Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Cláudio Willer


 

Entrevistado por Rodrigo de Souza Leão

 

CLAUDIO WILLER, 1940, SP, é poeta, ensaísta e tradutor. Sua formação acadêmica é como sociólogo (Escola de Sociologia e Política, 1963) e psicólogo (Instituto de Psicologia, USP, 1966, onde lecionou até 1973). Além da atividade literária e na administração cultural, trabalhou, também, em pesquisa de mercado, consultoria e áreas afins.

Publicou:

  • Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964, poesia e manifesto;

  • Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e manifesto;
    Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora Vertente, 1970, 2ª edição Max Limonad, 1986, tradução e prefácio;

  • Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981, poesia e ensaio;

  • Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, 1983 e sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas;

  • Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM Editores, 1984 e sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; nova edição, revista e ampliada, em 1999;

  • Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris, textos de Victor Hugo, Flaubert, Jules Vallés, Verlaine, Zola e outros, Editora Ensaio, 1992, tradução;

  • Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996.

  • Lautréamont - Obra Completa - Os Cantos de Maldoror, Poesias e Cartas, edição prefaciada e comentada, Iluminuras, 1997.

  • Prepara-se para publicar seu próximo livro de poesia, Estranhas Experiências, e uma coletânea de ensaios, O escritor como personagem - textos sobre literatura e vida.

  • Em antologias e publicações coletivas, entre outras, Alma Beat, L&PM Editores, 1985; Carne Viva, coletânea de poemas eróticos, org. Olga Savary, Achiamé, 1984;

  • Folhetim - Poemas Traduzidos, org. Nelson Ascher e Matinas Suzuki, ed. Folha de São Paulo, 1987, com uma tradução de Octavio Paz;

  • Artes e Ofícios da Poesia, org. Augusto Massi, ed. Artes e Ofícios - Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1991;

  • Sincretismo - A Poesia da Geração 60, org. Pedro Lyra, Topbooks, 1995.

  • Traduzido e publicado no exterior, entre outros lugares, em Quinta Intermundia, Rassegna di Poesia Internazionale, 1992, coletânea por Márcia Teófilo; Modernismo Brasileiro und die Brasilianische Lyrik der Gegenwart, antologia da poesia brasileira por Curt Meyer-Clason, Druckhaus Galrev, Berlim, 1997; Narradores y Poetas de Brasil, coletânea de Floriano Martins, revista Blanco Móvil, primavera de 1998, México, DF.

  • Poemas e depoimentos, também, em revistas literárias: Poesia Sempre, Azougue, Alguma Poesia, Anto (Portugal), Continente Sul-Sur, etc.

  • Bibliografia crítica formada por ensaios, resenhas, reportagens e citação em obras de consulta (Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi, José Paulo Paes, entre outros).

  • Como crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e publicações culturais: Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, revista Isto É, jornal Leia, Folha de São Paulo, revista Cult, Correio Braziliense, Xilo, etc, e projetos da imprensa alternativa: Versus, revista Singular e Plural e outros.

  • Textos, resumo biográfico, bibliografia e outras informações em bancos de dados e “sites”: Módulo Literatura Brasileira, Setor Poesia, do Centro de Informática e Cultura, Banco de Dados Informatizado do Instituto Cultural Itau;

  • Depois de ocupar outros cargos e funções em administração cultural, desde 1994 é assessor na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, responsável por cursos, oficinas literárias, ciclos de palestras e debates, leituras de poesia.

  • Dezenas de participações em congressos, seminários, ciclos de palestras, apresentações públicas de autores, etc, no Brasil e no exterior.

  • Presidente da União Brasileira de Escritores em dois mandatos (1988-92), secretário geral em outros dois (1982-86), e, ultimamente, presidente do Conselho da entidade.
     

RODRIGO Ocorre com o surrealismo algo que é mais “extremado” com o romantismo. Este último ganhou a alcunha de lírica amorosa. Assim qualquer música que fala de amor é romântica. São românticos os namorados. Com o surrealismo sucedeu coisa parecida. As pessoas utilizam o “surreal” para qualquer ausência de sentido em texto e atos. De certa forma esta discussão daria um livro. Você poderia fazer uma mini genealogia, à moda de Nietzsche, e mostrar o por quê ocorreu a mudança.

Cláudio Willer - Na própria pergunta você indica muito bem como se processa a diluição, a criação do estereótipo, associando surrealismo a coisa sem pé nem cabeça, ao arbitrário, confundindo-o com nonsense. É igual a acharem que todo poeta é um cabeça de vento. Surrealismo sempre se apresentou como continuador da rebelião romântica, que, obviamente, é bem mais do que alguns suspiros profundos ao luar de mãos dadas. Na revisão da história da literatura proposta no Segundo Manifesto do Surrealismo, André Breton diz que o centenário do Romantismo é sua juventude, que isso, que se chama erradamente de sua época heróica não pode mais, honestamente, passar senão pelo vagido de um ser que mal começa a dar conhecimento de seu desejo através de nós, e que, admitindo-se que aquilo que foi pensado antes dele - “classicamente” - era o bem, quer, incontestavelmente, todo o mal. A mesma revisão, entendendo Romantismo, não como período marcado por algumas datas do final do século XVIII e meados do XIX, mas como processo, vertente da rebelião e ruptura, é feita por Octavio Paz em Los Hijos del Limo, ao falar em revolução romântica, manifestação da tradição da ruptura, oposta ao classicismo, distinguindo-a do romantismo oficial dos manuais de literatura.


RODRIGO É possível dizer que qualquer poema tem um que de surrealista quando utiliza a linguagem poética?

CW - Temos que pensar no surrealismo como movimento de idéias, voltado para a relação entre poesia e vida. Como afirmação de valores, principalmente a liberdade de criação e o poder criador e subversivo da imaginação, assim expressando a contradição entre poesia e sociedade. E como um modo de politização dessa contradição, ou uma tentativa de projetá-la na História. Então, interessa não só a obra, texto em si, mas um determinado tipo de integridade ou articulação entre arte e vida. Daí o surrealismo ter execrado figuras do mundanismo cultural, da facilitação burguesa, mesmo com produção artística expressiva, bem como os sectários, os poetas oficiais do Partidão e afins. Designo como surrealistas autores que participaram desse movimento, ou que mostraram ter afinidade com as idéias, e não só com uma hipotética forma surrealista. Em caso contrário, acabaríamos enxergando surrealismo em videoclipes, anúncios criativos e outros exemplos de arte instrumentalizada.


RODRIGO Há um mito de que o surrealismo não teve grandes poetas. Verdade?

CW - Intelectuais de prestígio andaram dizendo isso, por aqui. Entre outros, Décio Pignatari. Já tratei disso em minha entrevista para Azougue. É um completo absurdo. André Breton. Paul Eluard. Robert Desnos. Benjamin Peret. Aragon. Jacques Prevert participou. Poetas como Ponge ou Queneau tomaram outra direção, mas fizeram parte. René Char participou três anos, nos quais não escreveu nada, mas disse que foram os três anos mais importantes da vida dele. Portanto, o melhor da poesia francesa da primeira metade do século. Na segunda metade do século, uma espécie de expansão, com mais autores em outras línguas. Octavio Paz. Vários outros ibero-americanos importantes, que ninguém conhece aqui, como o argentino Aldo Pellegrini. O antilhano Aimé Césaire. Mário Cesariny, Antonio Maria Lisboa e outros grandes poetas portugueses. O norte-americano Philip Lamantia. Brasileiros que o Brasil não lê, ou cujo interesse por surrealismo finge desconhecer.


RODRIGO Na Azougue você disse “João Cabral na fase final torna-se o corifeu da escrita a frio, da suspensão da emoção”. E ainda afirma que a metáfora e a analogia foram substituídas pela paráfrase. Ainda há a linguagem conotativa. Será que o
futuro colocará a geração atual como sendo parnasianos, poemas sem poesia?


CW - Há tanta gente escrevendo poesia, e de modos tão diferentes, que algum historiador futuro talvez venha a enxergar coisas complemente diferentes daquelas que a crítica consegue vislumbrar hoje. Mas é bem possível que nossa época seja vista como dominada por um formalismo, por sua vez equivalente a um parnasianismo clean, sem todo aquele preciosismo vocabular, mas norteado pelos mesmos princípios. A idéia de composição elaborada, da escrita a frio, descartando a emoção, a inspiração, a possessão, justificada, não mais pelo parnasianismo, mas pelo formalismo e construtivismo, ou por generalidades, idéias mais vagas, declarações genéricas em favor do bom comportamento literário, da burocratização da escrita, das quais as mais expressivas são aquelas de João Cabral.


RODRIGO O que a falta de um movimento literário provoca na poesia atual?

CW - Talvez não seja mais tempo de movimentos fechados, buscando a consistência, como aqueles da primeira metade do século, e dos quais a poesia concreta, tal como se apresentava na década de 50, mais algumas outras tendências formalistas, foram a versão final. Acho que há confrarias, grupos de poetas que se aproximam por afinidades, por opiniões, perspectivas, uma poética em comum. Aquela matéria meio desastrada da Veja, retratando alguns desses grupos de modo caricato, relaciona-se, contudo, com algo real. Junto com uma melhor veiculação de poetas, por revistas como Cult, Azougue, Medusa, Monturo, Inimigo Rumor, etc, está recomeçando a haver debates, afirmações de diferenças literárias. Isso é bom anima o ambiente, desde que associado à veiculação de informação, e não à mera manifestação de antipatias e simpatias.


RODRIGO Você soube da matéria que saiu na Veja ridicularizando poetas. Como encara a questão. O poeta virou palhaço?

CW - Nossas revistas semanais optaram por dar um tratamento mais leve, superficial, à literatura, retratando-a como banalidade. Por quê, não sei. A Veja eqüivale a um, digamos, Times Magazine, Newsweek, L’Express, em outras editorias, mas, em cultura em geral, e literatura em particular, é mais fraca. Na época, julho, em que saiu essa matéria da Veja, coloquei em circulação um e-mail, dizendo que, comparando-a com a Cult daquele mês, que tinha um bom dossiê sobre poesia, mostrando vários poetas jovens, ficava parecendo que as duas revistas falavam de países diferentes, sendo que o país de Cult era bem melhor, mais próximo, felizmente, da realidade. Há bastante coisa acontecendo em poesia, uma certa efervescência que se traduz em lançamentos de livros, leituras, as revistas, e não só uma revista literária de maior porte como a Cult, mas também Medusa, Monturo, Azougue, Inimigo Rumor, agora Xilo, somando-se às que já existiam, como Dimensão e Cigarra, entre outras. Mas a grande imprensa ainda não se deu conta, não percebeu isso. Agora, quanto à Veja, o que mais criticaria é terem fugido à discussão. Receberam cartas reclamando dessa matéria, mas não as deram, não tomaram conhecimento. Tinham que ter um ombudsman, um departamento de reclamações como o da Folha e outros jornais, para dar as devidas explicações sobre essa fuga da reta.


RODRIGO Qual a diferença entre o surrealismo e o realismo
mágico?


CW - Quem apresentou e propôs isso, “realismo mágico”, foi prosador cubano Alexo Carpentier, depois de desligar-se do surrealismo. Em seu prefácio a El reyno de este mundo (se não me engano - ou foi em El Siglo de las Luces?), ele afirma (estou simplificando e resumindo) que surrealismo é coisa de intelectuais de gabinete, algo dissociado da realidade, enquanto ele, Carpentier, ao relatar acontecimentos, estava trabalhando, digamos, com the real thing. Um monte de gente, e não só Carpentier, inventou falsas separações, tentativas de estabelecer marcos divisórios, para demonstrar que não estava apenas reproduzindo o que o surrealismo havia proposto, mas sim, seguindo trilhos próprios, pessoais. A bibliografia de afirmações do tipo “isto que estou fazendo não é surrealismo”, dos anos 20 até hoje, é extensa. A atitude de Carpentier, embora levada a sério por estudiosos de literatura e outros escritores, pertence ao âmbito da política literária, precedendo seu crescente oficialismo, que o levou à condição de escritor do Estado no final da carreira. Não eleva em um milímetro a qualidade de suas narrativas. Desde o Primeiro Manifesto, Breton já afirmava que surreal mesmo, verdadeiramente, é a própria realidade, desde que saibamos enxergá-la, e que poesia é algo para ser vivido. Portanto, até aí, Carpentier e outros “fantásticos” não diziam nada de novo.


RODRIGO Há alguma oposição entre a concisão poética atual e a abundância transbordada da imagética do surrealismo?

CW - Abundância transbordada, escrita exuberante e torrencial, escrita barroca, esses qualificativos, quando aplicados ao surrealismo, são generalizações, estereótipos. Se olharmos bem, condensação, exatidão, precisão, tais como defendidas, p. ex., por Ezra Pound, estão presentes na boa poesia surrealista, tanto quanto na poesia de extração formalista. Década de 20, Paul Eluard já fazia poemas de uma frase só, epigramas de imagens, como aqueles publicados em Capitale de la douleur. Na mesa época, Marcel Duchamp e Robert Desnos produziam, em parceria, a série Rrose Sèlavy, frases homófonas, trabalhando só com o significante; portanto, nem isso é exclusividade dos formalistas. Um autor capital no surrealismo é Malcolm de Chazal, com Sens-plastique, de 1948 - é o mestre dos epigramas, poemas de uma frase só. Outro que é magistral em poemas curtos, também, e em ironias, é Mário Cesariny. Há muitos outros exemplos. E, insisto, nos poemas longos também há, em cada trecho, cada frase, a síntese, condensação, precisão, exatidão.


RODRIGO Você traduziu um livro com poemas de Ginsberg. Quais as razões da resistência à poesia Beat nos Estados Unidos? Quais os ecos, no Brasil, decorrentes desta resistência?

CW - A resistência à poesia Beat, aqui e lá, tem a ver com antagonismos mais gerais, entre o velho e o novo, cultura acadêmica e cultura rebelde, literatura de gabinete e vida. A cisão entre uma cultura mais universitária, de scholars, e outra anti-acadêmica persiste nos Estados Unidos. E aqui, inclusive com bastante bobagem publicada sobre Ginsberg, Kerouac, Burroughs, literatura Beat em geral, confundindo espontaneidade com falta de cultura. Escrevi bastante sobre isso, em meu prefácio à nova edição L&PM de Ginsberg


RODRIGO Hoje os universitários estudam através de textos xerocopiados. Qual a conseqüência de só estudarmos trechos e não toda a obra de um escritor?

CW - Utilização de xerocópias no lugar de obras originais, do próprio livro, é crime, no sentido exato dado à palavra pelo Código Penal. Professores e instituições de ensino que promovem isso são, portanto, criminosos, além de irresponsáveis. O efeito que a disseminação da xerocópia provoca no mercado editorial é devastador, ao enfraquecer editoras e livrarias. Ensino de literatura na base de xerocópia como sinônimo de “pesquisa”, e mais as tais de fichas de leitura, isso são coisas que estão atrasando o país, ao ajudarem a diplomar incultos. É disseminação da ignorância.


RODRIGO A crítica é exercida nas faculdades. Será que não há vida inteligente fora dos campos universitários? Como é a relação jornalistas e universidade?

CW - A crítica é exercida nas faculdades??? Será? Para mim, estão preocupados em montar diagramas, aplicar fórmulas, ensinar a preparar fichas de leitura, uma série de atividades burocráticas pouco têm a ver com crítica, entendida como reflexão criativa. Há bastante vida inteligente dentro dos campi universitários, e fora deles também. Mas isso não chegou, ou tem dificuldade em chegar aos currículos e conteúdos das aulas, de um lado, e à grande imprensa, de outro.


RODRIGO Num está muito cedo para uma biografia? Falo da anarconstrução de nome “VOLTA”, sua recente incursão na prosa?

CW - Gostei dessa expressão, anarconstrução. Volta não é biografia. É relato sobre a relação entre poesia e vida, com bastante casos, momentos, ocasiões, pessoais inclusive, e não só da história da literatura, em que ambos se confundem, em que o texto literário tem uma função mágica, produz realidade, inesperadamente faz acontecer.


RODRIGO Como foi o trabalho na tradução da obra completa de Lautréamont? Como mensurar sua importância relativizando com as poéticas em voga?

CW - Em 1970, para o centenário de Lautréamont, traduzi Os Cantos de Maldoror. Em 1986, foi publicada uma nova edição. E, em 1997, uma obra completa de Lautréamont (Iluminuras), com um prefácio extenso. Acho que fui cada vez mais fundo. Desta última vez, forcei mais no sentido de reproduzir anacronismos, a imitação paródica, feita por Lautréamont do estilo rebuscado dos discursos acadêmicos, pregações de oradores religiosos, etc. Não há dúvidas, hoje, sobre a importância de Lautréamont. Tanto é que a aceitação dessa última edição, pela crítica, foi muito boa. É claro que traduzir Lautréamont é uma experiência enlouquecedora.


RODRIGO Qual a importância do misticismo, da cabala etc. para a sua obra? Periga você virar um mago exotérico?

CW - Misticismo, cabala, etc, bem como ocultismo, têm afinidade com a poesia, pois pertencem à ordem do não-discursivo, do pensamento mágico, analógico, mítico. Nunca fui praticante regular, e meu interesse por essas disciplinas e campos do conhecimento é a partir da literatura, por suas conexões, muito pouco estudadas (por causa, principalmente, do viés cientificista predominante na área acadêmica), com movimentos e modos de criação literária. Em Volta, eu deixo bem claro que a verdadeira magia está na poesia. No final, há aquela cena (real, aconteceu mesmo) de eu ir a uma espécie de encontro de ocultistas, para dar uma palestra sobre literatura e ocultismo, recebida com um completo silêncio. Sinal, a meu ver, da ruptura de um diálogo que existia no começo deste século, e no século passado (Baudelaire foi, inclusive, parceiro de Elifas Levi, os simbolistas frequentavam Papus, Péladan e Guaita, quanto a Yeats, então, nem falar, idem Pessoa), e que foi muito produtivo, enriquecedor para ambas as partes, a literária e a oculta.


RODRIGO - “Poema diagonal” onde conclui “traduzir o indizível/ontem horizonte/perplexo”. O que não pode faltar, do ponto de vista teórico, para que um poema lhe agrade?

CW - Do ponto de vista teórico? Um poema me agrada, e até mais, me entusiasma, se tiver originalidade, ritmo, imagens poéticas, força, se me disser algo. Teoria vem depois, nenhuma criação literária se justifica pela metalinguagem.


RODRIGO - Um poema pode alcançar a polifonia sem ser pela via épica? Fale um pouco.

CW - Noções como a de texto polifônico, dialógico, tais como propostas por Bakhtine, devem ser mais aplicadas à narrativa em prosa. Tanto é que ele as apresentou em um estudo sobre Dostoievsky. Em poesia, são óbvias, tornam-se chavão: não existe poema se ele não for polissêmico, de muitas vozes, muitos sentidos.


RODRIGO “Neste jardim de negações/onde a palavra pede mais espaço” são dois versos do poema “VISITANTES 4”. A palavra é sempre afirmação? Como vê a metalinguagem, este espaço para falar do poema dentro do poema?

CW - Quem escreveu muito bem sobre “poesia crítica”, refletindo sobre a própria poesia, sobre a palavra, como característica da modernidade, foi Octavio Paz (no final de El Arco y la Lira, de Signos em Rotação, e em muitos outros lugares). Não há mais literatura ingênua, e o poeta pensa o que está fazendo, e traduz poeticamente o que está pensando. Isso não conflita com espontaneidade, automatismo psíquico, inspiração. Enfim, a gente acaba mesmo escrevendo sobre o que está escrevendo - mas não exclusivamente.


RODRIGO Em “O VÉRTICE DO PÂNTANO” você escreveu que “Todo o rio é um convite ao sobressalto, à morte através de chamas e venenos terríveis. Todo o rio é um convite ao amor entre raízes milenares e campos roxos sulcados por veios de
cristal”. O poema lírico deve ter antíteses? “É o fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente”. O que é moderno ou pós?


CW - Não sei se “deve”. Sei que oxímoros, paradoxos, antíteses, negações do princípio da identidade, de que uma coisa é uma e outra é outra, podem pertencer à ordem do poético. A citação que você fez mostra bem a universalidade e a permanência do poético, da grande criação, ao longo dos séculos. Camões, bem lido, é nosso contemporâneo. Aprendemos a falar, portanto, a enxergar e a escrever, com ele.


RODRIGO Em “A PRINCÏPIO” você enuncia a sua lista de influências literárias. Quanto de você há neste poema?

CW - Não é bem de influências literárias. Eram textos que, de certo modo, faziam parte da minha vida, foram constitutivos do que sou. Nem achava que ia publicar livros de poesia, na época em que me fascinei por Lorca, Pessoa, Breton, Ginsberg, Jorge de Lima, etc. Repare como o poema faz uma espécie de trajeto, desse bloco inicial com nomes de autores, encadeados, e, a seguir, referências a umas tantas coisas que aconteciam em apartamentos, o que tomávamos, e tal, mostrando o trânsito entre poesia e vida, que vivíamos o que líamos, e vice-versa.


RODRIGO - “CHEGAR LÁ” tem um verso “Transformar o cotidiano em hipérbole, labirinto onde todos se perderão brincando despreocupadamente”. O que o poema e o poeta devem ter de lúdico?

CW - Tudo, se possível. Pode, uma arte que não seja lúdica? Não-lúdico é ser caixa de banco 24 h por dia em vez de poeta.


RODRIGO Como é estar presente no “Dicionário Geral do Surrealismo”? Dizem que o Roberto Piva e você são os únicos brasileiros citados?

CW - O surrealista fichado, catalogado, de carteirinha é o Sérgio Lima, que participou, se relacionava com Breton, e tem trabalhado sistematicamente nesse campo, com uma obra monumental, em vários volumes, A aventura surrealista. Esse Dictionnaire Géneral du Surrealisme et de ses environs, de Biro e Passeron, com a colaboração de outros intelectuais, Gérard Legrand, Pierre Rivas, etc, informa que, em 1963, jovens artistas e escritores, entre Paris e São Paulo, próximos aos amigos de Péret, tentam formar um grupo surrealista (Lima, Piva, Willer) ligado ao grupo venezuelano “Techo de la Ballena”, mas logo dissolvido. Fala ainda da publicação e exposição surrealista depois organizadas por Sérgio Lima. As reuniões com cara de grupo surrealista aconteceram em 1963/64. Em 1965, a revista La Bréche, do grupo francês, então dirigida por Breton, resenhou o meu Anotações para um apocalipse, Amore de Sérgio Lima, e Paranóia de Piva. Há mais autores, da década de 30 até hoje, que poderiam ser relacionados a surrealismo, definindo com clareza quais as relações, os vínculos. Mas quase ninguém se preocupou com isso, exceto Sérgio e, no contexto da literatura ibero-americana, Floriano Martins.


RODRIGO Você é responsável pela Coordenadoria de Formação Cultural da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. Qual o trabalho realiza no momento de vagas tão magras?

CW - Mesmo com as vacas perdendo peso, reduzindo a produção de leite e carne, respondo diretamente pelas séries de cursos de iniciação à cultura, Primeiros Passos, nove a dez por mês, alguns com mais de cem inscritos; oficinas literárias todo dia; ciclos como Rebeldes e Malditos, com palestras, encenações, dramatizações; Poesia e Prosa, com poetas falando sobre prosa e prosadores sobre poesia; outros eventos e atividades, seminários, mesas e palestras. Em outubro, teremos, se tudo der certo, um seminário on-line, sobre literatura e internet. Ano que vem, quero voltar a promover apresentações públicas de poetas. Tudo isso, com o apoio entusiástico do secretário Konder. Verba é pequena, mas, planejando com cuidado, dá para fazer muita coisa. Pior do que falta de recursos são dificuldades burocráticas, o engessamento, excesso de formalismo jurídico nos órgãos culturais públicos. Isso atrasa, faz perder tempo com bobagens e inutilidades. Todo mundo reclama, mas ninguém parece capaz de promover reformas e mudanças administrativas e jurídicas que efetivamente melhorem o desempenho do Estado. Falta de verbas, normalmente, é justificativa para ineficiência, para burocrata não fazer nada e ainda tentar impedir os outros de trabalhar.


RODRIGO Quais os endereços, as URL mais freqüentadas, por você, na internet?

CW - Abro, com regularidade, sites literários do tipo Jornal de Poesia, Blocos, e vários outros, para ver o que há de novo. Faço buscas, localizo sites sobre autores que me interessam. A impressão que tenho é que nem comecei verdadeiramente, a trafegar pela net. É algo assustadoramente infinito, um Aleph ou biblioteca borgeana de tudo, um mundo paralelo.


RODRIGO Qual o papel do escritor na sociedade?

CW - Acho que muita coisa já foi dita e escrita sobre escritor e sociedade, inclusive antenas da raça de Pound, tornar mais puras as palavras da tribo de Mallarmé, etc, para que eu tenha algo a acrescentar, além do que já disse nas respostas anteriores.


 

Rodrigo de Souza Leão

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30.09.2005