César Leal
Dimensões temporais
em poesia
Ao estudar poetas modernos para os
quais o conceito de tempo constitui uma preocupação constante,
verifiquei não coincidir entre eles as diferentes dimensões
temporais. Até o século XVIII, era comum encontrar-se a noção de
tempo relacionada apenas às clássicas divisões conhecidas: passado,
presente e futuro. Essa acepção de tempo refletia o postulado de
Heráclito de que ninguém tomaria banho duas vezes no mesmo rio, nem
tocaria duas vezes uma substância mortal no mesmo estado. Essa
concepção de tempo é a que denominamos de tempo empírico, medido
pela clepsidra, pelo relógio de areia, o relógio do sol, o relógio
mecânico ou o relógio digital. O dramatismo do tempo heraclitiano
está no fato de que não podemos retornar ao passado, a não ser pela
recordação.
Mas ao considerar as dimensões do tempo na ciência é claro que não
estou interessado em discutir as abstrações filosóficas: não me
interessando, nem mesmo, as considerações sobre o tempo em
Aristóteles, ou outros pensadores e poetas latinos: Santo Agostinho
e Dracôncio, por exemplo. Enfim, a acusação de Bergson, em Duração e
simultaneidade, a propósito da Teoria da Relatividade Geral de
Einstein, também não entra no campo de meus interesses. O que
pretendo é expor livremente o que venho pesquisando na poesia de
autores deste século. E o que, surpreendentemente, encontro é um
interesse maior dos poetas modernos pelas noções de tempo na física,
na matemática, na biologia molecular. O que pretendo - como ensina o
grande biólogo pernambucano Aluizio Bezerra Coutinho, em seu
magnífico ensaio Da natureza da vida - é algo que me possibilite
"abrir caminho para a compreensão do caráter explanatório
unificador, as considerações ligadas ao conceito de autômato
neumaniano e suas implicações fenomenológicas". O que Bezerra
Coutinho afirma em relação ao objeto de seu estudo é justamente o
que me preocupa em relação ao tempo: a uma fenomenologia de suas
diferentes dimensões sejam de natureza filosófica ou simplesmente
científica. A mim não importa dizer que para Heiddeger o tempo é o
ser. Ou que "o tempo é o sentido do ser". O que Heiddeger afirma é
muito importante para compreendermos a estrutura da história e,
talvez, seria até útil aos políticos que contratam publicitários sem
preparo filosófico para encherem os muros de "slogans" sem sentido
sobre passado, presente e futuro, sem que saibam sequer definir o
que é o tempo e a historicidade da existência do homem. "A medida
científica do tempo, o conceito mesmo de eternidade, se referem
todos ao tempo inautêntico, isto é, são determinações essencialmente
vinculadas a existência que é lançada e imersa nas coisas do mundo".
(Cf. Ser e Tempo, p. 427, nº 1).
Quando me referi à acusação de Bergson, foi ao fato dele dizer que
sua teoria da "duração real" não está em conflito com a teoria de
Einstein; o mal teria sido alguns desejarem transformar a teoria de
Einstein em filosofia. Bergson em seus livros Ensaio sobre os dados
imediatos da consciência (1889) e Duração e simultaneidade (1922)
procura mostrar que para a física e a matemáticaa duração de um
fenômeno é relativa já que se limitaria a um número determinado de
unidades de tempo. Ou de simultaneidades que se apresentam como
invariantes. Ou invariáveis. Acrescenta, ainda, um dado que pode ser
contestado, ainda que não fosse quando expôs a sua teoria, sete anos
após a formulação definitiva da Relatividade Geral de Einstein.
Dizia ele que se todos os movimentos do universo se acelerassem de
repente, inclusive os meios para a medida do tempo, nada mudaria em
relação à ciência já que para a ciência há sempre o mesmo número de
simultaneidades. Não ocorreria - segundo Bergson - o mesmo com a
vida da consciência porque tal vida coincide com uma mudança real,
uma vez que seus momentos não se justapõem um ao outro mas se fundem
numa estrutura indissociável, uma espécie de enriquecimento
unitário, perene, qualitativo, dentro de um processo contínuo: a
"duração real", o que conduz a sucessão irreversível capaz de
escapar a toda previsão. Será que a bem elaborada teoria de Bergson,
feita para ajustar-se aos êxitos da teoria de Einstein ainda tem
validade? Pior ainda depois do forte golpe desferido por Werner
Heisenberg, em 1927, ao demonstrar que não existia uma medida para o
tempo. Claro que Bergson ao falar em "meios para a medida do tempo"
estava falando de algo inexistente. A não ser que estivesse a falar
dos relógios... Mas é claro que Bergson não iria descer do alto de
seu pensamento para tratar de coisas tão pouco filosóficas como os
relógios, mesmo que estivesse a falar do relógio da existência!
(in Diário de Pernambuco, 27.10.1997)
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