Edna
Menezes
Noite de São João
A menina Isabel
esperava ansiosamente o mês de Junho, pois com ele chegavam as
festas juninas, festas religiosas muito importantes para as pessoas
do interior. As noites se iluminavam na pequena cidadela do interior
de Mato Grosso do Sul. A cada dia de Santo era uma festa, uma
fogueira, uma reza de terço e muita dança.
Porém, em sua
casa, uma meia-água, onde vivia com seus pai e a avó paterna, não se
fazia festa, o pai era muito rígido, dizia que essas festas eram
coisas de gente que gostava de assanhamentos e usavam o Santo como
desculpa. Mas Isabel achava tudo muito bonito, mesmo porque naquele
mundo de meu Deus a menina não conhecia mais nada além dos descritos
nos livros. Esses eram seus companheiros inseparáveis, que ela lia e
criava um mundo conforme sua imaginação lúdica. Dia de festa, mesmo
que na casa do vizinho, era uma versão de vida, uma nova descoberta.
Do outro lado da
estreita rua esburacada moravam os festeiros vizinhos, o chefe da
família o Sr. Armindo (o vô ), a D. Sebastiana (a vó), D. Chiquinha
(a biza) e as meninas, que na época já eram moças feitas. Família
extremamente católica, com uma tradição rigorosa nos preceitos
religiosos. O Sr. Armindo, ministro da Igreja, ajudava o padre nas
missas, quando era possível a presença de um, nas ocasiões
especiais, quando não era, ele fazia sua parte: abria a Igreja e
recebia os fiéis para as rezas. A vó Bastiana, crocheteira de
primeira, fazia lindas peças com sua agulha, que até parecia mágica,
um verdadeiro cajado de Moisés. Foi com ela que Isabel aprendeu
alguns pontos na arte do croché. A vó Chiquinha também crocheteava e
contava histórias para as crianças, sob uma frondosa mangueira. As
moças, eram quatro, todas trabalhadeiras e estudiosas, três delas
eram professoras, inclusive, era com elas que a cada ano a pequena
vizinha adquiria mais conhecimento escolar. Estimularam Isabel a
crescer para a vida através dos livros.
Devido à sua
religiosidade, D. Sebastiana fez, em sua juventude, uma promessa a
São João Batista. O voto consistia em fazer, durante o mês de Junho,
uma peregrinação pela região, levando uma bandeira com a imagem do
Santo. A peregrinação iniciava-se no primeiro dia do mês e parava no
dia vinte e quatro, data comemorativa do Santo, com uma festa. E
assim era feito todos os anos.
Quando Isabel e
sua família mudaram-se para aquela rua, esta tradição já existia e a
amizade entre as famílias arrochou laços. Naquele ano de 1970 os
preparativos começaram cedo, enquanto a peregrina andava a cumprir
sua promessa, as vizinhas ajudavam as meninas e a biza nos
preparativos dos doces e é lógico, o quentão de pinga com gengibre.
A fogueira era levantada de forma quadrada e firme, alta o
suficiente para uma boa noite de danças e batizados em volta, sem
falar nas pessoas que andavam sobre as brasas. Segundo o costume se
tivessem bastante fé não queimariam os pés. Os incrédulos queimavam,
mas não admitiam e saiam pisando as bolhas em silêncio.
À noite, mesa
posta, repleta de doces: doce de batata e de coco, bolo de fubá ,
pipoca e amendoim torrado, começavam a chegar os convidados.
Vizinhos e amigos que receberam a visitante e também doaram alguma
coisa para a festa, no dia da passagem da bandeira. Logo a fogueira
é acesa e o fogo sobe em labaredas, beijando o azul do céu. As
bandeiras de folhas de revistas e papel colorido tremulam ao vento
frio da noite. Começa-se o terço. Os adultos rezam fervorosamente,
as moças também rezam, com pressa, mas rezam. Ao terminar a reza as
comadres vão contar causos e as moças vão para o quintal beirar a
fogueira.
Aí, principiam
as brincadeiras. As crianças há muito já brincam de esconder
varinha, pega-pega, pique, de escorregar no pau de sebo e outras
tantas. A brincadeira das moças é mais de vera, começam por uma boa
quadrilha de fitas em volta do pau da bandeira, depois uma outra
quadrilha onde os moços fazem a corte às damas. Em seguida começam a
brincaria do papagaio louro. Esta é interessante, dizem que a
maioria dos casamentos da região iniciou-se com ela.
A brincadeira
acontece assim: as moças fazem uma roda, permanecendo uma ao centro,
normalmente uma das mais jovens, ao som das palmas cantam o seguinte
refrão: “Papagaio louro do bico dourado, leva esta carta pra meu
namorado, ele não é feio nem homem casado, é rapaz solteiro, lindo
como um cravo”. Quando terminam de cantar pedem um verso e se a
menina não se lembrar de nenhum lhe é imposto um castigo, que
consiste em levar uma mensagem para algum rapaz, e assim vai-se a
roda.
Isabel achava
tudo isso muito divertido, mais ainda quando chegava ao final da
noite e iniciavam os batizados, estes eram deveras interessantes.
Muitas pessoas nem se conheciam até então, e passam a ser compadres
e comadres no calor da fogueira e do quentão. O batizado é um
verdadeiro ritual. Quando cessa a pressão do fogo, sobram pequenas
toras fumegantes e muita brasa de vermelho vivo, aí sim, está na
hora do apadrinhamento. O pai ou a mãe, juntamente com os compadres
pegam a criança no colo, se ela for pequena, se não, pega-se pela
mão e roda em volta da fogueira falando algumas palavras seguidas de
muita reza. Os pais e os padrinhos se saúdam, põem a benção no
afilhado e pronto, está feito o batizado E assim vai noite adentro,
muita reza, muita comida e muita alegria. No final da festa os
visitantes levavam para casa as cinzas da fogueira, para usarem como
remédio, pois dizem que a cinza benta pode curar vários tipos de
dores. Levavam também pedaços de carvão ou restos de toras
queimadas, como símbolo de crendice. Acreditavam que em caso de
tempestade ou como diziam, chuva brava, era só atear fogo neles e
rezarem uma boa reza que a tempestade ia-se embora. No final da
noite a fogueira vai se desmoronando, com ela a alegria de Isabel,
que percebe o quanto tudo é efêmero, até um dos mais fortes
elementos da natureza.
Com o fogo
vão-se suas ilusões daquele ano, vã esperança que ela nutria em
participar de toda essa alegria, de chegar perto da fogueira, de
brincar de roda e, porque não, talvez comer um doce e rezar um
pouco. Mais uma vez Isabel não participou da festa, foram-se o fogo,
as pessoas, a bandeira, os balões, os fogos de artifício e até as
estrelas do céu. Como sempre, a menina assistia a tudo pela fresta
da janela de seu quarto.
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