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Carlos Figueiredo 

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Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


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  • Bio - bibliografia

 

Carlos Figueiredo da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

 

Da Vinci, Homem vitruviano

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


Comentário sobre:
Olha, Tomé, o teu pássaro foi-se embora!

From: CF
Sent: Sunday, May 25, 2003 2:30 PM
Subject: Re: Oficina de poesia


 

Caro Soares Feitosa,

 

Vou comprar e ler se não hoje, amanhã. Aquele negócio de fé e infância não é dele mas é poesia também, da verdadeira. 

Outra coisa: fiquei seduzido pelo baião de dois. V. pode me mandar uma receita?

Um abraço e obrigado.

Carlos Figueiredo

José Saramago, Nobel
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Valdir Rocha, Fui eu

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Adail Sobral

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo



Goliardos

A Xisto Bahia Filho


Vós, que não podeis beber,
ide para longe destas festas.
Aqui não é lugar para abstêmios.

Baco, virás bem
acolhido e desejado.
Por ti nosso espírito
se torna alegre

ávido de sensualidade
mais que de saúde.

Pai nosso que estais nos copos
santificado
seja esse vinho.
Que venha o embriagado Baco
faça-se abundância de ti
assim no vinho como na taberna.

O pão nosso para comer nos dai hoje
e afastai de nós os copos grandes
assim como nós nos afastamos dos nossos
                   /beberrões

e não nos induza à tentação do vinho
mas livrai-nos das vestes.

Tanto gentile e tanto onesta pare
la donna mia quand'ella altrui saluta
ch'ogne lingua deven tremando muta,
e li occhi no l'ardiscon di guardare.

As formas pensam.

O princípio barroco da subordinação
de todos os elementos arquiteturais
para produzir um efeito único
especular
do absolutismo central
do Pontífice.

No ar,
no alto,
a tensão rupestre
como um estigma na pedra.

A resplandecer
No Tao
Nos Upanichades, em Hesíodo.

J'aurais voulu vous répondre avant
l'heure de la poste; Je
n'ai personne
à qui causer d'Art, des poètes,
de l'Idéal.

Il confond trop
L'Idéal avec le Réel.

Depois, subitamente:
"Vinte anos após estes
acontecimentos
podia-se encontrar
nas ruas de Fougères
um velho ainda ereto etc."

Verdadeiramente embriagado
eu acreditava captar uma antiguidade
maravilhosa.

O mito é o nada que é tudo.
Os deuses vendem quando dão.

O ranger dos bambus
me diz que neva.
 



Notas do poema Goliardos

Os Goliardos eram uma espécie de beatniks, de freaks do Século XII, beberrões, vagantes,"on the road", cuja produção literária se constituiu em um dos marcos precursores do Renascimento.

A origem do termo não está, ainda, estabelecida. Alguns identificam os goliardos com Pedro Abelardo (1079-1142), chamado, nos processos que lhe moveu a Igreja, de Golias, inimigo da fé. Outros, ao fato deles beberem e comerem como Golias.
......

Na Idade Média, durante séculos, os textos produzidos, além de escassíssimos eram, em sua maioria esmagadora, hagiológicos. Ao longo de cem anos, os anais de um convento - de S. Benedito - registra três passagens: Um surto de peste, o falecimento de um abade tido como santo e o desabamento da laje do altar.

Quando chega o Século XII "os fatos irrompem esplêndidos". "Em meio a um frêmito, surgem novos escritores enfim conscientes da utilidade prática da História. Ressurge o Direito Romano e nascem escolas que ressuscitam a atividade científica, em uma primeira tentativa de laicisar a ciência, e arrebatá-la das mãos do clero".

"Todas as classes sociais foram dominadas por um sentimento vago de inquietação, que as incitava a buscarem novas e ignotas regiões; que excitavam nelas fantásticas aspirações a uma nova vida. Daqui o fanatismo pelas viagens ao Oriente, pelas Cruzadas, pelas peregrinações, pelas expedições longínquas e perigosas. Esse sentimento invade também as escolas"

"Em busca de conhecimentos especializados, os estudantes procuram em Paris as artes liberais. Em Aureliano (Orleans) os autores, em Bolonha os códigos, em Salermo as "pyxides" e em Toledo, os demônios. E assim, desses encontros nas estradas, surgem os Goliardos.

À eles devemos uma das produções literárias da Idade Média mais belas e características"

Apud Adolfo Bartoli in "Precursores do Renascimento". Ed. Parma - 1983. Tradução do Prof. Valeriano Gomes do Nascimento.

De "Vós que não podeis beber..." até "...se torna alegre" transcrição de textos goliardos (Carmina Burana, 240), op. cit. P. 37. Ver (ouvir) como Carl Orff cifra (decifra), no coro de sua Carmina Burana o sentido seminal do rompimento goliardo.

"Ávido de sensualidade/mais que de saúde" idem, (Carm. Bur., pp. 67-69), op. cit. P. 39.40

De "Pai nosso que estais..." até "mas livra-nos das vestes", idem, (Missa de Putatoribus - Missa dos Bebedores - chamada também de Missa Glutonis - Missa do Glutão), op. cit. P.43.

"Tanto gentile e tanto onesta pare..." até "e li occhi no l'ardiscon de guardare" - Quadra primeira do Soneto XV da "Vita Nuova". Dante, um século depois dos goliardos, obra publicada em Florença em l292, que inaugura o Renascimento.

Tradução de Jorge Wanderley In "Vida Nova - Os Poemas", Livraria Tauros; Livraria Timbre editores - 1988. P.61:

"Tanto é gentil e tão honesto é o ar da minha amada, no saudar contida, que toda língua treme emudecida e os olhares não se ousam levantar"

Há várias outras traduções desse soneto. Conheço uma de Arduíno Bolívar in "30 Séculos de Poesia" - Edições de Ouro, Coleção Clássicos de Bolso - 1966. P. 138. E uma outra, que não cheguei a registrar

O soneto inteiro é assim (cf. Dante Alighiere in "Vita Nuova", Garzanti Editore, 1982, P. 51):

Tanto gentile e tanto onesta pare la donna mia quand'ella altrui saluta, ch'ogne lingua deven tremando muta e li occhi no l'ardiscon di guardare.

Ella si va, sentendosi laudare, benignamente d'umiltà vestuta; e par che sia una cosa venuta da cielo in terra a miracol mostrare.

Mostrasi sì piacente a chi la mira che dá per li occhi una dolcezza al core, che 'ntender no la può chi no la prova:

e par che de la sua labbia si mova un spirito soave pien d'amore, che va dicendo a l'anima: Sospira.

De "O princípio barroco..." até "...do Pontífice", cf. Roger Bastide in "Psicanálise do Cafuné". Ed. Guaíra, Coleção Caderno Azul - 1941. P. 46.

Vale a pena transcrever alguns trechos desse ensaio, que - não fosse a universalidade do neolítico - situa o barroco como o protótipo da linguagem globalizada. C.f. P. 43 op. cit. :

" A Igreja, sendo internacional, quis uma arte internacional; o poder pontificial só poderia caracterizar-se por uma espécie de padronização da arte barroca, contra o regionalismo medieval e contra a variedade de arquiteturas próprias das antigas ordens religiosas. Isso é muito claro na pintura, que se separa da cor local particular de cada província, para se tornar abstrata e universal".

Cf. P. 46: " Seja qual for a diversidade dos aspectos de que se revista o barroco europeu segundo os vários países, ele apresenta certo número de caracteres comuns: o vínculo entre o monumento e o espaço onde se situa, a escolha do local e da perspectiva; o princípio de subordinação de todos os elementos arquiteturais para produzir um efeito único; a importância da linha curva, um estilo de movimento, as "formas que voam" que se opõem às "formas que pensam"; a riqueza da decoração ligada ao caráter sentimental, afetivo, dessa arte, à sua exuberância de vida; o cromatismo, que se caracteriza pela escolha dos materiais utilizados pela pintura, pelo amor ao ouro; o papel da luz no jogo de sombras e do sol, especialmente sobre a fachada; o ilusionismo que permite substituir as paredes por meio de pinturas murais ou dos ornamentos do teto e alargar o espaço..."

A tensão rupestre/como um estigma na pedra/a resplandecer no Tao

A relação entre o Tao (Lao-tsé) e a cultura do Neolítico (ou até mesmo do Mesolítico) segue Mircéia Eliade in "História das Crenças e das Idéias Religiosas", Zahar Editores. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda - 1979. Cf. Tomo II, P. 28 : "Lao-tsé e seus discípulos vão buscar ensinamentos nas tradições mitológicas arcaicas".

No tomo I, Vol. 2, P. 12: "É certo que as origens da cultura indo-européia mergulham no Neolítico, talvez até no Mesolítico".

A cultura do Neolítico apresenta, em suas manifestações, desde as pinturas rupestres, uma universalidade. Talvez isso explique a recorrência de uma mesma explicação para, por exemplo, o fenômeno da profetização, em culturas aparentemente tão distintas como a indo-européia, a hebraica e a chinesa. Senão vejamos: Da cultura indo-europeia, pode-se tomar, cf. Eliade, op. cit., Tomo I, Vol.2, P. 107, a referência que se segue: "Apolo revela aos seres humanos a trilha que conduz (...) à descoberta do (...) domínio das técnicas extáticas e oraculares na famosa fórmula de Delfos:'Conhece-te a ti mesmo"

Da cultura chinesa nos valemos do filósofo Mo Dsi, cf. Marie-Louise Von Franz in "Adivinhação e Sincronicidade", Ed. Cultrix, tradução de Álvaro Cabral,1993, 9a. edição, P. 131: "Diz (o filósofo chinês Mo Dsi) em 'The Doctrine of th Mean' (A Doutrina do Termo Médio - sic): 'Só o homem devotado à suprema sinceridade pode desenvolver completamente sua própria natureza e, através disso, pode revelar os poderes transformadores e alimentadores do céu e da terra. Só um homem dedicado à COMPLETA SINCERIDADE INTERIOR PODE CONHECER O FUTURO. Essa virtude é realmente uma qualidade da natureza e, assim (quer dizer, se um homem pode conhecer o futuro e está possuído da máxima sinceridade) pode ocorrer uma união do exterior com o interior e os modos do céu e da terra podem ser explicados numa frase. Esses modos não têm
qualquer duplicação e, assim, produzem coisas de um modo insondável".

E, na cultura hebraica, Henri Serouya, in "A Cabala", Ed. Difusão Européia do Livro, tradução de Neila Cecílio, 1970, P. 57, informa que Abulafia ao descrever o êxtase profético, revela que "o homem reencontra seu próprio eu, como se estivesse diante dele". "Segundo uma passagem das tradições cabalistas - continua Serouya - todo o mistério da profecia consiste em que, de repente, o homem vê diante dele a forma de seu eu e se esquece de si mesmo; então o seu eu, que dele se separou, lhe prediz o futuro".

"J'aurais voulu vous répondre avant..." Transcrição de trechos de uma carta de Mallarmé a Catulle Mendés, de 28 de julho de 1875, in "Propos Sur la Poésie", Éditions du Rocher, 1953. P. 111.

Tradução informativa do A.:

"Eu queria ter-vos respondido antes da hora da posta. Não tenho ninguém com quem "causer" (parlar, argumentar, discutir) da Arte, dos poetas, do Ideal".

"Ele confunde "trop" (excessivamente) o Ideal com o Real".

De "Depois, subitamente..." até "...um velho ainda ereto, etc", transcrição de trechos da obra "Sobre a Leitura", de Proust, Ed. Pontes, 1989. Tradução do poeta Carlos Vogt.

"O mito é o nada que é tudo"; "Os deuses vendem quando dão". Transcrição de versos de Fernando Pessoa in "Mensagem". O primeiro, primeiro verso do poema "Ulisses". O segundo, também primeiro verso do poema "O Das Quinas".

"O ranger dos bambus/me diz que está nevando" Tradução de uma tradução em espanhol de um hai-ku. Não consigo me lembrar do nome do autor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Marpalavrilhar


e sombras, e enraizar coisas
e esse existir sempre, que não existia antes de ser imaginado
maior enigma que todos
como se fosse possível ter uma foto
nada, entre

balbucios, espaços entrecortados de sílabas, correntes de
prefixos, de ventos, assoprados por rimas, como se
houvessem dedos que procurassem segurar as cordas de uma
lira de areia, os enganos, as mentiras, os uivos, os olhares
lançados por maiúsculas, vôo de sinônimos, política das
relações oblíquas dos fonemas, prazeres guturais,
palatais, sibilantes, recurvados entre o balaústre de
hemistíquios, ávidos de presa, em seu pequeno choro
consonantal, nasal, linguodental, a epifania do som perfeito
da glota na invocação dos mistérios, vogais abertas ao ritmo
solar da andadura, pausa e percussão ocultas na cor da rima obscura,
ó falar dos gênios, em ão, em inhas, até o Poder. Ah! ervinhas a quem,
somente tu, Inês, dizias o nome que no peito, oculto tinhas.

"O perfume que dali se exala, já a deusa".

Nas palavras há galáxias distantes, onde talvez existam
estrelas em torno das quais girem planetas, fecundos
habitados por formas que desconhecemos, estrelas mortas,/
formadas

por desejos
iguais aqueles

necessários às reticências
distintos desses continentes que foram descobertos pelos
navegantes, na superfície do Planeta, apenas na forma em que
se apresentam, em mapa

onde cada ilha, arquipélago, promontório ou continente
submerge em um mar ausente, semelhante às coisas expostas ao
esquecimento, na luz do entardecer, além de qualquer
descobridor, entes aos quais não se pode ir ter com eles e
ao seu navegante o que cabe é criá-los, pelo dom que tem o
nome, ao ser dado às coisas


Marfim
 



Nota do Poema marpalavrilhar

" O perfume que dali se exala, já a deusa"
Castilho, "Amor e Melancolia"

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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João Scantimburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

No mundo das fadas


No mundo das fadas
cada nome é usado uma única vez

em histórias contadas pelo vento
A luz é uma música
o mar é curvo
os olhos são espelhos
e a noite é um grito
e é dos seus gemidos
que surge a areia das praias.

No mundo das fadas
o Tempo é um luar
no bosque da memória
onde correm almas de rios
em cachoeiras-miragens
até um lago
feito da pele que vai saindo do arfar
de um coração-estrela.

No mundo das fadas
um Dia é Amor
dedos são crianças
e há uma torre
onde não há nada.

No mundo das fadas
raízes são pássaros
rostos são relâmpagos.

E se respiram lâminas
delgadas, rítmicas, fatais,
que se morre a cada instante

e a cada volta
é preciso substituir o coro.
 

 

 

 

Culpa

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Maria Azenha

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Estranha Desordem


Sou um jogo de espelhos
e a morte não irá interromper isso.
Apenas
o vinho poderá embaçar um pouco
todas as imagens.

Vivi uma vida estranha.

E haviam sempre uns olhares,
uns detalhes,
uma coisa que era realmente estranha.

Era tudo tão rápido, eu era tão pálido
e as pessoas viviam
dizendo
"você faz o que você quer"

E eu queria. Mas também com todas aquelas
lanchonetes
e ainda queriam que eu fosse desses
que entendem e vivem tudo isso
e moram em apartamentos
e vêem televisão e fumam cigarros.

Eu buscava uma luz,
o pé dentro do sapato,
tudo muito normal,
só que era mesmo, realmente, uma coisa estranha.

Eu era um triste, um simples
queria era pegar, tocar, mais
era tocar,um jeito,
Queria era que as coisas chegassem
com um barulho d'água
bem com um jeito
realmente não dá para explicar.

Depois, eu sei que tudo é muito resumível
e haviam sempre as coisas,
os números,
e as pessoas ficavam
olhando umas para as outras
explicando
como se somam as frações,

É claro que algo sempre escapava
e ficava vagando
pelo meio da sala,
desconfortável.
 

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Neide Archanjo