Cleberton Santos
Romaria lírica
O escritor Cleberton Santos entrevista o poeta José Inácio Vieira de
Melo
Cleberton Santos – Amanhã, em Salvador, você
estará lançando seu mais novo livro de poesias, A Terceira Romaria.
Como se deu a produção da obra?
José Inácio Vieira de Melo – A Terceira Romaria foi publicado por um
selo independente que criei, o Aboio Livre Edições, através do
FazCultura, programa estadual de incentivo à cultura. Primeiramente
fiz um projeto e o apresentei ao FazCultura, uns quatro meses depois
o projeto foi aprovado. A etapa seguinte foi a de captação de
recursos, que levou mais de um ano. Já com os recursos disponíveis,
foi a vez da editoração e, finalmente, passou para a gráfica. Estou
muito satisfeito com o resultado, o livro ficou bonito.
CS – Como é seu processo de criação?
JIVM - O meu processo de criação é muito lento. Dá-se por lampejos
de imagens, oriundos, provavelmente, do subconsciente, resquícios de
vivências, sobretudo da infância. Aí, aparece um verso aqui, outro
acolá, e vou juntando, arrumando no papel ou na tela do computador.
Deixo lá, por dias e dias, às vezes até por meses, anos. Outros
poemas chegam como uma tempestade, arrasando com tudo, ou então com
a mansidão de uma vaca leiteira, esbanjando seu líquido precioso;
esses já vêm prontos, ou quase prontos.
CS – Sua poesia tem recebido a atenção de
importantes nomes da literatura brasileira, a exemplo de Lêdo Ivo,
Nelly Novaes Coelho, Ildásio Tavares, Olga Savary, Ruy Espinheira
Filho, Gerardo Mello Mourão, Maria da Conceição Paranhos, Hildeberto
Barbosa Filho e tantos outros críticos. Qual sua visão dessa tão
rápida projeção dos seus livros?
JIVM – Acredito que as pessoas se manifestam sobre aquilo que chamam
sua atenção. Se algo lhes agrada, então cuidam em louvar, ou se não
lhes apetece, as considerações são desfavoráveis. Os comentários
sobre minha produção têm sido bastante favoráveis, o que me deixa
muito contente, mas com os pés no chão e ciente da responsabilidade
que cada comentário elogioso traz. Estarei lançando meu terceiro
livro – A Terceira Romaria – no dia 6 de junho, exatamente cinco
anos depois do lançamento de meu livro de estréia, Códigos do
Silêncio. A cada dia desses cinco anos venho cultivando o
aprendizado, buscando melhorar meu trabalho poético, tanto é assim
que dos 40 poemas publicados na primeira coletânea individual,
apenas 10 permaneceram, e quase todos sofreram alteração. Outro
aspecto é que sempre acreditei na minha intuição, e, até hoje, gosto
muito de exibir minha poesia, conseqüentemente, ao expor meu
trabalho, também estou me expondo, portanto fico suscetível ao
aplauso, assim como à vaia.
CS – Sabemos que você é um grande agitador
cultural. Fale sobre o projeto Poesia na Boca da Noite?
JIVM – O projeto Poesia na Boca da Noite acontece uma vez por mês e
tem como principal objetivo criar um espaço em que os expoentes da
nova geração poética da Bahia possam declamar seus poemas, tecer
comentários sobre suas maneiras de produção artística e, também,
travar um diálogo com o público presente. O projeto estreou em 2004,
com a participação de 14 poetas, dois a cada mês, sempre um casal, e
contou com a participação de uma platéia seleta e fiel, além de
considerável divulgação na mídia. A estréia em 2005 foi em março,
com os poetas Cleberton Santos e Rita Santana e com a participação
especial da cantora Carla Visi. Em junho há um pequeno recesso, por
conta das festividades juninas, mas retorna em julho com a presença
dos poetas Alex Simões e Nívia Maria, com a participação especial do
jovem cantor e compositor André Telles. O evento acontece no
Restaurante Grande Sertão, no Bairro Costa Azul, em Salvador.
CS – Você organizou uma importante antologia
de novos poetas intitulada Concerto Lírico a Quinze Vozes. Quais
foram os critérios da seleção e como tem sido a divulgação desse
trabalho?
JIVM – Como precisava delimitar o grupo de participantes, estabeleci
que iriam participar da coletânea poetas nascidos entre 1961 e 1979,
naturais da Bahia ou aqui radicados, e que tenham começado a
publicar ou ter algum destaque a partir de 1990. O selo editorial
Letras da Bahia, o prêmio da Fundação Casa de Jorge Amado para
autores inéditos e a revista de arte, crítica e literatura Iararana
foram de fundamental importância para a nossa seleção, assim como os
prêmios universitários. A escolha dos autores não foi nada fácil,
pois queria mostrar as várias faces da produção estadual, e a Bahia
está mais para nação do que para estado. Uma vez lançado, o trabalho
tem tido uma repercussão expressiva. Nomes significativos da
literatura brasileira, de diversos estados, têm escrito sobre o
nosso Concerto, a exemplo de Foed Castro Chamma, Helena Ortiz,
Izacyl Guimarães Ferreira e Reynaldo Valinho Alvarez, assim como os
baianos Luciano Rodrigues Lima e Maria da Conceição Paranhos.
CS – Qual sua visão sobre o “fazer poético”?
Você acredita como alguns que todo mundo pode ser poeta?
JIVM – Alguns defendem ser a poesia inútil, creio que a poesia está
para além da mera utilidade e das vãs elucubrações materiais. A
ocupação do fazer poético não é o sentimento, porém expressar o
sentimento. O ‘sentir’ é comum a todos, cabe, então, ao poeta
representar o ‘sentir' de uma maneira singular, e para isso ele tem
que contemplar, privilegiar o aspecto formal. Entenda-se por 'forma'
a maneira de dizer o sentimento, as coisas. Tudo já foi dito. O
poeta diz o que foi dito de uma maneira – de uma forma – inusitada.
Não se pode esquecer que tudo isso tem que ser feito com beleza,
seja qual for a circunstância. Mesmo que o poeta queira mostrar uma
situação de 'desordem', essa 'desordem' tem que ser regida por uma
'ordem interna' que cause um encantamento – às vezes precedido de um
estranhamento, o que é previsível, pois o novo, aquilo que não
conhecemos, costuma despertar impressões e interesses variados. No
tempo e pelo tempo o poeta tem erigido um templo à beleza. Seja sua
lira rimada ou ritmada o caminho que segue é sempre o mesmo:
encontrar a forma da beleza, dizer o outro nome do nome. Da mesma
maneira que qualquer um pode ser médico, penso que qualquer pessoa
possa, também, ser poeta, contanto que tenha vocação. Vejo com
tristeza a quantidade de pessoas perdidas em atividades que nada tem
com a sua natureza, médicos que deveriam ser engenheiros, advogados
que deveriam ser veterinários e poetas que deveriam ser açougueiros.
Além de botar na cabeça que quer ser alguma coisa, o sujeito tem que
ter vocação.
CS – Você publicou em 2003 o livro Luzeiro com
ilustrações do artista plástico Juraci Dórea. Por qual motivo ocorre
a exclusão deste livro da sua bibliografia?
JIVM – Não há uma exclusão, pelo contrário, sinto alegria em ter
feito um trabalho tão bonito, que conta com as belíssimas
ilustrações desse príncipe de Feira de Santana – Juraci Dórea. O que
acontece é que Luzeiro não é um livro, mas um livrete com três
poemas do livro, então inédito, A Terceira Romaria. Luzeiro, além de
ser uma amostragem de uma das faces de A Terceira Romaria, é um
tributo que presto a uma das minhas referências literárias, o
cordel, daí o formato de livrete.
CS – Você criou o selo independente Aboio
Livre Edições que já publicou, além de seus livros, o ficcionista e
poeta Mayrant Gallo. Quais são os projetos de publicação desse selo?
JIVM – Quando criei o Aboio Livre, em 2002, foi pensando em publicar
meu segundo livro, Decifração de Abismos, pelo motivo, mais do que
óbvio, de não encontrar editora que tivesse interesse – problema
pelo qual passa a grande maioria dos escritores do Brasil, sobretudo
os poetas. Não as culpo. As editoras vivem de publicar livros que
vendam, como não existem leitores de poesia no nosso país, elas não
publicam livros de poemas. O selo Aboio Livre serve para publicar
autores que estejam interessados em ver seus trabalhos bem editados,
antes passando por uma avaliação criteriosa, e cientes de que vão
ter que arcar com os custos da produção.
CS – Em resenha publicada no A Tarde Cultural,
a escritora Maria da Conceição Paranhos afirmou: “Este é um poeta de
leitura extensa e continuada, percebe-se”. Fale um pouco sobre suas
leituras e diálogos literários.
JIVM – As leituras são imprescindíveis para o desenvolvimento de
qualquer escritor. Toda leitura traz a sua contribuição, umas em
maior grau, outras em menor. É certo que com o passar do tempo, com
o amadurecimento, o que se espera do artista, seja qual for sua
arte, é que ele dilua essas influências, que digira esses
referenciais e que passe a produzir um trabalho em que se perceba o
seu estilo, a sua identidade. Pensando dessa maneira, sinto em meu
aprendizado as referências da poesia epifânica de Jorge de Lima, dos
versos ásperos de João Cabral de Melo Neto, do canto épico, de
sotaque grego, de Gerardo Mello Mourão, da lira campesina de
Patativa do Assaré. Muitos outros poetas merecem uma atenção
especial pela qualidade de sua obra e também pela identificação que
sinto entre seus poemas e os meus. Além dos já citados, leio sempre,
com renovado prazer, os poetas Cecília Meireles, Manuel Bandeira e
Carlos Pena Filho; Konstantinos Kavafis, Sierguéi Iessiênin e Walt
Withman; Fernando Pessoa, Francisco Carvalho e José Chagas. Aqui na
Bahia, aprecio a lira de Affonso Manta, Adelmo Oliveira e Ruy
Espinheira Filho; e os meus malungos Kátia Borges, Goulart Gomes e
Mayrant Gallo, apenas para citar alguns dentre os meus vários
companheiros de geração.
CS – Seus poemas estão em vários sites de
literatura na Internet. Qual sua opinião sobre a relação
contemporânea entre a literatura e a Internet?
JIVM – Penso que a Internet traz uma grande contribuição para a
divulgação da literatura. Claro que há os excessos. Cabe a cada um
selecionar o que quer lê, o que pretende pesquisar, cabe a cada um
fazer as suas escolhas, como em tudo na vida. Não acredito, como
alguns, que a Internet venha a substituir os livros impressos. Creio
que cada qual tem seu lugar e cada qual exerce seu papel. No final
das contas, acredito, o saldo é positivo, tanto para os leitores
como para os escritores.
* Entrevista publicada na Tribuna Cultural, Feira de Santana,
05/06/2005, p. 01-02.
Leia a obra de José Inácio Vieira de
Melo
|