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Augusto dos Anjos

Albrecht Dürer, Mãos
 

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e equipe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bio-bibliografia: 

 

Poesia:

  1. A aeronave

  2. A árvore da serra

  3. A esmola de Dulce

  4. A esperança

  5. A dança da Psiquê

  6. A floresta

  7. A fome e o amor

  8. A idéia

  9. A ilha de Cipango

  10. A lágrima

  11. A louca

  12. A luva

  13. A máscara

  14. À mesa

  15. A minha estrela

  16. A nau

  17. A noite

  18. A obsessão do sangue

  19. A um carneiro morto

  20. A um epilético

  21. A um gérmen

  22. A um mascarado

  23. Abandonada

  24. Aberração

  25. Adeus, adeus, adeus! E, suspirando

  26. A praça estava cheia. O condenado

  27. Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura

  28. Agonia de um filósofo

  29. Agregado infeliz de sangue e cal

  30. Alucinação à beira-mar

  31. Amor e crença

  32. Amor e religião

  33. Anseio

  34. Anseio ("Nessas paragens desoladas, onde")

  35. Ao luar

  36. Aos meus filhos

  37. Apocalipse

  38. Apostrofe à carne

  39. Ariana

  40. As cismas do destino

  41. As montanhas

  42. Asa de corvo

  43. Ave dolorosa

  44. Ave libertas

  45. Barcarola

  46. Budismo moderno

  47. Canta no espaço a passarada e canta

  48. Canto de onipotência

  49. Caput immortale

  50. Ceticismo

  51. Contrastes

  52. Debaixo do tamarindo

  53. Decadência

  54. Depois da orgia

  55. Duas estrofes

  56. Ecos d’alma

  57. Ergue, criança, a fronte condorina

  58. Eterna Mágoa

  59. Gênio das trevas lúgubres, acolhe-me

  60. Gemidos de arte

  61. Guerra

  62. Hino à dor

  63. História de um vencido

  64. Homo infimus

  65. Idealismo

  66. Idealização da humanidade futura

  67. Il trovatore

  68. Infeliz

  69. Insânia de um simples

  70. Insônia

  71. Lirial

  72. Louvor a unidade

  73. Mãos

  74. Mágoas

  75. Mater

  76. Mater originalis

  77. Minha árvore

  78. Minha finalidade

  79. Mistérios de um fósforo

  80. Monólogo de uma senhora

  81. Monólogo de uma sombra

  82. N’augusta solidão dos cemitérios

  83. Na rua em funeral ei-la que passa

  84. Natureza íntima

  85. Nimbos

  86. No campo

  87. No claustro

  88. Noivado

  89. Noli me tangere

  90. No meu peito arde em chamas abrasada

  91. O caixão fantástico

  92. O canto dos presos

  93. O condenado

  94. O corrupião

  95. O coveiro

  96. O Deus-verme

  97. O fim das coisas

  98. O lamento das coisas

  99. O Lázaro da pátria

  100. O lupanar

  101. O mar

  102. O mar, a escada e o homem

  103. O Martírio do Artista

  104. O meu nirvana

  105. O morcego

  106. O pântano

  107. O poeta do hediondo

  108. O sarcófago

  109. Os doentes

  110. O último número

  111. Ouvi, senhora, o cântico sentido

  112. Para onde fores, pai, para onde fores

  113. Pecadora

  114. Plenilúnio

  115. Poema Negro

  116. Primavera

  117. Psicologia de um vencido

  118. Queixas noturnas

  119. Revelação

  120. Ricordanza della mia gioventú

  121. Saudade

  122. Senhora, eu trajo o luto do passado

  123. Sofredora

  124. Solilóquio de um visionário

  125. Solitário

  126. Sonetos ao pai

  127. Sonho de um monista

  128. Supreme convulsion

  129. Tempos idos

  130. Trevas

  131. Triste regresso

  132. Tristezas de um quarto-minguante

  133. Ultima visio

  134. Último credo

  135. Uma noite no Cairo

  136. Vandalismo

  137. Vencedor

  138. Vencido

  139. Versos a um cão

  140. Versos a um coveiro

  141. Versos d’um exilado

  142. Versos de amor

  143. Versos íntimos 

  144. Viagem de um vencido

  145. Vítima do dualismo

  146. Volúpia imortal

  147. Vox victiæ

  148. Vozes da morte

  149. Vozes de um túmulo


 

Ensaio & crítica


Augusto dos Anjos traduzido:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

 

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Augusto dos Anjos

 

Augusto dos Anjos

A aeronave 

Cindindo a vastidão do Azul profundo, 
Sulcando o espaço, devassando a terra, 
A aeronave que um mistério encerra 
Vai pelo espaço acompanhando o mundo. 

E na esteira sem fim da azúlea esfera 
Ei-la embalada n’amplidão dos ares, 
Fitando o abismo sepulcral dos mares, 
Vencendo o azul que ante si s’erguera. 

Voa, se eleva em busca do infinito, 
É como um despertar de estranho mito, 
Auroreando a humana consciência. 

Cheia da luz do cintilar de um astro,  
Deixa ver na fulgência do seu rastro 
A trajetória augusta da Ciência.

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

 

 

 

 

 

 

 

 

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Augusto dos Anjos

 

Augusto dos Anjos

A árvore da serra  

— As árvores, meu filho, não têm alma! 
E esta árvore me serve de empecilho... 
É preciso cortá-la, pois, meu filho, 
Para que eu tenha uma velhice calma! 

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?! 
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! 
Deus pos almas nos cedros... no junquilho... 
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!» 
E quando a árvore, olhando a pátria serra, 

Caiu aos golpes do machado bronco, 
O moço triste se abraçou com o tronco 
E nunca mais se levantou da terra!

 

 

[Leia comentário de Soares Feitosa: Um assassinato?]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Soares Feitosa, by Maura Barros de Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole, (1801-1848) The Voyage of Life; Youth

Soares Feitosa

 

O soneto A árvore da serra, um poema ecológico ou a paisagem de um assassinato? A melancolia do Poeta. Francisca, a jovenzinha, Santa Francisca

 

 

Não sei o nome correto, se Augustismo ou Augusto-dos-Anjismo, mas sei que se funda no Brasil uma nova religião. Pior, uma nova seita, cheia de fanáticos: o culto ao Poeta (se eu não botar esse pê maiúsculo, vou apanhar, por isto, taí:  Poeta Augusto dos Anjos). 

Ninguém na literatura da língua portuguesa é mais amado ou mais odiado que Augusto dos Anjos. Neste ano de 1997, eu vi com estes olhos que a terra não comerá tão cedo, o reitor Antônio Martins Filho, numa festa da intelectualidade cearense que o homenageava pelo extraordinário trabalho de editor (quase 200 títulos, a maioria, escritores da região); pois bem, vi o reitor recitar “de cor e salteado” vários sonetos de Augusto dos Anjos, entre eles, o maior deles da língua portuguesa – dizem os fanáticos – Vandalismo. O reitor tem “apenas” 94 anos e que Deus o conserve leve e fagueiro por muito mais! 

Alguém teria de mandar gravar um clip com Hélio Pólvora, outro sacerdote dessa estranha religião, recitando, também de cor e salteado, os sonetos do Pai. Ou, com o extraordinário poeta, também baiano como Hélio Pólvora, o Luís Antonio Cajazeira Ramos, a emoção plenificada quando recita o tal Vandalismo, e ainda me tem o desplante de dizer, o Cajazeira, repetindo as “catedrais”, que aquilo é mais bonito que o Navio!

Dizem que nenhum poeta brasileiro cresce mais do que Augusto dos Anjos, – pobre Bilac, este sim, o que menos cresce! Merecidamente, ambos.

Os fanáticos, com justas razões contrapõem: pior é uma outra seita, quando um certo Feitosa  — o locutor que vos fala — anda espalhando por aí que o maior poema do mundo, não é da língua portuguesa apenas; é de todas as línguas, inclusive das que ainda estão por falar, seria o certo Navio. Algum navio inédito, de Dante, de Shakespeare? Não, o Navio, de um certo menino baiano, o Antônio Frederico, dito Castro Alves. 

Bom, fanáticos de parte a parte, vamos ao que interessa: seria o soneto A Árvore da Serra,  de Augusto dos Anjos, apenas um poema ecológico, quando no início do século nem se falava em ecologia? 

 

A Árvore da Serra 

— As árvores, meu filho, não têm alma! 
E esta árvore me serve de empecilho... 
É preciso cortá-la, pois, meu filho, 
Para que eu tenha uma velhice calma! 
            
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?! 
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! 
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho... 
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma! ... 
            
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: 
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!» 
E quando a árvore, olhando a pátria serra, 
            
Caiu aos golpes do machado bronco, 
O moço triste se abraçou com o tronco 
E nunca mais se levantou da terra!

 


        Sempre achei meio exagerada a imagem desse moço abraçado ao tronco da árvore, para nunca mais se levantar da terra. Nunca gostei desse senhor Augusto. Por dever de ofício, não poderia deixá-lo de fora do Jornal de Poesia. Ali coloco a todos, desafetos inclusos, se é que os tenho — mas devo tê-los — quem não os tem?, e eles estão todos lá! 

Caí na besteira de ligar para o escritor Hélio Pólvora — isto era Bahia, de muita saudade, o mês era de junho de 1996, o Jornal de Poesia dava seus primeiros passos:

— Hélio, você tem algum livro desse chato, o Augusto dos Anjos? 

Percebi que o moço se ofendeu! Em minutos chegou lá-em-casa, Augusto debaixo do braço, foi-mo entregando (EU), e o tom era de religiosidade e devoção absolutas, e leu, de livro fechado, os 4 Sonetos do Pai. E leu Vandalismo. E leu todas as lágrimas que a sagrada emoção pode permitir a um homem. Emocionei-me com a emoção dele. 

Ele disse, já se acalmando à cervejinha corretamente gelada: 

— Feitosa, sei o divino Augusto de cor! 

Achei aquilo tudo muito estranho, mas no dia seguinte coube-me pagar a mesma pena. Eu mesmo digitei o tal Navio para o Jornal de Poesia. Era um livro velho, também pertencente ao Hélio Pólvora, com os aqueles acentos malucos de “estrêla”, substantivo, e “estrela”, sem acento, do verbo estrelar. Tive que sair corrigindo tudo, lendo, relendo. Depois de digitado, dirigi-me a uma das janelas de beira oceano – o mar revolto, era uma tarde chuvosa, o mar terrivelmente belo e forte, e caí na tentação de recitar aos berros, pra mim, pros peixes e a solidão o tal Navio. Menos pranto tiveram o mar e Hélio. 

Finalmente, todos os Navios completos, a obra poética de Castro Alves está completa no Jornal de Poesia, na Internet, para o mundo! A de Augusto também está. A de Fernando Pessoa e de Camões também. 

Sabem quem é mais lido? Augusto. (Essas geringonças eletrônicas têm contadores que acusam quantos leitores comparecem diariamente e o que lêem.) Como curiosidade, eis os mais lidos, na Internet, num universo médio de 7.000 leitores semanais do Jornal de Poesia, de todos os recantos do mundo: Augusto, Pessoa, Camões e Alves, nesta ordem. Estes os quatro grandes da língua portuguesa neste planeta, — Gaia, um corpo vivo, dizem, esta bola-semente, vulgo Terra.  

Acabemos com tanta conversa mole e voltemos ao tema principal. O soneto ecológico de Augusto dos Anjos, A Árvore da Serra, ecologia ou tragédia familiar? 

Estava eu num lançamento em Fortaleza, o Anuário do Ceará, do meu amigo Dorian Sampaio, quando em meio aos comes-e-bebes, Evandro Ayres Moura, paraibano/cearense, de grande formação humanística, a partir do velho Seminário Diocesano de João Pessoa, ele, Evandro, também pertencente a estranha seita dos Augustistas, me diz que a mãe de Augusto mandara matar a filha do vaqueiro por quem o jovem Augusto de apaixonara e que toda a amargura da obra de Augusto se devia a esse fato, retratado no soneto A Árvore da Serra — e sapecou o soneto no meio da pequena e estarrecida platéia que o cercava. 

Assombrei-me. Fazia sentido. O junquilho, aquele matinho insignificante, como se fosse um capim rústico (a filha do vaqueiro, a probezinha); e os cedros, as moças paraibanas, do coronelato dos engenhos senhoriais, Nordeste zelinsdoregueano. 

Passei um e-mail para o meu amigo Hélio Pólvora, atualmente integrando o Conselho Curador da Universidade Livre do Mar e da Mata, em Ilhéus, Bahia. Ele fez uma crônica que foi publicada no jornal A Tarde.  

Um certo Horácio, contou-me o Sânzio Azevedo, havia dito a ele que a mãe do poeta, uma jararaca, que Deus a tenha e perdoe, é que teria mandado matar a jovenzinha, Francisca, filha do vaqueiro. Que o pai de Augusto era um babaca, dominado pela mulher, que ele, o pai, se omitira, mas ficara do lado do filho; daí a presença sempre muito grata do pai na obra do poeta; daí o desamor pela mãe, ausente em toda a obra.   

Infelizmente, não há registro histórico. Diz o Envandro que o fato era do conhecimento de todos, quando ele, Evandro, jovenzinho, estudava no Seminário em João Pessoa. Botando esse “jovenzinho” em cima das costas de  Evandro Ayres de Moura (chegou a ser prefeito de Fortaleza e político de bom nome), já um velhote ainda bem conservado, mesmo assim, seminarista na década de... 30, 40, por aí.  

O próprio Horácio Almeida se deu por contente com “ouvi-dizer” e nunca se entregou, parece, a uma pesquisa histórica. Hélio Pólvora que privou da amizade do irmão de Augusto diz, na crônica de A Tarde que o dito irmão de Augusto parecia guardar segredos. 

Concluo por achar, mais uma achista, que o poeta teve mesmo o problema amoroso da perda. Concluo que os pesquisadores não levaram o assunto a sério. Imagino que fosse mesmo muito difícil, naqueles tempos — hoje, 1997, início de novo milênio, ainda deve ser impossível! — desafiar um coronel poderoso. Não se pode esquecer que os pais de Augusto pertenciam à Zona da Mata — cana e açucar — paraibanos de boa cepa, “de família” como se dizia e ainda se diz. Proprietários de engenho, sempre foi assim mesmo, uma riqueza cheia de empáfia, tradição e poder. 

Quem se haveria de meter com a coronela-mãe do poeta para “provar” que ela mandara dar uma “groja” na jovenzinha e que daquela “groja”, o aborto, a morte? E, suprema ironia, da morte, o maior poeta brasileiro! Desculpem, logo abaixo do Menino! 

Quase cem anos, a “groja”, o aborto e morte de Francisca, tarefa difícil de pesquisar. A própria família deve ter feito tudo pelo segredo.  

Santa Francisca, salve!  
        Perdoe-me dizê-lo: foi melhor assim.

PS: Ia-me esquecendo: de tanto ler esse “marvado”, começo a gostar dele; de tanto aborrecer de escutar o Vandalismo..., “quebrei a imagem dos meus próprios ídolos”, já preenchi minha ficha de inscrição na seita.

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Nelson Ascher

Augusto dos Anjos

 

Versos íntimos, 

translated by Nelson Ascher

Página do Editor
   

 

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?!  Ninguém assistiu ao formidável 
Enterro de tua última quimera. 
Somente a Ingratidão — esta pantera — 
Foi tua companheira inseparável! 

Acostuma-te à lama que te espera! 
O Homem, que, nesta terra miserável, 
Mora, entre feras, sente inevitável 
Necessidade de também ser fera. 

Toma um fósforo.  Acende teu cigarro! 
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja. 

Se a alguém causa inda pena a tua chaga, 
Apedreja essa mão vil que te afaga, 
Escarra nessa boca que te beija!

 

INTIMATE VERSES

No one attended, as you 've seen, your last
Chimera's awe-inspiring funeral.
Ingratitude — that panther — has been all
Your company, but it has been steadfast!

Get used to mud: soon it will hold you fast!
Man living among wild beasts on this foul
And sordid earth cannot resist the call
To turn himself as well into a beast.

Here, take a match. Now light your cigarette!
A kiss is but the eve of being spat,
A stroking hand, my friend, may stone you too.

If your great wound still saddens anyone,
Cast at that vile hand stroking you a stone,
Spit straight into the mouth that kisses you!

 

Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos