Cláudio Willer
Entrevistado por Rodrigo de Souza
Leão
CLAUDIO WILLER, 1940, SP, é poeta,
ensaísta e tradutor. Sua formação acadêmica é como sociólogo (Escola
de Sociologia e Política, 1963) e psicólogo (Instituto de
Psicologia, USP, 1966, onde lecionou até 1973). Além da atividade
literária e na administração cultural, trabalhou, também, em
pesquisa de mercado, consultoria e áreas afins.
Publicou:
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Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964, poesia e
manifesto;
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Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e manifesto;
Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora Vertente,
1970, 2ª edição Max Limonad, 1986, tradução e prefácio;
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Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981,
poesia e ensaio;
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Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, 1983 e sucessivas
reedições, seleção, tradução, prefácio e notas;
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Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM Editores, 1984
e sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; nova
edição, revista e ampliada, em 1999;
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Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris, textos de
Victor Hugo,
Flaubert, Jules Vallés, Verlaine, Zola e outros, Editora Ensaio,
1992, tradução;
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Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996.
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Lautréamont - Obra Completa - Os Cantos de Maldoror, Poesias e
Cartas, edição prefaciada e comentada, Iluminuras, 1997.
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Prepara-se para publicar seu próximo livro de poesia, Estranhas
Experiências, e uma coletânea de ensaios, O escritor como personagem
- textos sobre literatura e vida.
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Em antologias e publicações coletivas, entre outras, Alma Beat, L&PM
Editores, 1985; Carne Viva, coletânea de poemas eróticos, org. Olga
Savary, Achiamé, 1984;
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Folhetim - Poemas Traduzidos, org. Nelson Ascher e Matinas Suzuki,
ed. Folha de São Paulo, 1987, com uma tradução de Octavio Paz;
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Artes e Ofícios da Poesia, org. Augusto Massi, ed. Artes e Ofícios -
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1991;
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Sincretismo - A Poesia da Geração 60, org. Pedro Lyra, Topbooks,
1995.
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Traduzido e publicado no exterior, entre outros lugares, em Quinta
Intermundia, Rassegna di Poesia Internazionale, 1992, coletânea por
Márcia Teófilo; Modernismo Brasileiro und die Brasilianische Lyrik
der Gegenwart, antologia da poesia brasileira por Curt Meyer-Clason,
Druckhaus Galrev, Berlim, 1997; Narradores y Poetas de Brasil,
coletânea de Floriano Martins, revista Blanco Móvil, primavera de
1998, México, DF.
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Poemas e depoimentos, também, em revistas literárias: Poesia Sempre,
Azougue, Alguma Poesia, Anto (Portugal), Continente Sul-Sur, etc.
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Bibliografia crítica formada por ensaios, resenhas, reportagens e
citação em obras de consulta (Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi, José
Paulo Paes, entre outros).
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Como crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e publicações
culturais: Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, revista Isto É, jornal
Leia, Folha de São Paulo, revista Cult, Correio Braziliense, Xilo,
etc, e projetos da imprensa alternativa: Versus, revista Singular e
Plural e outros.
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Textos, resumo biográfico, bibliografia e outras informações em
bancos de dados e “sites”: Módulo Literatura Brasileira, Setor
Poesia, do Centro de Informática e Cultura, Banco de Dados
Informatizado do Instituto Cultural Itau;
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Depois de ocupar outros cargos e funções em administração cultural,
desde 1994 é assessor na Secretaria Municipal de Cultura de São
Paulo, responsável por cursos, oficinas literárias, ciclos de
palestras e debates, leituras de poesia.
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Dezenas de participações em congressos, seminários, ciclos de
palestras, apresentações públicas de autores, etc, no Brasil e no
exterior.
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Presidente da União Brasileira de Escritores em dois mandatos
(1988-92), secretário geral em outros dois (1982-86), e,
ultimamente, presidente do Conselho da entidade.
RODRIGO Ocorre com o surrealismo algo que é mais “extremado” com
o romantismo. Este último ganhou a alcunha de lírica amorosa. Assim
qualquer música que fala de amor é romântica. São românticos os
namorados. Com o surrealismo sucedeu coisa parecida. As pessoas
utilizam o “surreal” para qualquer ausência de sentido em texto e
atos. De certa forma esta discussão daria um livro. Você poderia
fazer uma mini genealogia, à moda de Nietzsche, e mostrar o por quê
ocorreu a mudança.
Cláudio Willer - Na própria pergunta você indica muito bem como se
processa a diluição, a criação do estereótipo, associando
surrealismo a coisa sem pé nem cabeça, ao arbitrário, confundindo-o
com nonsense. É igual a acharem que todo poeta é um cabeça de vento.
Surrealismo sempre se apresentou como continuador da rebelião
romântica, que, obviamente, é bem mais do que alguns suspiros
profundos ao luar de mãos dadas. Na revisão da história da
literatura proposta no Segundo Manifesto do Surrealismo, André
Breton diz que o centenário do Romantismo é sua juventude, que isso,
que se chama erradamente de sua época heróica não pode mais,
honestamente, passar senão pelo vagido de um ser que mal começa a
dar conhecimento de seu desejo através de nós, e que, admitindo-se
que aquilo que foi pensado antes dele - “classicamente” - era o bem,
quer, incontestavelmente, todo o mal. A mesma revisão, entendendo
Romantismo, não como período marcado por algumas datas do final do
século XVIII e meados do XIX, mas como processo, vertente da
rebelião e ruptura, é feita por Octavio Paz em Los Hijos del Limo,
ao falar em revolução romântica, manifestação da tradição da
ruptura, oposta ao classicismo, distinguindo-a do romantismo oficial
dos manuais de literatura.
RODRIGO É possível dizer que qualquer poema tem um que de
surrealista quando utiliza a linguagem poética?
CW - Temos que pensar no surrealismo como movimento de idéias,
voltado para a relação entre poesia e vida. Como afirmação de
valores, principalmente a liberdade de criação e o poder criador e
subversivo da imaginação, assim expressando a contradição entre
poesia e sociedade. E como um modo de politização dessa contradição,
ou uma tentativa de projetá-la na História. Então, interessa não só
a obra, texto em si, mas um determinado tipo de integridade ou
articulação entre arte e vida. Daí o surrealismo ter execrado
figuras do mundanismo cultural, da facilitação burguesa, mesmo com
produção artística expressiva, bem como os sectários, os poetas
oficiais do Partidão e afins. Designo como surrealistas autores que
participaram desse movimento, ou que mostraram ter afinidade com as
idéias, e não só com uma hipotética forma surrealista. Em caso
contrário, acabaríamos enxergando surrealismo em videoclipes,
anúncios criativos e outros exemplos de arte instrumentalizada.
RODRIGO Há um mito de que o surrealismo não teve grandes poetas.
Verdade?
CW - Intelectuais de prestígio andaram dizendo isso, por aqui. Entre
outros, Décio Pignatari. Já tratei disso em minha entrevista para
Azougue. É um completo absurdo. André Breton. Paul Eluard. Robert
Desnos. Benjamin Peret. Aragon. Jacques Prevert participou. Poetas
como Ponge ou Queneau tomaram outra direção, mas fizeram parte. René
Char participou três anos, nos quais não escreveu nada, mas disse
que foram os três anos mais importantes da vida dele. Portanto, o
melhor da poesia francesa da primeira metade do século. Na segunda
metade do século, uma espécie de expansão, com mais autores em
outras línguas. Octavio Paz. Vários outros ibero-americanos
importantes, que ninguém conhece aqui, como o argentino Aldo
Pellegrini. O antilhano Aimé Césaire. Mário Cesariny, Antonio Maria
Lisboa e outros grandes poetas portugueses. O norte-americano Philip
Lamantia. Brasileiros que o Brasil não lê, ou cujo interesse por
surrealismo finge desconhecer.
RODRIGO Na Azougue você disse “João Cabral na fase final torna-se
o corifeu da escrita a frio, da suspensão da emoção”. E ainda afirma
que a metáfora e a analogia foram substituídas pela paráfrase. Ainda
há a linguagem conotativa. Será que o futuro colocará a geração atual como sendo parnasianos, poemas sem
poesia?
CW - Há tanta gente escrevendo poesia, e de modos tão diferentes,
que algum historiador futuro talvez venha a enxergar coisas
complemente diferentes daquelas que a crítica consegue vislumbrar
hoje. Mas é bem possível que nossa época seja vista como dominada
por um formalismo, por sua vez equivalente a um parnasianismo clean,
sem todo aquele preciosismo vocabular, mas norteado pelos mesmos
princípios. A idéia de composição elaborada, da escrita a frio,
descartando a emoção, a inspiração, a possessão, justificada, não
mais pelo parnasianismo, mas pelo formalismo e construtivismo, ou
por generalidades, idéias mais vagas, declarações genéricas em favor
do bom comportamento literário, da burocratização da escrita, das
quais as mais expressivas são aquelas de João Cabral.
RODRIGO O que a falta de um movimento literário provoca na poesia
atual?
CW - Talvez não seja mais tempo de movimentos fechados, buscando a
consistência, como aqueles da primeira metade do século, e dos quais
a poesia concreta, tal como se apresentava na década de 50, mais
algumas outras tendências formalistas, foram a versão final. Acho
que há confrarias, grupos de poetas que se aproximam por afinidades,
por opiniões, perspectivas, uma poética em comum. Aquela matéria
meio desastrada da Veja, retratando alguns desses grupos de modo
caricato, relaciona-se, contudo, com algo real. Junto com uma melhor
veiculação de poetas, por revistas como Cult, Azougue, Medusa,
Monturo, Inimigo Rumor, etc, está recomeçando a haver debates,
afirmações de diferenças literárias. Isso é bom anima o ambiente,
desde que associado à veiculação de informação, e não à mera
manifestação de antipatias e simpatias.
RODRIGO Você soube da matéria que saiu na Veja ridicularizando
poetas. Como encara a questão. O poeta virou palhaço?
CW - Nossas revistas semanais optaram por dar um tratamento mais
leve, superficial, à literatura, retratando-a como banalidade. Por
quê, não sei. A Veja eqüivale a um, digamos, Times Magazine,
Newsweek, L’Express, em outras editorias, mas, em cultura em geral,
e literatura em particular, é mais fraca. Na época, julho, em que
saiu essa matéria da Veja, coloquei em circulação um e-mail, dizendo
que, comparando-a com a Cult daquele mês, que tinha um bom dossiê
sobre poesia, mostrando vários poetas jovens, ficava parecendo que
as duas revistas falavam de países diferentes, sendo que o país de
Cult era bem melhor, mais próximo, felizmente, da realidade. Há
bastante coisa acontecendo em poesia, uma certa efervescência que se
traduz em lançamentos de livros, leituras, as revistas, e não só uma
revista literária de maior porte como a Cult, mas também Medusa,
Monturo, Azougue, Inimigo Rumor, agora Xilo, somando-se às que já
existiam, como Dimensão e Cigarra, entre outras. Mas a grande
imprensa ainda não se deu conta, não percebeu isso. Agora, quanto à
Veja, o que mais criticaria é terem fugido à discussão. Receberam
cartas reclamando dessa matéria, mas não as deram, não tomaram
conhecimento. Tinham que ter um ombudsman, um departamento de
reclamações como o da Folha e outros jornais, para dar as devidas
explicações sobre essa fuga da reta.
RODRIGO Qual a diferença entre o surrealismo e o realismo
mágico?
CW - Quem apresentou e propôs isso, “realismo mágico”, foi prosador
cubano Alexo Carpentier, depois de desligar-se do surrealismo. Em
seu prefácio a El reyno de este mundo (se não me engano - ou foi em
El Siglo de las Luces?), ele afirma (estou simplificando e
resumindo) que surrealismo é coisa de intelectuais de gabinete, algo
dissociado da realidade, enquanto ele, Carpentier, ao relatar
acontecimentos, estava trabalhando, digamos, com the real thing. Um
monte de gente, e não só Carpentier, inventou falsas separações,
tentativas de estabelecer marcos divisórios, para demonstrar que não
estava apenas reproduzindo o que o surrealismo havia proposto, mas
sim, seguindo trilhos próprios, pessoais. A bibliografia de
afirmações do tipo “isto que estou fazendo não é surrealismo”, dos
anos 20 até hoje, é extensa. A atitude de Carpentier, embora levada
a sério por estudiosos de literatura e outros escritores, pertence
ao âmbito da política literária, precedendo seu crescente
oficialismo, que o levou à condição de escritor do Estado no final
da carreira. Não eleva em um milímetro a qualidade de suas
narrativas. Desde o Primeiro Manifesto, Breton já afirmava que
surreal mesmo, verdadeiramente, é a própria realidade, desde que
saibamos enxergá-la, e que poesia é algo para ser vivido. Portanto,
até aí, Carpentier e outros “fantásticos” não diziam nada de novo.
RODRIGO Há alguma oposição entre a concisão poética atual e a
abundância transbordada da imagética do surrealismo?
CW - Abundância transbordada, escrita exuberante e torrencial,
escrita barroca, esses qualificativos, quando aplicados ao
surrealismo, são generalizações, estereótipos. Se olharmos bem,
condensação, exatidão, precisão, tais como defendidas, p. ex., por
Ezra Pound, estão presentes na boa poesia surrealista, tanto quanto
na poesia de extração formalista. Década de 20, Paul Eluard já fazia
poemas de uma frase só, epigramas de imagens, como aqueles
publicados em Capitale de la douleur. Na mesa época, Marcel Duchamp
e Robert Desnos produziam, em parceria, a série Rrose Sèlavy, frases
homófonas, trabalhando só com o significante; portanto, nem isso é
exclusividade dos formalistas. Um autor capital no surrealismo é
Malcolm de Chazal, com Sens-plastique, de 1948 - é o mestre dos
epigramas, poemas de uma frase só. Outro que é magistral em poemas
curtos, também, e em ironias, é Mário Cesariny. Há muitos outros
exemplos. E, insisto, nos poemas longos também há, em cada trecho,
cada frase, a síntese, condensação, precisão, exatidão.
RODRIGO Você traduziu um livro com poemas de Ginsberg. Quais as
razões da resistência à poesia Beat nos Estados Unidos? Quais os
ecos, no Brasil, decorrentes desta resistência?
CW - A resistência à poesia Beat, aqui e lá, tem a ver com
antagonismos mais gerais, entre o velho e o novo, cultura acadêmica
e cultura rebelde, literatura de gabinete e vida. A cisão entre uma
cultura mais universitária, de scholars, e outra anti-acadêmica
persiste nos Estados Unidos. E aqui, inclusive com bastante bobagem
publicada sobre Ginsberg, Kerouac, Burroughs, literatura Beat em
geral, confundindo espontaneidade com falta de cultura. Escrevi
bastante sobre isso, em meu prefácio à nova edição L&PM de Ginsberg
RODRIGO Hoje os universitários estudam através de textos
xerocopiados. Qual a conseqüência de só estudarmos trechos e não
toda a obra de um escritor?
CW - Utilização de xerocópias no lugar de obras originais, do
próprio livro, é crime, no sentido exato dado à palavra pelo Código
Penal. Professores e instituições de ensino que promovem isso são,
portanto, criminosos, além de irresponsáveis. O efeito que a
disseminação da xerocópia provoca no mercado editorial é devastador,
ao enfraquecer editoras e livrarias. Ensino de literatura na base de
xerocópia como sinônimo de “pesquisa”, e mais as tais de fichas de
leitura, isso são coisas que estão atrasando o país, ao ajudarem a
diplomar incultos. É disseminação da ignorância.
RODRIGO A crítica é exercida nas faculdades. Será que não há vida
inteligente fora dos campos universitários? Como é a relação
jornalistas e universidade?
CW - A crítica é exercida nas faculdades??? Será? Para mim, estão
preocupados em montar diagramas, aplicar fórmulas, ensinar a
preparar fichas de leitura, uma série de atividades burocráticas
pouco têm a ver com crítica, entendida como reflexão criativa. Há
bastante vida inteligente dentro dos campi universitários, e fora
deles também. Mas isso não chegou, ou tem dificuldade em chegar aos
currículos e conteúdos das aulas, de um lado, e à grande imprensa,
de outro.
RODRIGO Num está muito cedo para uma biografia? Falo da
anarconstrução de nome “VOLTA”, sua recente incursão na prosa?
CW - Gostei dessa expressão, anarconstrução. Volta não é biografia.
É relato sobre a relação entre poesia e vida, com bastante casos,
momentos, ocasiões, pessoais inclusive, e não só da história da
literatura, em que ambos se confundem, em que o texto literário tem
uma função mágica, produz realidade, inesperadamente faz acontecer.
RODRIGO Como foi o trabalho na tradução da obra completa de
Lautréamont? Como mensurar sua importância relativizando com as
poéticas em voga?
CW - Em 1970, para o centenário de Lautréamont, traduzi Os Cantos de
Maldoror. Em 1986, foi publicada uma nova edição. E, em 1997, uma
obra completa de Lautréamont (Iluminuras), com um prefácio extenso.
Acho que fui cada vez mais fundo. Desta última vez, forcei mais no
sentido de reproduzir anacronismos, a imitação paródica, feita por
Lautréamont do estilo rebuscado dos discursos acadêmicos, pregações
de oradores religiosos, etc. Não há dúvidas, hoje, sobre a
importância de Lautréamont. Tanto é que a aceitação dessa última
edição, pela crítica, foi muito boa. É claro que traduzir
Lautréamont é uma experiência enlouquecedora.
RODRIGO Qual a importância do misticismo, da cabala etc. para a
sua obra? Periga você virar um mago exotérico?
CW - Misticismo, cabala, etc, bem como ocultismo, têm afinidade com
a poesia, pois pertencem à ordem do não-discursivo, do pensamento
mágico, analógico, mítico. Nunca fui praticante regular, e meu
interesse por essas disciplinas e campos do conhecimento é a partir
da literatura, por suas conexões, muito pouco estudadas (por causa,
principalmente, do viés cientificista predominante na área
acadêmica), com movimentos e modos de criação literária. Em Volta,
eu deixo bem claro que a verdadeira magia está na poesia. No final,
há aquela cena (real, aconteceu mesmo) de eu ir a uma espécie de
encontro de ocultistas, para dar uma palestra sobre literatura e
ocultismo, recebida com um completo silêncio. Sinal, a meu ver, da
ruptura de um diálogo que existia no começo deste século, e no
século passado (Baudelaire foi, inclusive, parceiro de Elifas Levi,
os simbolistas frequentavam Papus, Péladan e Guaita, quanto a Yeats,
então, nem falar, idem Pessoa), e que foi muito produtivo,
enriquecedor para ambas as partes, a literária e a oculta.
RODRIGO - “Poema diagonal” onde conclui “traduzir o
indizível/ontem horizonte/perplexo”. O que não pode faltar, do ponto
de vista teórico, para que um poema lhe agrade?
CW - Do ponto de vista teórico? Um poema me agrada, e até mais, me
entusiasma, se tiver originalidade, ritmo, imagens poéticas, força,
se me disser algo. Teoria vem depois, nenhuma criação literária se
justifica pela metalinguagem.
RODRIGO - Um poema pode alcançar a polifonia sem ser pela via
épica? Fale um pouco.
CW - Noções como a de texto polifônico, dialógico, tais como
propostas por Bakhtine, devem ser mais aplicadas à narrativa em
prosa. Tanto é que ele as apresentou em um estudo sobre Dostoievsky.
Em poesia, são óbvias, tornam-se chavão: não existe poema se ele não
for polissêmico, de muitas vozes, muitos sentidos.
RODRIGO “Neste jardim de negações/onde a palavra pede mais
espaço” são dois versos do poema “VISITANTES 4”. A palavra é sempre
afirmação? Como vê a metalinguagem, este espaço para falar do poema
dentro do poema?
CW - Quem escreveu muito bem sobre “poesia crítica”, refletindo
sobre a própria poesia, sobre a palavra, como característica da
modernidade, foi Octavio Paz (no final de El Arco y la Lira, de
Signos em Rotação, e em muitos outros lugares). Não há mais
literatura ingênua, e o poeta pensa o que está fazendo, e traduz
poeticamente o que está pensando. Isso não conflita com
espontaneidade, automatismo psíquico, inspiração. Enfim, a gente
acaba mesmo escrevendo sobre o que está escrevendo - mas não
exclusivamente.
RODRIGO Em “O VÉRTICE DO PÂNTANO” você escreveu que “Todo o rio é
um convite ao sobressalto, à morte através de chamas e venenos
terríveis. Todo o rio é um convite ao amor entre raízes milenares e
campos roxos sulcados por veios de cristal”. O poema lírico deve ter antíteses? “É o fogo que arde sem
se ver/É ferida que dói e não se sente”. O que é moderno ou pós?
CW - Não sei se “deve”. Sei que oxímoros, paradoxos, antíteses,
negações do princípio da identidade, de que uma coisa é uma e outra
é outra, podem pertencer à ordem do poético. A citação que você fez
mostra bem a universalidade e a permanência do poético, da grande
criação, ao longo dos séculos. Camões, bem lido, é nosso
contemporâneo. Aprendemos a falar, portanto, a enxergar e a
escrever, com ele.
RODRIGO Em “A PRINCÏPIO” você enuncia a sua lista de influências
literárias. Quanto de você há neste poema?
CW - Não é bem de influências literárias. Eram textos que, de certo
modo, faziam parte da minha vida, foram constitutivos do que sou.
Nem achava que ia publicar livros de poesia, na época em que me
fascinei por Lorca, Pessoa, Breton, Ginsberg, Jorge de Lima, etc.
Repare como o poema faz uma espécie de trajeto, desse bloco inicial
com nomes de autores, encadeados, e, a seguir, referências a umas
tantas coisas que aconteciam em apartamentos, o que tomávamos, e
tal, mostrando o trânsito entre poesia e vida, que vivíamos o que
líamos, e vice-versa.
RODRIGO - “CHEGAR LÁ” tem um verso “Transformar o cotidiano em
hipérbole, labirinto onde todos se perderão brincando
despreocupadamente”. O que o poema e o poeta devem ter de lúdico?
CW - Tudo, se possível. Pode, uma arte que não seja lúdica?
Não-lúdico é ser caixa de banco 24 h por dia em vez de poeta.
RODRIGO Como é estar presente no “Dicionário Geral do
Surrealismo”? Dizem que o Roberto Piva e você são os únicos
brasileiros citados?
CW - O surrealista fichado, catalogado, de carteirinha é o Sérgio
Lima, que participou, se relacionava com Breton, e tem trabalhado
sistematicamente nesse campo, com uma obra monumental, em vários
volumes, A aventura surrealista. Esse Dictionnaire Géneral du
Surrealisme et de ses environs, de Biro e Passeron, com a
colaboração de outros intelectuais, Gérard Legrand, Pierre Rivas,
etc, informa que, em 1963, jovens artistas e escritores, entre Paris
e São Paulo, próximos aos amigos de Péret, tentam formar um grupo
surrealista (Lima, Piva, Willer) ligado ao grupo venezuelano “Techo
de la Ballena”, mas logo dissolvido. Fala ainda da publicação e
exposição surrealista depois organizadas por Sérgio Lima. As
reuniões com cara de grupo surrealista aconteceram em 1963/64. Em
1965, a revista La Bréche, do grupo francês, então dirigida por
Breton, resenhou o meu Anotações para um apocalipse, Amore de Sérgio
Lima, e Paranóia de Piva. Há mais autores, da década de 30 até hoje,
que poderiam ser relacionados a surrealismo, definindo com clareza
quais as relações, os vínculos. Mas quase ninguém se preocupou com
isso, exceto Sérgio e, no contexto da literatura ibero-americana,
Floriano Martins.
RODRIGO Você é responsável pela Coordenadoria de Formação
Cultural da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. Qual o
trabalho realiza no momento de vagas tão magras?
CW - Mesmo com as vacas perdendo peso, reduzindo a produção de leite
e carne, respondo diretamente pelas séries de cursos de iniciação à
cultura, Primeiros Passos, nove a dez por mês, alguns com mais de
cem inscritos; oficinas literárias todo dia; ciclos como Rebeldes e
Malditos, com palestras, encenações, dramatizações; Poesia e Prosa,
com poetas falando sobre prosa e prosadores sobre poesia; outros
eventos e atividades, seminários, mesas e palestras. Em outubro,
teremos, se tudo der certo, um seminário on-line, sobre literatura e
internet. Ano que vem, quero voltar a promover apresentações
públicas de poetas. Tudo isso, com o apoio entusiástico do
secretário Konder. Verba é pequena, mas, planejando com cuidado, dá
para fazer muita coisa. Pior do que falta de recursos são
dificuldades burocráticas, o engessamento, excesso de formalismo
jurídico nos órgãos culturais públicos. Isso atrasa, faz perder
tempo com bobagens e inutilidades. Todo mundo reclama, mas ninguém
parece capaz de promover reformas e mudanças administrativas e
jurídicas que efetivamente melhorem o desempenho do Estado. Falta de
verbas, normalmente, é justificativa para ineficiência, para
burocrata não fazer nada e ainda tentar impedir os outros de
trabalhar.
RODRIGO Quais os endereços, as URL mais freqüentadas, por você,
na internet?
CW - Abro, com regularidade, sites literários do tipo Jornal de
Poesia, Blocos, e vários outros, para ver o que há de novo. Faço
buscas, localizo sites sobre autores que me interessam. A impressão
que tenho é que nem comecei verdadeiramente, a trafegar pela net. É
algo assustadoramente infinito, um Aleph ou biblioteca borgeana de
tudo, um mundo paralelo.
RODRIGO Qual o papel do escritor na sociedade?
CW - Acho que muita coisa já foi dita e escrita sobre escritor e
sociedade, inclusive antenas da raça de Pound, tornar mais puras as
palavras da tribo de Mallarmé, etc, para que eu tenha algo a
acrescentar, além do que já disse nas respostas anteriores.
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