Carlos Figueiredo
Goliardos
A Xisto Bahia Filho
Vós, que não podeis beber,
ide para longe destas festas.
Aqui não é lugar para abstêmios.
Baco, virás bem
acolhido e desejado.
Por ti nosso espírito
se torna alegre
ávido de sensualidade
mais que de saúde.
Pai nosso que estais nos copos
santificado
seja esse vinho.
Que venha o embriagado Baco
faça-se abundância de ti
assim no vinho como na taberna.
O pão nosso para comer nos dai hoje
e afastai de nós os copos grandes
assim como nós nos afastamos dos nossos
/beberrões
e não nos induza à tentação do vinho
mas livrai-nos das vestes.
Tanto gentile e tanto onesta pare
la donna mia quand'ella altrui saluta
ch'ogne lingua deven tremando muta,
e li occhi no l'ardiscon di guardare.
As formas pensam.
O princípio barroco da subordinação
de todos os elementos arquiteturais
para produzir um efeito único
especular
do absolutismo central
do Pontífice.
No ar,
no alto,
a tensão rupestre
como um estigma na pedra.
A resplandecer
No Tao
Nos Upanichades, em Hesíodo.
J'aurais voulu vous répondre avant
l'heure de la poste; Je
n'ai personne
à qui causer d'Art, des poètes,
de l'Idéal.
Il confond trop
L'Idéal avec le Réel.
Depois, subitamente:
"Vinte anos após estes
acontecimentos
podia-se encontrar
nas ruas de Fougères
um velho ainda ereto etc."
Verdadeiramente embriagado
eu acreditava captar uma antiguidade
maravilhosa.
O mito é o nada que é tudo.
Os deuses vendem quando dão.
O ranger dos bambus
me diz que neva.
Notas do poema Goliardos
Os Goliardos eram uma espécie de beatniks, de freaks do Século XII,
beberrões, vagantes,"on the road", cuja produção literária se
constituiu em um dos marcos precursores do Renascimento.
A origem do termo não está, ainda, estabelecida. Alguns identificam
os goliardos com Pedro Abelardo (1079-1142), chamado, nos processos
que lhe moveu a Igreja, de Golias, inimigo da fé. Outros, ao fato
deles beberem e comerem como Golias.
......
Na Idade Média, durante séculos, os textos produzidos, além de
escassíssimos eram, em sua maioria esmagadora, hagiológicos. Ao
longo de cem anos, os anais de um convento - de S. Benedito -
registra três passagens: Um surto de peste, o falecimento de um
abade tido como santo e o desabamento da laje do altar.
Quando chega o Século XII "os fatos irrompem esplêndidos". "Em meio
a um frêmito, surgem novos escritores enfim conscientes da utilidade
prática da História. Ressurge o Direito Romano e nascem escolas que
ressuscitam a atividade científica, em uma primeira tentativa de
laicisar a ciência, e arrebatá-la das mãos do clero".
"Todas as classes sociais foram dominadas por um sentimento vago de
inquietação, que as incitava a buscarem novas e ignotas regiões; que
excitavam nelas fantásticas aspirações a uma nova vida. Daqui o
fanatismo pelas viagens ao Oriente, pelas Cruzadas,
pelas peregrinações, pelas expedições longínquas e perigosas. Esse
sentimento invade também as escolas"
"Em busca de conhecimentos especializados, os estudantes procuram em
Paris as artes liberais. Em Aureliano (Orleans) os autores, em
Bolonha os códigos, em Salermo as "pyxides" e em Toledo, os
demônios. E assim, desses encontros nas estradas, surgem os Goliardos.
À eles devemos uma das produções literárias da Idade Média mais
belas e características"
Apud Adolfo Bartoli in "Precursores do Renascimento". Ed. Parma -
1983. Tradução do Prof. Valeriano Gomes do Nascimento.
De "Vós que não podeis beber..." até "...se torna alegre"
transcrição de textos goliardos (Carmina Burana, 240), op. cit. P.
37. Ver (ouvir) como Carl Orff cifra (decifra), no coro de sua
Carmina Burana o sentido seminal do rompimento goliardo.
"Ávido de sensualidade/mais que de saúde" idem, (Carm. Bur., pp.
67-69), op. cit. P. 39.40
De "Pai nosso que estais..." até "mas livra-nos das vestes", idem,
(Missa de Putatoribus - Missa dos Bebedores - chamada também de
Missa Glutonis - Missa do Glutão), op. cit. P.43.
"Tanto gentile e tanto onesta pare..." até "e li occhi no l'ardiscon
de guardare" - Quadra primeira do Soneto XV da "Vita Nuova". Dante,
um século depois dos goliardos, obra publicada em Florença em l292,
que inaugura o Renascimento.
Tradução de Jorge Wanderley In "Vida Nova - Os Poemas", Livraria
Tauros; Livraria Timbre editores - 1988. P.61:
"Tanto é gentil e tão honesto é o ar da minha amada, no saudar
contida, que toda língua treme emudecida e os olhares não se ousam
levantar"
Há várias outras traduções desse soneto. Conheço uma de Arduíno
Bolívar in "30 Séculos de Poesia" - Edições de Ouro, Coleção
Clássicos de Bolso - 1966. P. 138. E uma outra, que não cheguei a
registrar
O soneto inteiro é assim (cf. Dante Alighiere in "Vita Nuova",
Garzanti Editore, 1982, P. 51):
Tanto gentile e tanto onesta pare la donna mia quand'ella altrui
saluta, ch'ogne lingua deven tremando muta e li occhi no l'ardiscon
di guardare.
Ella si va, sentendosi laudare, benignamente d'umiltà vestuta;
e par che sia una cosa venuta da cielo in terra a miracol mostrare.
Mostrasi sì piacente a chi la mira che dá per li occhi una dolcezza
al core, che 'ntender no la può chi no la prova:
e par che de la sua labbia si mova un spirito soave pien d'amore,
che va dicendo a l'anima: Sospira.
De "O princípio barroco..." até "...do Pontífice", cf. Roger Bastide
in "Psicanálise do Cafuné". Ed. Guaíra, Coleção Caderno Azul - 1941.
P. 46.
Vale a pena transcrever alguns trechos desse ensaio, que - não fosse
a universalidade do neolítico - situa o barroco como o protótipo da
linguagem globalizada. C.f. P. 43 op. cit. :
" A Igreja, sendo internacional, quis uma arte internacional; o
poder pontificial só poderia caracterizar-se por uma espécie de
padronização da arte barroca, contra o regionalismo medieval e
contra a variedade de arquiteturas próprias das antigas ordens
religiosas. Isso é muito claro na pintura, que se separa da cor
local particular de cada província, para se tornar abstrata e
universal".
Cf. P. 46: " Seja qual for a diversidade dos aspectos de que se
revista o barroco europeu segundo os vários países, ele apresenta
certo número de caracteres comuns: o vínculo entre o monumento e o
espaço onde se situa, a escolha do local e da perspectiva; o
princípio de subordinação de todos os elementos arquiteturais para
produzir um efeito único; a importância da linha curva, um estilo de
movimento, as "formas que voam" que se opõem às "formas que pensam";
a riqueza da decoração ligada ao caráter sentimental, afetivo, dessa
arte, à sua exuberância de vida; o cromatismo, que se caracteriza
pela escolha dos materiais utilizados pela pintura, pelo amor ao
ouro; o papel da luz no jogo de sombras e do sol, especialmente
sobre a fachada; o ilusionismo que permite substituir as paredes por
meio de pinturas murais ou dos ornamentos do
teto e alargar o espaço..."
A tensão rupestre/como um estigma na pedra/a resplandecer no Tao
A relação entre o Tao (Lao-tsé) e a cultura do Neolítico (ou até
mesmo do Mesolítico) segue Mircéia Eliade in "História das Crenças e
das Idéias Religiosas", Zahar Editores. Tradução de Roberto Cortes
de Lacerda - 1979. Cf. Tomo II, P. 28 : "Lao-tsé e seus discípulos
vão buscar ensinamentos nas tradições mitológicas arcaicas".
No tomo I, Vol. 2, P. 12: "É certo que as origens da cultura
indo-européia mergulham no Neolítico, talvez até no Mesolítico".
A cultura do Neolítico apresenta, em suas manifestações, desde as
pinturas rupestres, uma universalidade. Talvez isso explique a
recorrência de uma mesma explicação para, por exemplo, o fenômeno da
profetização, em culturas aparentemente tão distintas como a
indo-européia, a hebraica e a chinesa. Senão vejamos: Da cultura
indo-europeia, pode-se tomar, cf. Eliade, op.
cit., Tomo I, Vol.2, P. 107, a referência que se segue: "Apolo
revela aos seres humanos a trilha que conduz (...) à descoberta do
(...) domínio das técnicas extáticas e oraculares na famosa fórmula
de Delfos:'Conhece-te a ti mesmo"
Da cultura chinesa nos valemos do filósofo Mo Dsi, cf. Marie-Louise
Von Franz in "Adivinhação e Sincronicidade", Ed. Cultrix, tradução
de Álvaro Cabral,1993, 9a. edição, P. 131: "Diz (o filósofo chinês
Mo Dsi) em 'The Doctrine of th Mean' (A Doutrina do Termo Médio -
sic): 'Só o homem devotado à suprema sinceridade pode desenvolver
completamente sua própria natureza e, através disso,
pode revelar os poderes transformadores e alimentadores do céu e da
terra. Só um homem dedicado à COMPLETA SINCERIDADE INTERIOR PODE
CONHECER O FUTURO. Essa virtude é realmente uma qualidade da
natureza e, assim (quer dizer, se um homem pode conhecer o futuro e
está possuído da máxima sinceridade) pode ocorrer uma união do
exterior com o interior e os modos do céu e da terra podem ser
explicados numa frase. Esses modos não têm
qualquer duplicação e, assim, produzem coisas de um modo
insondável".
E, na cultura hebraica, Henri Serouya, in "A Cabala", Ed. Difusão
Européia do Livro, tradução de Neila Cecílio, 1970, P. 57, informa
que Abulafia ao descrever o êxtase profético, revela que "o homem
reencontra seu próprio eu, como se estivesse diante dele". "Segundo
uma passagem das tradições cabalistas - continua Serouya - todo o
mistério da profecia consiste em que, de repente, o homem vê diante
dele a forma de seu eu e se esquece de si mesmo; então o seu eu, que
dele se separou, lhe prediz o
futuro".
"J'aurais voulu vous répondre avant..." Transcrição de trechos de
uma carta de Mallarmé a Catulle Mendés, de 28 de julho de 1875, in "Propos
Sur la Poésie", Éditions du Rocher, 1953. P. 111.
Tradução informativa do A.:
"Eu queria ter-vos respondido antes da hora da posta. Não tenho
ninguém com quem "causer" (parlar, argumentar, discutir) da Arte,
dos poetas, do Ideal".
"Ele confunde "trop" (excessivamente) o Ideal com o Real".
De "Depois, subitamente..." até "...um velho ainda ereto, etc",
transcrição de trechos da obra "Sobre a Leitura", de Proust, Ed.
Pontes, 1989. Tradução do poeta Carlos Vogt.
"O mito é o nada que é tudo"; "Os deuses vendem quando dão".
Transcrição de versos de Fernando Pessoa in "Mensagem". O primeiro,
primeiro verso do poema "Ulisses". O segundo, também primeiro verso
do poema "O Das Quinas".
"O ranger dos bambus/me diz que está nevando" Tradução de uma
tradução em espanhol de um hai-ku. Não consigo me lembrar do nome do
autor.
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