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Clevane Pessoa


 

Adeus a Fernando Sabino

 

Nesta segunda feira, 11 de outubro,eu estava abrindo caixas com papéis, ainda da recente mudança para meu novo domicílio,  quando achei um velho álbum, com fotografias de minha época de jornalista.

Mostrei-as a minha amiga, a poetisa Marina Silva Santos, e duas delas trouxeram lembranças curiosas: Fernando Sabino, Rubens Braga e Vinicius de Moraes estava em Juiz de Fora, onde haveria uma noite de autógrafos. Cada qual mais fascinante à sua maneira: Rubens, filosofando o cotidiano, Vinicius, sempre cheio de poesia, sedutor, Sabino de bom humor, dotado de ironia fina,  sutil. Havia uma conversa sobre pressões dos donos do poder de então, os militares. Sabino, dono da Editora Sabiá, tentaria, a treze de dezembro, realizar um evento importante, onde vários livros “non gratos” seriam lançados: de Chico Buarque, RODA VIVA, de D.Helder Câmara, parente de minha avó Teóphila, o m REVOLUÇÃO DENTRO DA PAZ, como também o CRISTO DO POVO, de Márcio Moreira Alves e ainda o pecado mortal, naqueles Anos de Chumbo:” NOSSA LUTA EM SIERRA MAESTRA “de CHE(Guevara). O acontecimento seria, não aconteceu: na mesma data, o terrível “Ato Institucional”, dragão legitimador da conhecida Ditadura Militar Brasileira, é assinado...

Seu Théo, como chamávamos ao diretor da Gazeta Comercial, onde eu assinava a coluna diária “Clevane Comenta”, e a página “Gente, Letras e Artes”. Não estava querendo liberar o fotógrafo. O jornal sofria ameaças, veladas ou não... Eu não desistia de fotografar meus ídolos. Perto da hora da chegada do trio de ouro,  eu liguei para a redação e avisei:

-Seu Théo, o Vinicius chegou.

Ele era “meio” surdo e gritou:

-Quem, o Ministro?

Agarrei-me à oportunidade:

-Sim,chegou...

Ele enviou nosso fotógrafo e tenho o resultado: em preto e branco, duas fotos ótimas: numa, estou ao lado da dona e das funcionárias da Livraria Brasita. Esta, fora camuflada: os livros, cobertos com papel de fantasia, imitando tijolinhos...A outra, com os três, sentados, dando seus autógrafos, dentro da cidade de onde partira “o golpe”... O ano, 1968. Quatro depois do Golpe Militar. A literatura sob mordaças e algemas, mas os três cronistas, ali estavam. Foi a glória. Adorei entrevistá-los. Até hoje, seu sorriso largo e meio infantil-não à toa, nasce no Dia da Criança e morre à sua véspera: deve ter visto a Senhora Morte rondando e, cansado de lutar contra o Câncer, abre-lhe os braços e pensa;

-Amanhã eu ia fazer oitenta e um anos, mas você já está aí, então, pode me levar...

Talvez até tenha sorrido para recitar-lhe Bandeira: "Entra, amiga, a casa é sua"...

Ou talvez a “Senhora Aparecida”, compadecida, às vésperas de sua festa, tenha vindo libertá-lo do sofrimento.Estóico, pediu para não ser internado:queria morrer em casa, o que ocorreu...

Sabino, autor consagrado de “O Encontro Marcado”, ficou muito conhecido por filmes que ampliaram suas crônicas divertidas, mas verossímeis: O Homem Nu, por exemplo, foi protagonizado nada menos que por dois excelentes atores: Paulo José, depois por Cláudio Marzo...

Ocupou cargos interessantes, serviu à imprensa, às Letras. Ou elas o serviram. Ou em simbiose, tornaram perfeito o enlace do escritor com o compromisso da PALAVRA.

Eu, que fazia crítica literária na Gazeta Comercial adorava quando o Correio me trazia os livros da sabiá, em capa branca plastificada, chegavam-me as crônicas de Sabino, que descreviam tão bem as percepções, sensações e vivências cotidianas da nossa gente brasileira...

Quando nasci, Fernando mandava, da cidade de Nova York, seus textos para “O Jornal “ e para o “Diário Carioca”. Aprendi a ler cedo e em muitos cadernos de mamãe, achava, coladas com goma feita em casa, essas saborosas crônicas.

Vai-se essa pessoa que nerudamente, confessava que muito viveu. Aliás, conheceu pessoalmente o poeta chileno. Mas sem perder o espírito iantino, de grande menino grande. Pediu que sobre sua lápide, escrevessem que morreu menino. Homem multifacetado,também escrevia em revistas como Manchete e a feminina “Claudia”, foi diretor de cinema, pai da cantora Verônica Sabino, campeão de natação quando jovem, na adolescência foi escoteiro e, como Drummond, em sua geração, andou perigosamente pelos arcos do viaduto de Santa Teresa, em sua cidade natal, a capital mineira. Na relembrança das espirais do tempo, em qualquer ordem...

Talvez seu único engano literário foi ter escrito “Zélia, Uma Paixão”, pois o povo brasileiro estava engasgado com a então ministra da fazenda de Collor, Zélia Cardoso de Mello. Tanto que uma aura de desagrado, pela primeira vez, o cerca. Mas isso é totalmente minimizado se pensarmos que ele apenas estaria exercendo seus direitos de escritor...

Vá em paz, meu lindo cronista de largo sorriso. Você não viveu em “brancas nuvens”. Intenso e belo em várias leituras e releituras, deixou-nos um legado soberbo dezenas de livros... Ouço ainda Autran, em Quadrante, lendo suas crônicas, feitas a seu modo, inequivocamente e ouço sua voz me respondendo que escrever era parte de você.

Sua voz escrita soará por todos os séculos e será vista por muitos olhos, através de imagens cinematográficas. Para falar a verdade, Fernando Sabino, você era demais...

 

Fernando Sabino

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09.06.2005