Eleuda de Carvalho
O pato de chita e outros bordados
17 de Fevereiro de 2006
Rodrigo Marques estréia em livro
como um escritor pronto. Fazendinha (edição Cavalo Marinho) é um
romance de aventuras para crianças sutis - sem contagem de tempo
Lê de novo, me digo. É que fui tão
rapidinho ao pote de Fazendinha que ela ainda me bole o juízo, com
seus versos de linha, sua poesia de ponto cheio, sua musiquinha de
palavras tecidas de luz. Tomo fôlego, lembro a manhã nublada de
quinta-feira, chegando na rádio e o menino na varanda com um
presente para mim. Rodrigo Marques tem jeito de quem viveu muito e
tanto leu e estudou, mas também tem este ar de travesso Peter Pan -
que felizmente não cresceu. E porque não, ele é imenso. Me entrega o
livro, recém-saído. E, repara, um livro 98% cearense (só o papel
veio de longe). Feito na Cavalo Marinho. A primeira experiência,
deles. E só repetindo as "orelhas" do Roberto Pontes pra que fique
bem claro a que Fazendinha veio: "Asseguro ao leitor estarmos diante
de um caso raro na literatura brasileira, qual seja, o da estréia
voltada para o público-infanto juvenil, porém capaz de fascinar
fatalmente o adulto, como aconteceu a este leitor impenitente". E eu
também assino ao lado.
Tudo começou com um exercício de
bordado da menina Maria, que muito depois cresceu, teve uma filha, a
Maria Vitória - a quem ensinou a bordar - e que, por sua vez, teve
um filho também, este Rodrigo. Que viu os bordados das Marias sua vó
e sua mãe, lhe sugerindo belezas em forma de palavras. E assim veio
o poema, que principia a história de Fazendinha, e começa assim,
chamando a nossa atenção: "Olha quanta cruz/ trazendo alegria!",
porque em ponto de cruz, sobre o paninho de linho, fazendinha,
existe um pomar cheio de fruta madura, "tudo de jenipapo pro ar", e
há chuva em pétalas, cachoeira, besouro, passarinho. E cabe uma
vida.
Deixa o autor se apresentar, ao modo
dele: "...foi menino de Fortaleza, do Icaraí e de muitos castelos.
Bom cavalheiro e fino conversador". Mas se sabe, ainda pelas
"orelhas" do poeta Roberto Pontes, que Rodrigo Marques é mestre em
Letras pela UFC, defendeu dissertação traçando bordados entre a
poesia de José Albano e do bardo Camões. Aposto que foi ali mesmo,
pelo Bosque, que ele deve ter se encontrado com o Mestre Jabuti e o
Passarinho Carrancudo, que são muito mas muito amigos mesmo do
mestre Horácio Dídimo - que sabe um caminho direto ao Sítio do
Picapau Amarelo, ele me levou lá. E também cruzou sob a sombra das
mangueiras com as brenhas de manguezais da Tânia Lima (aonde você
está?). O outro visitante deste livro mora num jornal de poesia
virtual, e se chama Francisco e veio lá dos Inhamuns.
Você não quer que eu lhe conte a
história, não é? Só um bocadinho? Bem... Lembra aquele poema do pato
pateta que quebrou a caneca? O Pato de Chita também. Quebrou todos
os potes da Vila, e a água da chuva nunca mais parava de correr na
fazendinha. Então a menina Maria, que por ali passava com seu
bastidor de linhas, pergunta daqui, pergunta de lá. Até encontrar o
Pato de Chita, todo enrolado com palavras em P. Até que uma
Tartaruga Enfezadinha lembra do Mestre Jabuti, que de tanta coisa
sabe. E ele aconselha os três, Maria, Pato de Chita e Toti - com seu
rabinho de algodão vermelho, a viajar à procura do Sol. Para chegar
tão longe, só mesmo a bordo do Pavão Misterioso. E para seduzir o
Sol, uma cantiguinha de viola, emprestada pelo cantador Cego
Aderaldo. Mas as rimas, mas os versos, mas tudo o mais, neste
palimpsesto das alegrias, é coisa da cachola do Rodrigo, que brinca
com textos alheios e eles são seus.
Ei, ia me esquecendo, como pude? No
meio do caminho tinha um garoto de Itabira, montado num Boitempo,
menino-anjo Carlos, fazendeirinho do ar... E então é voltar pra
casa, pra esta gentil Fazendinha de linha, de pano, de bordado, de
poesia, de amigos, de saudade.
SERVIÇO
FAZENDINHA - Rodrigo Marques. Ilustrações de Vó Maria e Maria
Vitória. Edição Cavalo Marinho, 92 páginas, R$ 22. À venda nas
livrarias da cidade e na própria editora e livraria Cavalo Marinho
(rua Senador Pompeu, 2764-B, Benfica, próximo à av. 13 de Maio). Inf.:
3214.5288 ou pelo e-mail cavalomarinhoeditora@uol.com.br.
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