Ruy Câmara
26.10.2003
Um
pardal na janela
O poeta, romancista, ensaísta,
historiador e diplomata Alberto da Costa e Silva (1931), paulista de
origem nordestina, considerado o maior africanólogo do país,
recebeu os primeiros impulsos poéticos nos saraus do ventre
materno. Herdeiro e órfão de um dos mais respeitados vates da
literatura brasileira, ele tem no
vulto do pai, Da Costa e Silva (1885-1950), um referente essencial e
perene que os anos, com a sua mão destruidora, jamais conseguiram
apagar.
A mão do meu pai sobre o papel desenha,/ quase num só traço, o
menino a cavalo./ Sai de sua mão a mão com que lhe aceno,/ e vai
sobre o papel o menino a cavalo.../ Este foi considerado por José
Paulo Paes, um dos poemas mais bem logrados, jamais escritos em seu
gênero, na língua portuguesa. Na opinião de Ivan Junqueira, aqui
o poeta Alberto alcança o nervo da linguagem poética.
Alberto da Costa e Silva é um andarilho por profissão e sua obra
literária, em prosa e poesia, enaltecida por Miguel Sanches Neto,
Fausto Cunha, Gerardo Mello Mourão, Ivan Junqueira, José Guilherme
Merquior, Fernando Py, César Leal, José Paulo Paes, José
Saramago, Osvandino Marques e muito outros, forma, no seu conjunto,
uma exemplar coleção de fragmentos de memória, tanto que chegou a
ser definida pelo crítico e poeta Antonio Carlos Villaça, como
“uma vitória permanente da cultura sobre a natureza, ou da exigência
sobre a facilidade.”
Como um potro que pisa a marca dos próprios cascos no duro chão,
ou um pardal que retorna pela janela da infância, o menino Alberto
começou a compor os primeiros versos antes de mudar a dentição,
quando tomou consciência do declínio do pai, vítima de uma grave
enfermidade que lhe obrigou a um longo período de silêncio no Ceará.
A presença constante de um pai ausente, conformou seu mundo e a sua
maneira de encarar o tempo e a existência como sendo o resultado
silente de uma memória vivida, tanto que só ousou tomar assento na
corte das altas letras aos 69 anos.
Decerto, foram os seus sucessivos anos de exílios no exercício da
diplomacia brasileira que lhe credenciaram a ostentar o título de
Poeta da Memória. Só os proscritos e exilados sabem, por experiência
vivida que, é na solidão do exílio que a memória se vê
compelida a procurar no vazio de cada ausência, a presença dos
entes mais queridos. E essa memória arde e rescalda quando se
desloca no tempo e inicia uma busca silenciosa e desesperada de
imagens fragmentárias que vão surgindo para nos advertir que a
arte pura, assim como as palavras puras, também podem ser cruéis
quando o poeta delas se apropria como algo essencial à vida, à
morte e ao que mais houver.
Possuidor de um currículo impecável, não seria custoso resumir
aqui os principais aspectos da sua vasta
Bio-bibliografia:
Formado pelo Instituto Rio Branco em 1957, serviu como diplomata em
Lisboa (1960-63), Caracas (1963-67), Washington (1969-70), Madrid
(1974-76) e Roma (1977-79), antes de ser embaixador na Nigéria e no
Benim (1979-83), em Portugal (1986-90), na Colômbia (1990-93) e no
Paraguai (1993-95). Foi chefe do Departamento Cultural, Subsecretário-Geral
e Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores. Doutor
Honoris Causa pela Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria.
Professor do Instituto Rio Branco. Presidente e Vice-Presidente da
Banca Examinadora do Curso de Altos Estudos.
Como poeta escreveu os seguintes livros: O parque e outros poemas
(1953), O tecelão (1962), Alberto da Costa e Silva carda, fia,
dobra e tece (1962), Livro de linhagem (1966), As linhas da mão
(1978 - Prêmio Luísa Cláudio de Souza, do Pen Club do Brasil), A
roupa no estendal, o muro, os pombos (1981), Consoada (1993) e Ao
lado de Vera (1997 - Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do
Livro). ´Poemas reunidos´, coletânea com escritos feitos desde a
juventude.
Como historiador e africanólogo publicou: A enxada e a lança: a África
antes dos Portugueses (1992-1996) e As relações entre o Brasil e a
África Negra, de 1822 à 1° Guerra Mundial (1996).
Como ensaísta publicou: O vício da África e outros vícios
(1989), Guimarães Rosa, poeta (1992), e Mestre Dezinho de Valença
do Piauí (1999). Como romancista publicou: Espelho do Príncipe
(1994).
Organizou várias antologias: Lendas do índio brasileiro (1957,
1969, 1980 e 1992), A nova poesia brasileira (Lisboa, 1960), Poesia
concreta (Lisboa, 1962) Da Costa e Silva (1997), Poemas de amor de
Luís Vaz de Camões (1998) e com Alexei Bueno, organizou: Antologia
da poesia portuguesa contemporânea (1999). Dirigiu e foi o
principal redator da Enciclopédia Internacional Focus (Lisboa,
1963-68).
Para gáudio nosso, ele, que ora preside a mais importante instituição
cultural do Brasil, a Academia Brasileira de Letras, e tem por missão
cuidar da nossa portuguesa língua, iniciou seus estudos no Colégio
Farias Brito, de Fortaleza, onde fez o primário e ginasial entre
1937 e 1943.
Em síntese, ouso dizer que Alberto da Costa e Silva é um escritor
universal que ancorou sua memória na infância, nas pradarias secas
de Sobral e nos mangueirais de Mecejana, onde muitas vezes se banhou
na lagoa em que José de Alencar, o pai do romance brasileiro e
patrono da ABL, desvirginou em pensamentos Iracema.
O último livro de Alberto da Costa e Silva é Um rio chamado Atlântico,
pela Editora Nova Fronteira com 288 páginas. Nesses ensaios, o
historiador Alberto da Costa e Silva revela peculiaridades e fatos
históricos de uma África que ainda não conhecemos. Na sua visão
o oceano Atlântico foi, durante os séculos da escravatura e nos
primeiros anos que se seguiram à abolição, um rio largo e
comprido que tinha como margens o Brasil e a África ocidental. O
autor sustenta que a cultura africana é um dos alicerces da cultura
brasileira e o modo de vida do outro lado do Atlântico também foi
influenciado pelo Brasil.
Ruy Câmara
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