Dimas Carvalho
Fortuna crítica: Inocêncio de Melo
Filho
A poesia de Dimas Carvalho
“Poemas” (1988)
inicia o poeta Dimas Carvalho na literatura cearense. A crítica não
ficou passiva, ergueu sua voz e assegurou que o seu “potencial
poético” não se esgotou nas páginas deste livro. Com esta publicação
José Alcides Pinto reconheceu que Dimas Carvalho nasceu poeta, não
se fez, incluindo-o no rol de nossos melhores escritores.
“Frauta Ruda,
Agreste Avena” (1993) confirma o talento e a “potência poética” de
Dimas Carvalho, faltando-lhe apenas o reconhecimento da crítica,
pois esta só se destinou ao exame dos aspectos estéticos exteriores,
não conseguindo penetrar na intimidade de sua arte.
O poeta
subsiste e a sua poesia também. O tempo amadureceu-a, dando-lhe a
consciência de que “O tempo é breve, o tempo é de colheita”. É nesse
momento que Dimas Carvalho nos encanta com “Mínimo Plural” (1998),
livro superior aos anteriores, sendo no momento sua obra mais
importante.
"Mínimo Plural”
se mostra em três divisões: As visões - parte I, As visões - parte
II, e Mínimo Plural, título análogo ao do livro. A primeira divisão
se distingue das demais, por concentrar todos os poemas num único
título -invocação - através de uma concordância lógica.
Diversas são as
visões que norteiam a poesia de Dimas Carvalho, aceitáveis num plano
metafísico ou existencialista. O poeta no entanto, não busca a
verdade mas a verossimelhança que pode ser no contexto de sua
literatura uma espécie de verdade interpretada pelo leitor.
Nota-se em
“Frauta Ruda, Agreste Avena” manifestações do existencialismo
Sartreano, que se reitera em “Mínimo Plural”, enfatizando o ser
pleno de nada na sua caminhada para a morte, embalado pela canção
dos ventos que calam as vozes, decretando a verdade final do
silêncio.
A poesia de
Dimas Carvalho não é só manifestação filosófica, transborda lirismo,
encantamento e leitura própria da história e da mitologia. Sua
poesia é também a expressão das suas reminiscências litorâneas, onde
se percebe a relação que o poeta mantém com o ar, com o vento e com
o mar. Isto talvez justifique a intensidade eólica que se faz na sua
poética.
O poema “Ápice”
de Dimas Carvalho estabelece uma aproximação com “Traduzir-se” de
Ferreira Gullar, ambos os poemas nos apresentam duas metades que
irão se encontrar por uma “questão de vida ou morte”, ou de
incompletude:
sou feito de duas partes
que não se encontram jamais metade de mim é tudo,
metade de mim é nada
e passo a vida incompleto:algumas vezes demais,
as outras vezes faltando,
mas nunca a medida certa
só no último momento
- transitório diamante -
quando as duas se encontrarem
serei tudo e serei nada
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Destaca-se no
poema “Ao crepúsculo” versos que não denunciam, mas afirmam a
existência da exploração do trabalho infantil, realidade social
ainda predominante em nosso país. O poeta mostra-se contemporâneo no
seu relato, ansioso por novas consciências geradoras de mudanças:
uivos
tristes se ouvem mais além
magras crianças, descalços pés no chão,
caixas conduzem em seus fracos ombros;
e quanto peso mais neles carregam?
A metalinguagem
tornou-se uma prática constante na poesia moderna. Fernando Pessoa,
Carlos Drummond de Andrade, e Ferreira Gullar, nos dão exemplos
significantes que nos servem até de princípios teóricos, que melhor
explicam o fazer poético. O poema “Ars Longa” de Dimas Carvalho não
se esquiva deste contexto:
a poesia
não diz
a poesia não canta
não adverte não protesta
não afirma não nega
a poesia não
a poesia é
nada, vazio absoluto
a poesia é silêncio,
bloco de branco esplendor
entre o inexistente e o impossível,
ela imota, sem pesa, move-se,
circularmente
a poesia não traz
o tempo passado de volta,
não o evoca
não constrói o antecipadamente desabado futuro
a poesia não está
nem no poema nem no leitor,
nem na leitura
espectro de névoa
brilha uma luz apagada, obscura
Como tudo é
permitido ao poeta, Dimas Carvalho faz uso dessa permissão tecendo
todos os seus versos com letras minúsculas, negando-se à tradição
poética que geralmente inicia os versos com maiúsculas. Inovação?
Rompimento com as normas gramaticais?, o que se pode dizer é que o
poeta é inventivo e se dá aos moldes da criação, tornando-se um
demiurgo que só descansa no sétimo dia.
“Mínimo Plural”
triunfa entre os homens por ser uma obra de qualidade,
permitindo-nos múltiplas leituras e interpretações que nos garantem
a certeza de sua existência, mesmo que a crítica não lhe direcione
sua total atenção. Inocêncio de Melo Filho
Inocêncio de Melo Filho é professor da
Universidade Vale do Acaraú, Ceará.
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