A
propósito da carta de Alexei Bueno Quem dera que o que se faz em poesia brasileira moderna tivesse o fôlego, o imaginário aceso e a coragem que sorri da voz de Alexei Bueno. Antes não fosse a poesia contemporânea do Brasil a panacéia de metalingüisticolóides que sequer compreenderam ainda que a linguagem quando se retoma o faz para inquirir-se, e não somente para se olhar a um espelho, muito menos a um espelho néscio. Então um mosaico débil de pílulas sem substância, espírito nem raciocínio desfilam no “conteúdo e forma” do que se pretende expor como poesia no Brasil, conduzindo os ainda não orientados poetas jovens para um exercício de quadro mágico, como sacadas dentro de paradigmas e sintagmas, ou passando uma foice entre significante e significado.
Há
quem diga que um poeta como Alexei Bueno, cuja voz não só épico-lírica, mas
também crítica, levanta-se para clamar um chega de bobagens inflamando o seio
de um poesia que tem Gonçalves Dias, Castro Alves, Drummond, Jorge de Lima e
Gerardo Mello Mourão, seja uma voz de um passado enterrado em tão densa camada
de teia de aranha que sequer como fóssil avulta sua pele. É muita burrice, senão
muita incompetência lingüística e poética dizer algo assim; afinal, será
que debilóides dessa natureza não entenderam o que foi a modernidade?
Analfabetos literários esses que desfilam sua falta de conhecimento com sua
teoria de três páginas, com suas notas de rodapé entre aspas e com sua
incapacidade de ter o que falar conforme herdeiro da inteligência acumulada
pelos séculos do Ocidente e do Brasil, conforme as tantas possibilidades estéticas
que podemos dispor nossa retórica contemporânea, conquanto, dizendo alguma
coisa, participando da cultura humana como quem de fato tem as veias nutridas de
imaginário, razão e sentimento, e não como quem se dá a fazer poesia como se
preenchesse um formulário ou respondesse às questões de um quadro de caça-palavras.
Dizendo algo como nos diz A Juventude dos Deuses, por exemplo.
Santa
paciência! Há quem leia os soluços que se ousam poéticos na literatura
brasileira de hoje, e ainda que pretende antologizar os famigerados que escrevem
bagulhos dessa natureza como sendo um exemplo, ou pior, um legado da poesia
nacional viva. Vão aprender poesia! Parem de contar sílabas nos dedos e de
acreditar doentemente que imagem poética se dá com letras formando desenhos. Vão
se tratar! Quer fazer crítica? Quer ser poeta? Vá ler Homero, Virgílio,
Dante, Milton, Tasso, Camões, Shakespeare, Hugo, Nerval, Hölderlin, Eliot,
Pessoa, Jorge de Lima, Neruda, Bonnefoy…, vá ler o pensamento humano em Platão,
Aristóteles, Sto. Agostinho, Boaventura, Rosseau, Diderot, Schoppenhauer,
Nietzche, Husserl, Wittegeistein, Gadamer, Austin, Eco… do contrário, vá ler
e ouvir o Cego Aderaldo, Pinto do Monteiro, Cancão, Sebastião Dias…
A
propósito da Carta Aberta aos Poetas Brasileiros, Alexei Bueno suscita
principalmente, além do que discuti aqui, sua responsabilidade para com a
poesia brasileira, seu caráter como crítico que se antena às tensões, ao
pensamento vivo e à depreciação cultural do Brasil, como reconhecer o vigor
de um poeta como Astier Basílio e dispor sua palavra a ele, o que é uma
atitude líquida de política pura, dessas que não precisa se amarrar ao rabo
de ninguém. Alexei Bueno tem atitude honesta apenas porque tem o que dizer com
propriedade; ele leva, pois, a poesia a sério, e não como quem passa o tempo
armando um quebra-cabeça cuja imagem e peças não pensou. [Jamesson
Buarque – ou, para os ofendidos: ninguém.] |
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Comentário de Soares Feitosa, em defesa dos cantadores Caro Poeta Jamesson, Quando você escreve "Vá ler Homero, Virgílio, Dante, Milton, Tasso, Camões, Shakespeare, Hugo, Nerval, Hölderlin, Eliot, Pessoa, Jorge de Lima, Neruda, Bonnefoy…, vá ler o pensamento humano em Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, Boaventura, Rosseau, Diderot, Schoppenhauer, Nietzche, Husserl, Wittegeistein, Gadamer, Austin, Eco… do contrário, vá ler e ouvir o Cego Aderaldo, Pinto do Monteiro, Cancão, Sebastião Dias…" está a estabelecer uma fronteira entre Poetas com pê maiúsculo e reles cantadores. Contudo, na lista que você apresenta, não há um só que não tenha sido cantador, e dos bons! O chefe deles, Chico Pires, um cantador nordestino meramente nascido na Inglaterra, ninguém fez até hoje melhores cantorias do que ele. Confira, por seu favor, em Harold Bloom. E Homero, também nordestino, nada mais foi do que cantador de feira, cego e bom. Certamente sua divisória está a esquecer ou a desconhecer nossa melhor tradição trovadoresca, quando Camões, outro cantador estupendo, trava, sob o nome nordestino de Camonjo, pegas sensacionais com outro cantador luso-local, Bocais (lá pra eles, Bocage), com o detalhe de que é o Camonjo que, na boca dos cantadores do trecho — meras máscaras, gregas e no melhor estilo — sempre abocanha o da rainha. A aduana que você instaura, com todo o respeito, me parece plena de eiva, justamente porque a arte, em Arte sendo, não pode admitir este tipo de virtuosidade — o supostamente culto em detrimento do popular, supostamente inculto — porque, afinal, o Belo tanto pode estar num como no outro, ou em nenhum, ou em ambos, tudo a depender apenas e tão-só... do cantador. Logo, não é o fato de estar a ler aqueles senhores que você relaciona... muito menos ler a estes "imbecis", daqui, os cantadores... Lê-los, furiosa e adoidamente ou bem na calma, jamais fará de um mau poeta um grande cantador. Se assim fosse, medir-se-ia o talento pela lombada dos livros lidos. Saber Os Lusíadas de cor? Para quê? E, por favor, acresça, à sua distinta lista de cantadores cultos, os bíblicos; aquele do Sermão do Monte, que de tão Poema, o Sermão, religiosidades à parte que nem as tenho, ninguém percebe que é poema. Bote também o autor do livro de Jó, os salmistas, e os demais autores do Tanach. Bote outro cantador estupendo, Maomé, "Em nome de Deus, o Misericordioso". Em termos de Tanach, sugiro-lhe, respeitoso, a boa companhia de Jack Miles, God, a biography. Afinal, a poesia, com Pê de pato grande, é feita de muito mais coisa de que nos dá conta o pretenso saber acadêmico (e seus soturnos rodapé-de-pagistas); ou, pior, o que nos impingem os pracianos em sua falsa sertanejitude. Sobra-nos, por certo, entre a brenha e a "civilização", um grande arco, a ser compreendido e preenchido. Sem preconceitos. Ah, os Batistas, Nordeste, bote-os, a batistada toda, Dimas & irmandade, incrível, uma família de Poetas! Também bote seu Neco dos Martins, a Negra Barrósa, e muito mais que a lista é vasta. Não deixe de fora a Leandro Gomes de Barros, e nos diga, por seu favor, a que Cancão refere, se ao pássaro-passarim ou a algum cantador de patente e grau desconhecidos por aqui, só seu. E, por favor, não deixe de fora a Humberto Teixeira — "furaro os zóios do assum-preto/pra ele assim, ai/ cantar mió//" — que muita gente culta imagina que seja de Gonzaga. Agora, no tom da carta aos jovens poetas, digo-lhes eu: ninguém esqueça, cultura e poesia são um círculo, completo, sem começo nem fim. Nem exclusões! Talvez uma senóide (pela "carreira") em que a perna de baixo é tão importante, senão mais, do que a de cima. (Quem lhes segura o edifício? "Quem amarra para ti as montanhas?" Pergunte a Maomé, por favor, no livro não menos santo!). Gostou do que leu — ainda em tom de carta —, meu caro jovem poeta? Ótimo!, é o "teu poema"! Assinado pelo cego Aderaldo? Por Saint-John Perse? Qual é o problema? É apenas o "teu", os "teus poemas"; com ele(s) comunga(s), ainda que de Haroldo seja, o de Campos; ou de Alexei, o das cartas. Há de ser assim mesmo, pelo menos até que descubram o artímetro. (Falam que as pesquisas estão avançadas. Quem acreditaria que o computador pudesse jogar xadrez tão bem, a ponto de derrotar o Kasparov?!). Até lá, enquanto não inventarem a máquina de pontuar o poema, vale o gosto: o meu, o teu! E o respeito. Soares Feitosa é cantador |
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A propósito da carta de Alexei Bueno
Belo
Horizonte, 26 de Fevereiro de 2002 Caro
Alexei Bueno,
As páginas 1 e 2 do Caderno
B, do Jornal do Brasil, do dia 31
de Janeiro de 2002, contém, certamente, um dos textos mais legitimamente
emocionantes que tenho lido nos últimos tempos. Tenha certeza de que, nelas,
ecoam as angústias de inúmeros amantes da poesia brasileiros, inclusive as
daqueles que, como eu, assistem por dentro às violências de que ela é vítima
no meio acadêmico. Curso atualmente o 4º período de Letras, na Universidade
Federal de Minas Gerais; sinto na pele, portanto, o drama da crítica “autofágica”,
acusado por você, apartada do mundo real pela muralha dos próprios
preconceitos. É de se notar, em numerosos setores da minha escola, a adesão
exclusivista ao cânone “pós-cabralista” e a indiferença sistemática ao
que quer que neste não se encaixe. Quanto se perde com este tapar de ouvidos,
com este fechar de olhos ao “que não é espelho”! E, no entanto, tal
atitude me escandaliza menos por este prejuízo que pelo autoritarismo anacrônico
que dela depreendemos. Em tempos de valorização da tolerância e de superação
da crença em verdades absolutas, atira-se-nos à face, da forma mais descarada,
este discurso ditatorial e excludente que, a julgar pelos últimos 50 anos, não
parece nutrir quaisquer planos de renovação. A denúncia deste aberrante
anti-democratismo é, a meu ver, o ponto altíssimo da carta e da entrevista.
Eis alguns trechos que me comoveram quase às lágrimas:
“(...)
essa idéia de legitimidade é espúria. Pode-se escrever excelente poesia em
formas infinitas de expressão (...) Houve uma ruptura da poesia com a
sociedade.(...)
A
universidade funciona dentro de um mundo estrito e essa crítica não funciona
em relação à sociedade como um todo.
(...) Após uma luta feroz para se estabelecer uma liberdade criadora no Brasil
empreendida pelos modernistas na vigência do lamentável Neo-parnasianismo,
acabaram por criar outra camisa-de-força, pior, na
nossa literatura, que nega aos que não se filiam a ela todos os territórios
expressivos conquistados após o Modernismo. E esse establishment,
e essa deplorável intelligentsia
universitária que os sustenta, ainda se dizem ‘modernos’. (...) Cabe a
todos os poetas desse país (...) iniciar com o novo milênio uma nova poesia,
que não será nem ‘moderna’, nem ‘verdadeira’, nem ‘legítima’, nem
coisa nenhuma (...)”
Esta
última conclamação, em especial, causou-me profunda impressão. Pois vivemos,
sem dúvida alguma, um momento absolutamente seminal na história da humanidade
e da literatura. No contexto nacional, sua carta aberta ganha dimensões históricas
por ser, talvez, a primeira manifestação pública de sensibilidade a este
momento. Trata-se, de fato, de fundar um novo tempo para a poesia; de superar,
de deixar, em definitivo, para trás, qualquer pretensão a discursos unívocos
e verdades estanques, principalmente se tais verdades têm como corolário prático
a exclusão e a intolerância. A fidelidade puramente ideológica a programas teóricos
já não tem nenhum sentido numa era descrida de utopias e de vanguardas
redentoras. De anacronismo fútil, tal fidelidade se transforma em perversão,
quando proclama a sua, a única maneira possível de fazer poesia e põe-se a
combater ferozmente quem quer que ouse discordar. É preciso confrontar o Outro
e, mais importante, aceitar o múltiplo.
É
da dificuldade de aceitar o caráter irremediavelmente múltiplo da realidade
que advém o último obstáculo entreposto entre o homem e o seu futuro. Muitas
vezes rejeitada em teoria, claramente persiste a noção de que é possível
atingir uma verdade final, como que a culminação de tudo que a precedeu,
superior a tudo que se lhe oponha. Excluir, em nome de tal noção, é
absolutismo ingênuo e perverso. Não se pode mais fechar os olhos para a
impossibilidade da certeza inamovível, que, ao longo da história, legitimou
todo tipo de violência intelectual e física. Idéias envelhecem. E a poesia
que for mera encarnação de idéias envelhecerá com elas. A arte, que se
utiliza das idéias apenas como matéria-prima, transcende o movimento infinito
do debate ideológico e permanece. Isto é, permanece para os que a não
rejeitam simplesmente porque seu conteúdo ideológico não coincide com suas próprias
idéias - mal que parece grassar no nosso cenário crítico contemporâneo. É
preciso, portanto, reagir veementemente contra esta tendência daninha. Quanto a
isso não há dúvida. Tal reação, por outro lado, demanda uma delicadeza e um
cuidado inéditos na história das reações, por assim dizer. Sim, pois que,
reagindo contra a intolerância, não pode ser, ela mesma, intolerante. Deve
denunciar a exclusão, não a poesia dos excludentes. Esta, que se divirta com
ela quem quer que bem entenda, desde que fique assegurado o espaço da
diversidade. O que não é mais possível é defender a superioridade apriorística
de um modo de fazer poesia sobre outro, e vice e versa.
Eis onde o seu discurso peca, a meu
ver. Se, pelo mesmo motivo exposto acima, a agressividade deve ser dosada com
extrema parcimônia (senão abolida), “cocô de cabrito”; “lixo”;
“vanguardeiros”; “vagabundos”; “múmias marqueteiras”; “ladainha
decrépita”; “Para o inferno!” dificilmente traduzem a postura exigida
pelo momento. Antes, furor contraproducente, fornecem armas ao adversário.
Importantíssima denúncia de tudo que há de pior no nosso meio literário, sua
carta degringola, por vezes, no mero extravasamento de um rancor, que também é
meu, mas que necessita ser contido. Por
outro lado, o ataque inicialmente dirigido ao “poder literário”, cuja visão
estreita prioriza o Concretismo e afins em detrimento de outras formas de
expressão, freqüentemente se desvia para a produção poética mesma dos
chamados “pós-cabralistas” - total disparate, vistos os critérios em que
se baseia tal crítica. Ao afirmar que é ruim toda poesia que “nega qualquer
visão direta do lado trágico da vida - morte, miséria, sofrimento”, você
se iguala ao crítico mais cego que rejeite, a priori, um poema, só por ele não
possuir “concisão, frieza de raciocínio” ou “estruturação geométrica”.
A mesma coisa quando diz: “Toda a poesia que presta hoje no Brasil (...) é
poeticamente incorreta.” Devemos
estar sempre atentos para não incorrermos naquele erro de que falei dois parágrafos
acima: condenar um poema não por seu caráter propriamente estético, mas
exclusivamente pelas idéias ou pela visão de mundo que lhes servem de base.
Quando isso acontece, a verdadeira discussão sobre poesia fica completamente
obumbrada por um embate ideológico estéril. Só o que legitima tal postura é
a noção ingênua de que as idéias ou a visão de mundo do crítico são
superiores às do poema. Superar esta mentalidade parece-me ser o desafio do
momento, que a sua carta tão sensivelmente detecta (muito embora, você mesmo,
claramente, não tenha ainda se livrado dela por inteiro).
Por
fim, gostaria de alertar que se, em algum momento deste texto, soei por demais
veemente ou convencido de minhas próprias opiniões, tal não ocorreu senão
para que pudesse melhor expressá-las. Na verdade, aguardo ansioso que uma sua
resposta venha corrigir-lhes as falhas e apontar-lhes os excessos.
Atenciosamente,
Rafael Montandon
P.S.:
Aproveito a ocasião para lhe mostrar uma tentativa poética minha. Sendo você
poeta que respeito largamente, gostaria muito de ler algum comentário seu sobre
ela.
Nec
Plus Ultra Como
um necrófilo funambulesco Violando
algum sepulcro do futuro, Não
sei por causa de que impulso obscuro, Eu
fui espiar o meu cadáver fresco!
E
eu era um poema do poeta Augusto! Marchando
ao longo dos meus membros finos, Um
batalhão de monstros pequeninos Eu contemplei, transido de asco e susto!
Minha
carcaça, lívida e indefesa, Reduziria
a um saco de farinha Aquela
grei fantástica que vinha P’ra
desvelar a minha profundeza! E
os bichos, exibindo, sem excessos, Supramoralidades
de übermensch, Comiam
tudo aquilo que preenche Os
nossos mais recônditos recessos! Co’as
presas rápidas, uma lombriga Me
desmanchava as carnes e, indiscreta,
Mostrava
ao mundo a mácula secreta Que eu escondia dentro da barriga!
E,
olhando o afinco daquela minhoca No
seu ofício, eu punha-me a pensar No
Nojo, esta emoção tão singular Que
o nosso próprio corpo nos provoca!... Vísceras!
Crimes! Sórdido recheio! Órgãos
internos! Íntimas vergonhas! Sinuosidades lúgubres, medonhas, Em
que se esfaz todo o meu corpo feio! Putrefação!
E a entranha vil desnuda! Impudicícia
finalmente exposta! Meus
intestinos túrgidos de bosta! O
mundo externo, em’scárnios, vos saúda! Que
humilhação foi ter que, pelo verme Desmascarado,
expor toda a imundície Que
se ocultava sob a superfície Enganadora da minha alva derme! Quando
eu morrer, que não se reze missa! Joguem-me
o corpo, sem qualquer velório, Às
chamas rápidas de um crematório, Antes que eu possa me tornar carniça...
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Caro Feitosa, Enviei
no começo de março um artigo para a seção "Contencioso Literário"
e Você faz alguma restrição aos meus artigos, ou não concordou com o "teor" da mensagem? Estou,
inclusive, reenviando o texto para "refrescar" a sua memória. O
artigo atualmente está "no ar", no site www.pd-literatura.com.br.
Em recente entrevista e "artigo" publicado no Jornal do Brasil em 31/01/2002, intitulado "Carta aberta aos poetas brasileiros", o poeta Alexei Bueno começa sua "carta" dizendo: "Há um mal-estar generalizado entre os poetas brasileiros, atirados, há um bom tempo, a uma terra de ninguém crítica e ideológica, à incompetência normativa e à pura mistificação. Como tenho 38 anos, certa experiência na área e não sou burro, entrego essas rápidas reflexões aos meus companheiros de arte, sobretudo aos mais jovens". Perfeito. Tenho quase a mesma idade do poeta Bueno e, creio, ainda posso me incluir no seu "público-alvo": os poetas mais jovens. Então, senti-me impelido a responder a carta do colega que, como se pregasse num deserto, não obteve resposta devida a sua missiva. Afinal, saiu apenas, no mesmo JB, no dia 03/02, uma matéria da jornalista Eliane Azevedo onde os poetas e acadêmicos de sempre, a exemplo de Ítalo Moriconi e Heloísa Buarque de Holanda, comentam as ácidas palavras do poeta. Nenhum "marginal", ou "marginalóide" como quer o poeta, foi ouvido. No seu bem intencionado recado aos poetas, o poeta, que não é burro, me deu a impressão de querer falar mal de todo o mundo como uma forma enviesada de falar bem dele mesmo. O que, de certa forma, obnubilou algumas "verdades" que ele trouxe à luz. Vendo sua pose no jornal com um longo charuto entre os dedos, uma fumaça difusa no ar e um olhar que revela a doce insânia dos poetas, fiquei, a princípio, com a falsa impressão de que Bueno desejava apenas isso: fazer pose. Ou que desejasse, ele mesmo, pré-fabricar a sua glória. Mas ele diz: " Como eu tenho um nome firmado no ramo, é mais interessante que eu fale". É mesmo uma pena que apenas eu, que estou, há muito, fora do mercado e, mesmo não tendo nome firmado em ramo algum, fui o único a me sentir estimulado a repercutir as suas palavras. Pelo menos o poeta não se sentirá mais falando sozinho. E não ficará apenas um "diz-que-diz" entre puristas e elitistas. Sob o pretexto de falar sobre a falta de diálogo entre os poetas e a crítica ou, em última instância e, na ausência dessa ponte, entre os poetas e a sociedade, o jovem poeta carrega um pouco nas tintas, não deixando pedra sobre pedra. Parece ter se deixado contaminar por sentimentos não muito nobres. Chama o provecto clã dos concretos de "famigerados concretistas", usa expressões e sentenças como "poetastro completamente abominável como Souzândrade" e outras que evidenciam o tom raivoso do seu texto: "sandices críticas", "deveria ser jogada ao lixo", "palavra sumariamente ridícula", "múmias marqueteiras". Veja o que ele diz de um seu colega contemporâneo, ou talvez caísse melhor a palavra "concorrente": "O sr. Carlito Azevedo, serviçal mais aplicado da máfia concretista-marginalóide disse que eu era 'conservador'". A palavra "eu" perpassa toda a sua "carta". Sinais de egocentrismo? Talvez.Tem mais, o poeta volta sua metralhadora irada para uma outra "panela" ou "igrejinha" que não a sua: "(...) e agora, a 'verdadeira' poesia é a dos srs. Bonvincino, Azevedo (Carlito, de novo!), Asher (Nelson), ou outras covardias pasteurizadas(...)". Sobraram lascas até para os saudosos Leminski e Ana Cristina César. O poeta até que tem certa razão em alguns dos seus queixumes e críticas. Por exemplo quando faz referência a uma tal "ditadura Cabralina" . Mas é preciso respeitar e reconhecer a importância, e a relevância, dos poetas concretos, bem como reconhecer o trabalho de "formiguinha" dos poetas marginais ao difundir e divulgar a poesia moderna, ao longo das últimas décadas para o grande público, normalmente avesso à poesia. Os marginais certamente poderiam dar-lhe o troco rotulando-o de poeta burguês, burocrata ou coisa do gênero. E reduzir suas críticas aos seus iguais a intrigas próprias da corte. É preciso deixar de lado o rancor. O "mercado" da poesia é restrito e está saturado. Tem muita oferta para pouca demanda. Talvez por isso existam mesmo as "máfias" apontadas pelo sr. Bueno. Talvez não cheguem a ser máfias, mas parece haver uma disputa fratricida pela hegemonia dentro de um mesmo cânone. Escuta-se o alarido das "panelas" na cozinha da literatura brasileira. Então, na linha da teoria da saturação do "mercado", é natural que os "produtores" disputem potenciais "consumidores" à tapa numa baixaria e grita que em tudo se assemelha às estratégias de marketing nas feiras livres. Essa é, talvez, uma visão viciada de economista. Ossos do ofício. Fazer o quê? Os poetas, como de resto os intelectuais, são como mordomos de mendigos. Em um país que beira a indigência - cultural, inclusive - perdem-se numa erudição leviana ou numa soberba letrada. Ardem, sem perceber, nas fogueiras das vaidades das academias ou dos Cadernos B, Caderno 2 e Ilustradas da vida. Parecem pregar a um deserto de almas, digo de leitores. É pouca platéia para muito pregador. Mas apesar disso - e louve-se a iniciativa - o JB deu duas páginas do seu Caderno B ao poeta. Teria sido a gentileza de alguma amigo editor ou apenas uma armadilha armada para que os poetas mostrem em público as suas vergonhas? Caro
leitor, se você nunca ouviu falar nos nomes dos poetas aqui citados, o Para
pôr um ponto final nessa conversa de comadres, ou melhor, de compadres, também
gostaria de pretensamente dar um conselho aos colegas poetas, jovens e velhos:
leiam bastante, dediquem-se com absoluta entrega e afinco ao seu ofício,
mas se preocupem também com a formação de um público leitor, como fazem os
professores e os chamados poetas marginais. Não se alinhe a cânone ou
"patota" alguma. O trabalho do poeta deve transcender os
gabinetes. Nunca é demais lembrar: o trabalho do poeta também tem um quê
de catequese e sacerdócio. É prudente finalizar com a lembrança
de um despretensioso poema do mestre Drummond : "O poeta municipal/ discute
com o poeta estadual/ qual deles é capaz de bater o poeta federal./ Enquanto
isso o poeta federal/ tira ouro do nariz". Que a poesia sobrepuje a
mediocridade. Lula
Miranda é poeta e economista baiano, e Secretário de Formação e |
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