Cleberton Santos
O Reinol das Alagoas
Tudo lá parecia impregnado de eternidade.
(Manuel Bandeira)
Experiência e Memória são faces que se encontram na comunhão da
criação poética. E, como diria o poeta Ruy Espinheira Filho, “a
poesia é a memória do sentimento”.
É desta matéria-prima da criação literária que o poeta José Geraldo
Wanderley Marques serve-se, muito primorosamente, na construção do
seu livro “Cacto Temporários & Itinerários Maríntimos” (Maceió: HD
Livros, 1999), poemas de um fatalizado em plena força do seu pulsar
poético.
Na parte do livro intitulada “Genealogia”, lemos o poema “a rua da
casa do meu avô”, no qual o poeta, através da memória dos
sentimentos de um neto (igual a tantos outros e diferente de todos),
caminha e nos leva juntamente com seus passos pela rua da casa do
seu avô em Santana do Ipanema, realizando através do seu olhar
memorial um passeio lúdico-sentimental por uma cidadezinha qualquer.
a rua da casa do meu avô
era ampla e bela
como a aurora
O primeiro verso do poema reitera a imagem do título que já nos
mostra a especificidade da rua da qual o poeta irá falar: a rua do
casa do seu avô.
A rua, espaço público de vivências individuais e coletivas, é tomada
pelo eu lírico como referencial de suas memórias e funciona como
leitmotiv na construção do poema que levará a imagem principal que é
a do avô.
A afetividade do poeta pela “rua ampla e bela como a aurora”,
expressa-se como canto telúrico de um tempo que não mais voltará e
de uma beleza perdida na simplicidade de uma cidadezinha alagoana.
e nela
desaguavam (misturados ao ipanema)
todos os rios da minha esperança
Um tempo de esperanças é recordado pela vibração da palavra poética
que corre pelos rios da memória e vai de encontro a um rio maior que
constitui a geografia lírica do poeta: o Ipanema.
a rua da casa do meu avô
era uma ponte
que ligava à cidadezinha
a mais distante galáxia
e por ela (às tardes das sextas-feiras)
passavam todos os touros da minha raça
aos quais a rude gente chamava gado
A ligação extraordinária entre a vida local e a universal
(hiperbolicamente galática) é enfatizada pelo poeta na metáfora da
“ponte” que ligava sua “cidadezinha” à mais distante galáxia.
Uma rua ainda sem o contágio dos automóveis, pois por ela ainda
transitavam “touros” aos quais “a rude gente chamava gado”. Assim,
através de uma lírica menmônica, vai sendo reconstruído perante
nossos olhos do tempo presente hábitos de outrora de uma cidade
longe do estéril turbilhão das modernas capitais. De “madrugadas
inelétricas” a cidade dorme esquecida no silêncio do seu
esquecimento.
a rua da casa do meu avô
ainda é uma rua de uma casa em santana do ipanema.
nela, já não mais reside a ancestralidade argêntea dos
wanderley
porém, na sua conversão em apenas rua (uma a mais)
a genealogia entranha-se em uma aritmética singular
onde um simples avô a menos não é simplesmente
um avô a mais!
jamais!
e nem jamais será!
A rua como espaço real não nos interessa, e muito menos ao poeta. A
rua, enquanto locus infantae, sempre existirá na memória do
sentimento que emerge deste poema. Pois, a casa esteve sempre
“impregnada de eternidade”. No trinômio rua-casa-avô há uma memória
composta de “saudades deglutidas” que se alimenta através do tempo
pela experiência do ato poético, este sacramentu diário na vida do
Reinol das Alagoas, nosso poeta José Geraldo W. Marques.
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