Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Dimas Macedo




Recriação da linguagem

 

 

A cultura literária do regionalismo é, na literatura brasileira, uma de suas tradições mais afortunadas. Os exemplos pioneiros de Hermam Lima, Afonso Arinos e Hugo de Carvalho Ramos, no domínio do conto, e de José Sarney e Bernardo Elis, no campo do romance, são testemunhos de vitalidade e de vigor estético dessa modalidade de comunicação.

Os fenômenos da arte literária e do artesanato, as expressões da cultura popular, as intenções e as formas com que os artistas manifestam a durabilidade dos arquétipos humanos e das suas paisagens-ambiente são universais como os grandes dilemas do amor e o fascínio que a morte exerce sobre os homens.

Ser regionalista, em matéria literária, na era pulsante das grandes cirandas financeiras e da escravidão psicológica do afeto e da sensibilidade, significa, antes de tudo, assumir a defesa dos valores e das manifestações antropológicas que nos cabe decididamente preservar.

E regionalista, me parece, é qualificativo que se pode atribuir à curta ficção de Barros Pinho, reunida em A Viúva do Vestido Encarnado (Rio, Editora Record, 2002), pois de colorido local são revestidas as suas metáforas e os espaços por onde os personagens e as suas falas sertaneja e ribeirinhas trafegam.

E assim agindo, Barros Pinho surpreende o leitor com a sua linguagem literária afiada, revelando-nos um contista maduro, que se ousa, agora, medir com o poeta cristalino e maior que todos nos conhecemos. Mas poesia, na sua ficção, como no poema, se infiltra, às vezes, quase absoluta, e reina, absoluta, de maneira quase provocante, desafiando jargões, anunciando formas, propondo universos lingüisticos, restabelecendo vernizes populares e códigos de unidade semântica.

Estréia, pois, Barros Pinho, no terreno da curta ficção, para fundar, com luz própria, os gerais do Rio Parnaíba, assim como, no passado, os Contos Gauchescos de Simões Lopes Neto fundaram os gerais do Rio Grande, os quais são, por essência e construção estilística, a influência maior dos gerais catarinenses que fluíram, fundamentalmente, da pena soberana de Enéas Athanázio.

A recriação da linguagem popular e as sutilezas com que o autor arquiteta o seu universo criativo, o ritmo da escrita a permear a construção da frase e do enredo, a metáfora a projetar sentidos nos cenários mais elementares, o fechamento mágico e, por vezes, trágico de alguns episódios, a regularização da catarse como forma de aprendizado do fantástico e do maravilhoso, são procedimentos especiais de que lança mão Barros Pinho para garantir a qualidade literária de todos os seus textos.

Noto, por fim, em alguns de seus contos, a influência maior dos mestres da literatura latino-americana, dos quais Barros Pinho é um leitor assíduo e contumaz; mas percebo também que o fabuloso e o caricato, que a medida de José Cândido de Carvalho e de José Sarney, que o compasso de Horácio Quiroga e de Mário Palmério são, em A Viúva do Vestido Encarnado, uma possessão irrenunciável. E com isso, sem dúvida, está de parabéns a literatura do Ceará e Brasil.

Que Mundica, Mulata do Cais (Teresina, Editora Corisco, 2002), o livro com o qual Barros Pinho apareceu por último para o público leitor do Piauí, juntamente com este novo inventário de contos do autor, sirvam de sinais para trazer a lume a produção total do escritor, pois Barros Pinho é, com acerto, um dos escritores maiores (e mais densos) do Ceará na atualidade.

Dimas Macedo
Poeta e Crítico Literário
 



Barros Pinho
Leia Barros Pinho