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Cleberton Santos


 


Carlos Ayres Britto, um canto à vida.1
 


Celebrando a Vida para além da própria existência, Carlos Ayres de fato toca a pele do ar, movido por amor.
(Ilma Fontes)
 

 

Carlos Ayres Britto2 , poeta sergipano, publicou em 2001 o seu quarto livro de poesia intitulado A pele do ar 3. O livro, uma edição primorosa organizada pela poeta Ilma Fontes (editora do jornal cultural O Capital), com quadros de Adauto Machado e um prefácio do poeta e jornalista Jozailto Lima, vem confirmar o lugar do vate propriaense no panorama das letras sergipanas.

Contando com 176 poemas de formas curtas e versos livres, este exemplar poético traz uma visão multifacetada da lírica de Carlos Ayres de Britto. Temas sociais, reflexões sobre a morte, conceituações do amor e, principalmente, um canto total de amor à vida, são algumas facetas desse poeta que inscreve sua dor e alegria na pele do real tingido pelas cores da poesia.

Na verdade, encontramos em A pele do ar um poeta altamente influenciado pelo sentimento de carpe diem do clássico Anacreonte. Viver a vida em sua plenitude existencial é seu primeiro e último compromisso de homem e de poeta.

No seu poema Conselho (p. 54), título altamente sugestivo que concentra a imagem sugerida pelo poeta, é evidente sua avidez pela vida:

Namore bem com a vida.
Deixe que ela seduza você.
Permita-se ter um caso de amor
Com ela,
Mas não pare por aí:
(...)
Faça tudo isso e prove da vida
Como do néctar das flores
Prova o colibri,
Sem se perguntar se existe outro céu
Fora daqui.

 

Numa linguagem prosaica, sem muitos recursos metafóricos, o poeta engendra uma poesia de simples compreensão, porém sem perder de vista seu poder de criar algumas imagens de voltagem lírica.

Em Cama e mesa (p. 65), a vida é objeto de constante desfrute por parte dos homens que se dispõem a desfrutá-la através de todas as suas possibilidades reais ou imaginadas:

A vida se quer objeto de cama e mesa.
(...)
E por isso desfrutemos das coisas
a todo momento,
a cada minuto,
senão a vida se cobre de luto.

 

O poeta apresenta-se enquanto um hedonista disposto a desfrutar de todos os prazeres da vida, mas principalmente os que alimentam a alma: amizades, leituras, músicas e amores.

E, consciente da passagem voraz do tempo, o poeta não recua diante do amor que sabe ser finito, mas vive no desejo de que tudo seja infinito enquanto dure:

(...)
O que importa é viver o nosso amor
Como se ele nunca fosse ter um fim.
E quando o fim chegar
- Se é que vai chegar um fim –
eu possa dizer que um tempo todo
eu dei a ti tudo de mim
e tu possas dizer que houve todo um tempo
em que me destes tudo quanto havia em ti.
(...)
(O que importa, p. 186)

 

Na ânsia de viver profundamente e saborear as alegrias matinais da existência, o poeta não se afasta da realidade social do seu país. Como afirma em seu prefácio Jozailto Lima, Carlos Ayres de Brito é “um poeta de extrema sensibilidade e afinado com o seu tempo, com as dores do seu povo...” Por isso, faz do seu canto um protesto de indignação às leis cegas do capitalismo urbano:

O capital reduz
Homem do povo a animal,
E quando o homem do povo
Se comporta como animal,
O capital exige contra ele
A pena capital.
(Pena de morte, 177)

 

A fome, preocupação sempre presente nos debates sociais deste país e de tantos outros, torna-se matéria fecunda para composição de uma poética da materialidade. O poeta criador de imagens surreais (Na certeza de que a morte / é operária igual à noite: / infalível tecelã / de uma nova manhã), é também capaz de fazer ecoar da sua lira o canto dos que tem fome de pão e de liberdade:

Aquele que passa fome
Fica tão prisioneiro da sua fome
Que não lhe sobra liberdade
Pra mais nada.
(Fome, p. 140)

 

Um canto vário de abstrações e realidades cruas, de dores reais e alegrias etéreas, de cidades pobres e rios solidários, enfim, de vida e de morte. Dele emana a voz de um poeta que sabe ser simples e profundo, grave e conciso e que tem plena consciência de que seus melhores poemas ainda não foram escritos e que estão inscritos na pele do ar.

 



1 Texto Publicado na Tribuna Cultural, Feira de Santana, 25 julho 2004.
2 Nasceu em Propriá (novembro de 1942) e vive em Aracaju há 34 anos. Membro da Academia Sergipana de Letras. Este é o sexto livro que publica, sendo quatro de poesias e dois de direito.
3 A pele do ar. Aracaju: Editora O Capital, 2001.