Lucília de Almeida Neves
1.7.2000
A poesia mineira, de uns tempos para
cá, andava meio parada, ou sem querer sair do fundo das gavetas. Ao
contrário da ficção, que em fase efervescente revelava ao país
romancistas como Antenor Pimenta, com O último Aurélio ou o Cadáver
adiado, que saiu pela Rocco; João Batista Melo, com Patagônia,
também pela Rocco; Luís Giffoni, com Tinta de sangue; Ruth Silvano
Brandão, como Para sempre amada, editora Sette Letras; além de
Roberto Drummond, ainda colhendo os louros de Hilda Furacão, mas já
se preparando para lançar O cheiro de Deus. Também Jorge Fernando
dos Santos, e o premiado Antônio Barreto, estão com romances para
sair.
Enquanto isso, a poesia mineira andava
em banho-maria. Ou melhor, parecia que andava, já que de uma hora
para outra Jovino Machado lançou Disco, pela Orobó; Ester Maciel,
pela mesma editora, saiu com Triz; Elizabete Gontijo publicou Em
segredo, pela Sette Letras, além de Paulinho Assunção, que pela sua
própria editora, a Duas luas, lançou Escreventes. Isto só para citar
alguns, que estão fazendo uma poesia da melhor qualidade e honrando
o gênero na terra de Emílio Moura, Henriqueta Lisboa, Murilo Mendes
e Drummond, cujo centenário estará sendo comemorado este ano.
Mas como Minas é uma terra que está
sempre supreeendendo, a coisa não ficaria só por aí, e de uma hora
para outra, para surpresa geral a cientista política Lucília de
Almeida Neves, autora já consagrada nesta área, resolveu mostrar o
seu lado poético, embora, em segredo, já o viesse exercitando há
muito tempo, desde os seus tempos de adolescente em São João Del Rey,
a sua terra. Lá, um tio famoso, o ex-presidente Tancredo Neves, não
só lhe emprestava livros, como também lhe dava dicas de autores, que
lidos e relidos, se tornariam fundamentais para a sua formação.
Talvez tenham sido as lições do tio
(como ninguém ele sabia tecer, em silêncio, as suas estratégias
políticas), que tenham ensinado a Lucília de Almeida Neves a também
fazer poesia sem maiores alardes. Mas esperando a hora certa, após
escrever e reescrever, de finalmente mostrá-la já pronta, lapidada e
bela, como fez em Jardim do Tempo, lançado no semestre passado pela
Livraria e Editora Del Rey, de Belo Horizonte.
Em meados de 1998, tive a oportunidade
de fazer uma longa entrevista com ela, para o Caderno de Fim de
Semana, do Estado de Minas. Falou-se de muita coisa naquele dia: da
política, que ela traz no sangue; dos livros; de São João Del Rey,
que tão profundamente marcou o seu coração; do Brasil e suas
necessidades, além de alguns de seus sonhos e projetos pessoais.
Naquela tarde, na qual conversamos
durante horas no apartamento onde vive no bairro da Serra, em Belo
Horizonte, Lucília Neves, com impressionante lucidez e poder de
síntese, discorreu sobre todos estes assuntos. E mais: respondeu,
pacientemente, a cada uma das perguntas. Mas existia ali, também,
uma outra pessoa que eu não conhecia: a Lucília Neves poetisa.
E qual não foi a minha surpresa quando,
terminada a nossa conversa, ela me mostra os originais de um livro,
dizendo-me, modestamente, que gostaria que eu desse uma lida. Foi o
que fiz. E nos dias seguintes, com um interesse e encantamento cada
vez maior, fui me adentrando página por página, poema por poema
naquele outro, fascinante e rico universo que Lucília de Almeida
Neves, até então, trazia guardado.
Livro denso, de uma força telúrica e
sensual que poucas vezes tenho visto, como em Jardim do tempo, com o
qual a autora faz a sua estréia na poesia. Nele Lucília, que também
é professora titular da PUC/MG, se mostra por inteiro, sem medo e
sem reservas. Mas com força, sensibilidade e coragem suficiente para
dizer, através de tão belos e bem elaborados poemas, que a vida sem
a poesia realmente não vale a pena. Ler Jardim do tempo é ir ao
encontro de uma escrita poética plena, sem artifícios e feita por
quem, embora estreante, mostra que já entende do ofício.
JARDIM DO TEMPO
Lucília de Almeida Neves
Editora Del Rey, 92 páginas
R$ 13
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