Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Inocêncio Melo Filho 

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Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Poesia:

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna: 


Alguma notícia do autor:

 

 

Inocêncio de Melo Filho nasceu em Sobral em 18/05/64, poeta e crítico literário. Licenciado em letras e especialista em investigação literária pela Universidade do Vale do Acaraú, CE, onde lecionou teoria literária e literatura comparada nos anos de 1999/2001. Reside em Sobral, CE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Inocêncio Melo Filho

 


 

Busca


Não és minha nem do seu amado
Aposse que existe entre nós
É apenas uma realidade utópica
Tu seguirás o sol ou a lua
Num dia desses...
As significações cairão por terra
Deixando em nós
O lógico vazio da existência

 

 

 

Eternamente

Para José Alcides Pinto

Trago sua biografia
Dentro de mim
Não a publicarei
Guardá-la-ei no sacrário
Das minhas memórias
Para que a saudade de ti
Seja eterna

 

 

 

Interminável


Para Joyce Mesquita

Colho metáforas nos teus olhos
Deixo-as cair no solo
Dos nossos sentimentos
Para que nada se perca
Para que tudo se transforme
Numa interminável colheita

 

 

 

Never more

Para José Alcides pinto

Nunca mais festejarás minha chegada
Nunca mais nos diremos palavras belas
Nunca mais teceremos elogios mútuos
Nunca mais tomaremos chá entre livros
E palavras
Nunca mais caminharei ao seu lado
Nunca mais me lerás Rimbaud.
Nunca mais deixarei de ser saudoso
E os meus olhos terão sempre lágrimas
Por companhia...

 

 

O fingidor

Abri o jornal
Sentei-me no banco da praça
Fingi não ter afazeres
Fingi tão perfeitamente
Que os transeuntes me destinaram
Olhares ásperos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Inocêncio Melo Filho


 

 

A grande arte de Nilto Maciel

 

"A leste da Morte" (2006) é o livro contos mais recente de Nilto Maciel. Belo título inspirado no "A leste do Éden" de John Steinbeck. Bela capa. Sua arte externa nos atrai, encantando-nos. Lendo-o percebemos que esta obra é bem mais que estética externa. Na sua estética interna encontramos inteligência, criatividade, linguagem bem tecida.

Os contos de "A leste da Morte" transbordam mistérios, sonhos, delírios, lirismo, situações metafísicas, marcas surrealistas, que podem servir de características identificadoras da literatura de Nilto Maciel, ao lado de intensas manifestações dotadas de um certo realismo mais fantástico do que mágico. "A leste da Morte" é uma confirmação de que "a literatura nasce da literatura" do título ao seu miolo. O narrador na sua travessia nos cita obras, autores, um senso de leitor e de leituras próprio de um escritor que se acorrenta às universalidades e se liberta na sua escritura.

Vale salientar ainda que o narrador dos contos de Nilto Maciel entrega-se intensamente às indagações, eternas indagações, que não quebram o ritmo do discurso nem cansam as retinas do leitor. Encaremos esta realidade existente em "A leste da Morte" como uma necessidade que completa a metafísica dos textos e a própria narratividade que busca um diálogo que não se constrói, por ser feita num discurso indireto. A ficção de Nilto Maciel "consegue imitar a vida matando-a", para que ela renasça como se fosse uma espécie de fênix, atribuindo as suas personagens (algumas extraídas de outros textos), um novo destino, uma nova vida, um outro contexto histórico sem perder a verossimilhança. A prosa de "A leste da Morte" não deixa que o delírio, o sonho e o lirismo lhe alienem. Mostra denunciando e denuncia mostrando o desemprego, a pobreza, a violência, a poluição, o caos urbano, as paixões, o ciúme, o trabalho infantil... Estas realidades humanas humanizam a literatura de Nilto Maciel tornando-a universal.

A molecagem do povo cearense encontra-se presente em várias obras da nossa literatura. Serve-nos de exemplo "O mundo de Flora" (1990)- Angela Gutiérrez e "O dia em que vaiaram o Sol na Praça do Ferreira" (1983) - Gilmar de Carvalho. Neste novo livro de Nilto Maciel no conto "Chão Pintado de Sangue", também se registra o espírito moleque do povo do Ceará num espaço real que acolhe ainda hoje as grandes manifestações dos fortalezenses: Um dia caminhava pela calçada da praça na direção da Guilherme Rocha. Diante do Cine São Luiz, um mendigo comeu uma banana e lançou a casca ao chão. Sentou-se junto à parede e se pôs a olhar para as pessoas que batiam palmas ou vaiavam o rapaz barbudo e de roupas exóticas, em pé no banco, a vociferar: O poema é um punhal que brilhará na carne dos condescendentes. Seus reflexos parirão estrelas que habitarão o céu. Marinas cintilarão como ametistas nas bocas dos desvalidos. Imensas pérolas de enfeite da grande festa anunciada. Nas ruas novamente habitadas por benjamins, sorrisos, brisas nos dentes de marfim, onde se inscreverão os versos dos decapitados. Nesse momento George voltou a vista para o espetáculo, pisou na casca de banana e caiu espalhafatosamente. Livros e cadernos se espalharam na calçada do cinema. Uns deram vaias, outros riram. (P.63) A poesia, o ensaio e a resenha vão aos poucos se expondo no corpo da ficção de "A leste da Morte", nos revelando que o escritor sabe lidar com esses gêneros e é capaz de misturá-los na sua prosa sem danificá-los. O conto "Chão Pintado de Sangue" citado anteriormente, nos manifesta exemplos identificadores de poesia. Um desses exemplos pode ser percebido na transcrição acima.

Nos contos "Lilith Segundo Paspa Tordre" e "Para Escrever o Caminho do Nada", o narrador nos apresenta livros, autores, personagens, faz descrições, sínteses, menciona opiniões críticas de outros autores, propondo assim, uma estrutura própria de resenha ou de ensaio. No conto "Caim e Abel" pode se perceber que Caim e seu irmão se atracam, estão em conflito, são adversários. Vivem esta realidade nas várias fases das suas vidas, sendo Abel o melhor em todas as suas performances aos olhos do pai. É neste contexto que o enredo se inverte, mostrando-nos Abel na condição de opressor e Caim na de oprimido, fazendo-nos pensar que o narrador dará outro rumo à história, mas não é bem isso que acontece. Ele se rende ao final que o leitor já conhece. Neste conto de Nilto Maciel a história de Caim e Abel é recontada, numa dimensão extremamente humana, desligada dos laços divinos. O narrador nos expõe à família, os afetos paternos destinados a Abel e as ofensas a Caim que acumula mágoas no seu coração. Os sentimentos maternos equilibrados não podem modificar o discurso patriarcal, nem evitar que o pior aconteça. Caim e Abel são duas personagens que não podiam ficar detidas aos universos do livro sagrado. Elas são referências de reflexões sociológicas e reflexos de uma falência familiar e afetiva. A literatura tem assimilado essa ideologia, é por isso que ela vem imprimindo-as nas suas páginas.

Quem conta um conto aumenta um ponto. Esta afirmação procede ou será apenas uma construção frasal sonora que se reproduz nas bocas dos falantes? Não depreciemos esta afirmação que é por demais verdadeira. Cada narrador narra uma única historia de forma diferente, usando recursos próprios... Isto se comprova em "A Mulher Cortada" e "Na História da Maçã" em "As Mil e Uma Noites". Em Nilto Maciel esse procedimento narrativo também é visível no conto "Um Passarinho". Tal qual Xerazade os habitantes de Anipar do conto "O Último Vôo de Rapina", descobrem que narrar, contar seus sonhos, permite-lhes continuar vivendo. As narrativas desse conto são marcadas pela originalidade e seguem um plano hierárquico.

Retornamos ao conto "O Último Vôo de Rapina" porque há nele um exemplo de antropofagia, que se difere dos demais registrados pela nossa literatura. A concretização desse ato antropofágico é comunicado e concedido pelo ser dominador (Rapina), a resistência se faz nos subordinados (aniparenses), que ainda desconhecem o sabor da liberdade: (...) Em outro sonho, o chefe espiritual de vocês, o pajé, o xamã, seja lá como o chamem, dará a seguinte ordem: "Enquanto ela estiver dormindo, vocês amarrarão pernas e bico e arrancarão as penas. Impedida de voar e de me defender, vocês a sacrificarão, queimarão e comerão a carne, para que adquiram os poderes dela".

O terceiro sonho terá um pouco de cada um dos outros, com um final diferente: Eu me livrarei de vocês e voarei para o mais longe daqui, para nunca mais voltar, e vocês ficarão nesta terra como sempre estiveram. "Boquiabertos, os habitantes de Anipar se prostraram diante da ave: Não, não queriam aqueles sonhos. Não queriam o paraíso nem voar nem devorar Rapina. Queriam apenas a mesma vida de sempre (P.152). Alguns dos contos de Nilto Maciel nos aproximam de outros textos e autores ainda vivos em nossa memória quando o narrador assim se expressa: "Para que aqueles olhos arregalados? Para te ver melhor" – "Chapeuzinho Vermelho" – Charles Perrault. "O Tarado seminu, mal cobertas as vergonhas". – "Carta de Pero Vaz Caminha". "Nos verdes mares bravios." – "Iracema" – José de Alencar.

A posse integral ou reformulada destes termos guiados pela consciência ou inconsciência, revelam algumas das leituras diversificadas feitas pelo escritor. A presença do mar na literatura cearense é um fato real na poesia e na prosa. Na ficção de Nilto Maciel o mar simboliza o medo quando comparado a um "monstro que ruge em fúria" e acolhimento quando o narrador nos diz: "Examinou os dizeres do vento. Fechou os olhos para ouvir mais a voz do mar". (P. 132). Como se vê, a existência do mar subtende a presença eólica, ou seja, do vento, que se desvela em algumas das narrativas de "A leste da Morte", substantivando-se e personificando-se.

"Os escritores não são cantores populares", mas Nilto Maciel é dono de uma farta fortuna crítica e bibliográfica. Sua literatura se insere no rol dos nossos autores contemporâneos e "A leste da Morte" é a sua grande arte, digna de todas as atenções dos leitores e estudiosos da literatura cearense e brasileira.

 

   
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Inocêncio Melo Filho




A poesia (in)definida de Luciano Maia

In Diário do Nordeste, Cultura.
Domingo, 07.10.2001

 

 

De Platão aos nossos dias, não tem sido fácil definir. Mas definimos assim mesmo com a finalidade de sintetizar, esclarecer, determinar e explicar... Esta circunstância nos conduz à poesia de Luciano Maia que se define por ação em todos os sentidos. Pode-se dizer agora que a poesia de Luciano Maia encontra-se absolutamente definida? Se considerarmos que a obra é aberta - Umberto Eco - ainda há muito que dizer. E de fato há. Neste contexto o leitor poderá se dar ao exercício literário e apresentar novas definições significativas. É o que faz Francisco Carvalho na sua avaliação crítica:

“As raízes épicas da poesia de Luciano Maia mergulham nas origens da terra nordestina e resgatam os mitos que se entrelaçam nas alegrias e tristezas do seu povo. É uma poesia do homem e para o homem. Uma poesia que celebra a luminosa constelação dos seres e das coisas, as aleluias da vida e os réquiens da morte, os mistérios e revelações da outridade. Uma poesia que se abre para as alvoradas da criação, e que não se fecha em si mesma, à semelhança dessas catedrais herméticas em que se cultuam as metáforas da solidão”.

Luciano Maia tem sido brilhante em todas as suas publicações, por isso não podemos excluí-lo do rol dos nossos melhores poetas. Sua poesia não se mostra inferior a de José Alcides Pinto, Francisco Carvalho e Artur Eduardo Benevides. Vale salientar que os ecos épicos de sua poesia não se mostram indiferentes, mas simpatizantes ao que há de melhor no gênero.

O que afirmamos anteriormente fundamenta-se em “Rostro Hermoso” (1997), “Seara” (1994), e “As Tetas da Loba” (1995), onde se percebe o compromisso social, a latinidade e a nordestinidade tornam a poesia de Luciano Maia universal, e cosmopolita em função das línguas latinas, das quais o poeta é profundo conhecedor.

A poesia de Luciano Maia encontra-se entre bocas quentes, vai à feira, vai à “missa dos legumes”, persegue longos itinerários, não caduca no tempo, tornando-se urgência e insubmissão. O vento faz-se voz em sua poesia, personificando-se, sendo anunciador “das lendas ancestrais”, fazendo “dormir os remansos”.

O poeta pode até se isolar, mas não renega o brio e a consciência. Pode até clamar no deserto, mas clama. Não estamos a falar de uma poesia panfletária, que defende a “cultura da reclamação”. O que está em questão é uma poesia florescida no nacionalismo isenta de ufanismos. Os poemas “Décima”, “Curriculum” e Nada?”, do livro “Rostro Hermoso” reiteram o que estamos a argumentar.

Eis um tempo de causas e motivos
pra cantar o pesar de uma nação
e sofrer por seus filhos que hoje são
ou bastardos ou órfãos de pais vivos
Os poetas se isolam pensativos
ante a falta de brio e consciência.
O poder é o foro da excrescência
é mais forte quem for sagaz e vil:
eis um tempo em que o nome do Brasi
anda junto do nome da indecência.

No meu país o tempo causa dor.
Os meses são contínuo desespero.

No meu país o dia é um suplício.
(Ainda que a luz do céu desça no vento
os ares do Brasil
estão impregnados de enfermidade).
No meu país a covardia é curricular

A miséria é uma instituição
O cinismo um diploma.

Num país assim um povo rejeitado
por inteiro
andando descalço sobre lixo
respirando o bafo de parlamentares bufões
nada tem a fazer a não ser...
 

A não ser. Ainda no mesmo livro encontra-se o poema “Mérito” repleto de lirismo, desprovido da fúria onde a promessa, o desejo e o sonho se unificam com o propósito de atingir um único fim, ou seja, a satisfação plena:

Ainda te dou um dia inteiro
de risos lúcidos e sinceros
e te presenteio ainda
antigas ilusões que alimentaste
quando os teus olhos se deslumbrava
num domingo adolescente.
 

O tecido poético de Luciano Maia renova-se como as águas do Jaguaribe, mostrando-se inédito em cada manifestação, sejam elas líricas ou épicas. A cumplicidade com a história e com seu resgate norteia a arte deste cearense, que nos honra com sua literatura. Que sua poesia nunca abandone as tetas da loba, que outrora alimentaram Rômulo e Remo e hoje alimentam a latinização que se espalha pelo mundo.