Douglas de Almeida
Poeta visual
Escrever é como falar. é ouvir/o rumor
da língua. o ranger/d dentes stalando a bok. soltar/fonemas em
acords múltiplos/redimensionando a musik., estes são os primeiros
versos do poema que abre o livro O Nome do Vento, do poeta Zeca de
Magalhães, e que sinaliza duas das linhas mestras de sua escritura –
a força da oralidade e o não-alinhamento às normas gramaticais e às
convenções literárias.
Editado recentemente pela Secretaria
da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, através da coleção As
Letras da Bahia, O Nome do Vento é o primeiro livro do poeta Zeca de
Magalhães, nascido no Rio de Janeiro há 38 anos, atualmente morando
em Salvador. O livro traz 20 poemas escritos entre 1979 e 1994, que
traçam um perfil do poeta, que é não ter um perfil, ou melhor, é um
constante (des)perfilar-se, pois como ele mesmo diz: invento heróis
que não tenho/caminho sem direção/e descarrego canetas/para amenizar
a neurose/que meus cadernos guardam. É isso aí, Zeca pertence à
família dos poetas que não se estabilizam em fórmulas de construção
poética, que não aprisionam a poesia, ao contrário, deixam-se levar
por ela, a poesia é que dita a forma do poema.
Zeca iniciou sua estrada literária em
1980, na cidade do Rio de Janeiro, quando deixou de lado seu sonho
de tornar-se cineasta e, juntamente com o poeta Cosmar, criou o selo
“Arte Delírio Noturno”, pelo qual editou revistas literárias e
dezenas de folhetos com seus poemas. Desde esta época ZM delicia-se
em transgredir as normas da linguagem escrita, fazendo experimentos
com a musicalidade das palavras e arquitetando a grafia dos
vocábulos no papel. Em 1983 vem morar em Salvador, engrossando as
fileiras do movimento “Poetas da Praça”, que desenvolvia um trabalho
de popularização da poesia através de recitais em praças públicas, o
que reforçou a sua postura de poeta recitador, que constrói poemas
não apenas para utilizá-los no suporte livro, mas também para
deixá-los ao ar livre, para que voem com o vento e penetrem
deliciosamente nos ouvidos. Em 1987 vai para o Rio de Janeiro e
monta um “sebo” de publicações literárias, edita diversos jornais.
Em 1995 retorna a Salvador. O Nome do Vento traduz este itinerário.
Fruidor contumaz de várias formas de
arte, ZM é um poeta de imagens e sua freqüência nas salas de cinema
e em exposições de artes plásticas reflete-se em sua escritura, na
tessitura de seus poemas, nas frases entrecortadas, na colagem dos
versos, na linguagem cinematográfica, como se vê no “Poema Processo
III”: Morrer. Viver de tédio. Pessoas/passam. Prédios cinzas.
Pessoas/passam./Recuar no tempo. Balas perdidas./ Viver de
tédio./Esperanças/metralhadas.
Já em outros poemas como “Poema Beat”
e “Poema Processo I”, pode-se ver reflexos de narrativas da prosa de
alguns escritores norte-americanos do Pós-II Guerra – dos quais o
poeta é admirador confesso –, como a “prosa expontânea” dos romances
confessionais de Jack Kerouac (1922-1969) e o despojamento
estilístico das crônicas urbanas de Henry Miller (1891-1980). Um
exemplo são os versos a cidade deserta/ecoava chuva/nos meus passos
cinzentos/percorria ruas/sem saber o destino/que meu coração
percebia/em antigas civilizações. Zeca é um poeta eminentemente
urbano, sua poesia espelha os dramas e as angústias dos habitantes
das grandes cidades, que não conseguem mais se ver, perceber suas
emoções, perdidos que estão entre os carros, os edifícios, a
violência e a solidão na multidão.
Zeca, apesar de todos estes
experimentos, este pretenso intelectualismo, é um poeta lírico,
emotivo, confessional, um poeta que não camufla, que não se esconde
no “outro”, ao revés, mostra a sua cara, expõe as vísceras, sua obra
é um ato de confissão, e como percebeu e escreveu o poeta Carlito
Azevedo na orelha do livro: “Em ZM vida e obra se ajustam como carne
e sangue, impossível ferir o primeiro sem derramar o segundo”.
E, neste livro de estréia, o poeta
mostra já uma maturidade em seu caminhar pelos diversos caminhos da
estrada da poesia. Cabe a nós, leitores, seguirmos suas pegadas, ou
melhor, suas palavras: A madrugada é a morada/dos homens que não se
vendem, e, num toque heraclitiano, que/como as águas do
rio/diferem-se a cada segundo/renascendo em cachoeira.
Douglas de Almeida é poeta e diretor da
Biblioteca Prometeu Itinerante.
Leia Zeca de Magalhães
|