Caio Porfírio Carneiro
A vingança
Ele andava
lentamente à minha frente. Aproximei-me.
Emparelhamo-nos.
Sorri:
- Bom dia.
- Bom dia.
O bom dia dele
foi de susto e curiosidade. Voltei a sorrir:
- O senhor não
me conhece. Mas devo conhecê-lo.
- De onde?
- Depois lhe
digo.
Chuvinha miúda e
nós dois sem guarda-chuva. Poucas pessoas passavam por nós. A igreja
ali em frente, a banca de jornais e revistas tampando-me um pouco a
visão da fachada. Meu desprezo por aquele homem ampliava-se:
- Vai comprar
jornais ou vai rezar?
- Vou rezar.
- Acompanho.
- Mas quem é
você? Não estou reconhecendo.
Os olhos dele
eram apertados, como de míope, mas não usava óculos. A calvície
luzidia, onde rebrilhavam pingos de chuva.
- Não importa
agora. Não vai rezar? Eu o acompanho. Rezar é bom. Alivia. Não é
mesmo?
Olhava-me com
rapidez. Apressou o passo. Apressei o meu. E emparelhados chegamos à
igreja. Dei-lhe passagem, que a porta era estreita:
- Faça o favor.
Ele se ajoelhou
próximo ao altar, olhos meio fechados fitos na cruz enorme, a cabeça
de Cristo bambeada para a esquerda. Procurava afastar-se de mim,
visivelmente incomodado, e eu pregado nele. As suas mãos, cruzadas,
tremiam, e os lábios caídos balbuciavam palavras em direção à cruz.
A raiva não me
cessou. Cresceu. Não me contive, cochichei-lhe ao ouvido:
- Você me paga,
canalha. Vai ver.
Pela primeira
vez abriu desmesuradamente os olhos, pestanejando muito, e eu me
fui, o eco dos meus passos reboando na nave quase deserta, duas-três
cabeças dispersas e contritas.
Na rua, sol nos
olhos, que a chuva se fôra, desorientei-me um pouco. Depois, suando
muito, andei de cá para lá, de lá para cá, concentrando-me,
inutilmente, para descobrir quem seria aquele homem, a fim de
vingar-me dele.
Desalentado, voltei para casa.
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