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Enéas Athanázio


 



A selva na poesia



 

 

Poeta de renome, Aricy Curvello também exibe um lado desbravador e viajeiro. No período em que residiu em Porto Trombetas, no noroeste do Pará, intuiu desde logo que ali estava uma região virgem para curiosas e interessantes pesquisas, em especial no campo arqueológico. Iniciou, então, atentas excursões pelas perigosas bordas da floresta, andando pelas margens desertas do Lago Batata, enfrentando a lama, os espinhos, as cobras, os terríveis insetos, as chuvas repentinas, o sol inclemente e até as chacotas de alguns colegas “pragmáticos”. Não tardou a encontrar materiais arqueológicos, cerâmicos e líticos, de evidente valor científico, salvando boa quantidade de peças, fato registrado, na época, pelo “Jornal da Vale” (Cia. Vale do Rio Doce) e pela revista “Manchete” (Rio de Janeiro).

Nessas buscas solitárias, juntou cerca de 450 peças de cerâmica e 15 de pedra, inclusive um ídolo valiosíssimo. Num ato de puro desprendimento, doou o conjunto de achados ao Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foi submetido a todos os testes científicos de praxe e devidamente autenticado. O curador do Museu, arqueólogo Carlos Magno Guimarães, constatou que os objetos pertenciam à cultura Konduri, uma das três mais importantes culturas pré-históricas da Amazônia brasileira e que lá floresceu do século I ao século XV de nossa era. Para complementar o trabalho, o arqueólogo elaborou minucioso ensaio analítico e descritivo do material, analisando e descrevendo cada peça (material, dimensões, configuração, resquício de tintas, presumível idade, etc.), além de estabelecer suas finalidades e seus objetivos mais lógicos. O ensaio foi publicado, em 1985, com todas as ilustrações nos “Arquivos do Museu de História Natural da UFMG”. Em 1992, o cientista francês André Prous, um dos maiores conhecedores da Pré-História brasileira, estampou diversas peças da coleção no importante livro-guia ou livro-síntese “Arqueologia Brasileira”, a ela fazendo várias referências. O ídolo de pedra (esteatita) é a vedete do conjunto, existindo apenas doze conhecidos, dentre os quais este tem as maiores dimensões.

Diante da importância documental e da grande variedade, o conjunto foi considerado uma “Coleção”, recebendo o nome de seu descobridor, Aricy Curvello, e integrado em definitivo ao acervo arqueológico do Museu e, em conseqüência, à arqueologia nacional. Com a publicação do ensaio e das referências em importantes obras especializadas, a comunidade científica tomou conhecimento da Coleção e dos novos elementos de informação que ela veio trazer sobre a cultura Konduri. Desde então tem sido visitada, estudada e admirada pelos estudiosos de vários ramos da ciência, alunos de todos os graus e curiosos em geral. A sensibilidade própria dos poetas revelou, mais uma vez, que vale seguir a intuição, mesmo porque ela às vezes funciona como a inspiração que leva ao poema. Nessa época, Aricy Curvello compunha o poema “O Acampamento”, uma de suas mais festejadas criações. Por inexplicável coincidência, seu nome se ligava para sempre à ciência, enquanto esse belo poema o prendia com laços permanentes à Amazônia e seus mistérios. Era a mestra vida tecendo em silêncio os seus insondáveis fios.

Como nasce o poema ?
 

O mecanismo que faz nascer o poema na mente do poeta é um dos maiores mistérios da criação literária . Onde germina a idéia, como se forma, de que maneira o sentimento e a técnica se unem para colocar em palavras as idéias são perguntas que nunca encontraram respostas satisfatórias . Estudiosos de várias áreas têm investigado a questão e os poetas, tantas vezes surpresos diante da própria obra, rebuscam em si mesmos as explicações. Aricy Curvello, um dos mais expressivos poetas das novas gerações, autor de vários livros e colaborador de importantes revistas literárias do país e do exterior, também se submeteu a esse questionamento e escreveu, talvez para ele mesmo, as conclusões a que chegou.

“Estou chegando à conclusão - diz ele - de que a verdadeira história de um poeta é a história de seus poemas, não a sua biografia pessoal. O curioso é que há poemas que caminham sozinhos, que criam suas próprias trajetórias. Parece que a poesia vem de mais fundo do que julgamos”. Lembra, então, o instigante caso de seu poema “O Acampamento”, de 1975/1976, que ilustra muito bem a hipótese. Esse poema – continua o poeta - “é algo assim, desses fatos que não se consegue explicar racionalmente”.

Relembra, então, que trabalhava na Amazônia, em Porto Trombetas, onde conseguiu salvar boa quantidade de materiais cerâmicos, de grande valor arqueológico e científico, em sucessivas e silenciosas expedições pelas bordas perigosas da floresta e pelas margens desertas do Lago Batata. Objetos suficientes para constituírem uma coleção, depois doados ao Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, onde foram catalogados e descritos pelo arqueólogo Carlos Magno Guimarães, bem como fotografados, em estudo publicado em revista especializada. O conjunto foi batizado de “Coleção Aricy Curvello”, integrando hoje o patrimônio arqueológico nacional.

O curioso, no aspecto literário, é que esses fatos se ligavam, de forma inconsciente, à composição do poema acima referido e que se formava dentro dele. “O que ninguém sabia até há pouco tempo - informa ele – é que só me dispus, àquela época, a entrar pela floresta por causa da composição desse poema, estava escrevendo-o (mentalmente) naquele semi-transe que a busca da poesia às vezes provoca. Esses poemas que parecem ter um destino incomum - dói-me dizer - são aqueles feitos, não de conteúdo racional e lógico, mas de uma massa mágica de dons mesclados com significados anímicos, quase primitivos em nós, que não somos tão civilizados quanto parecemos”.

Além do fato de que o poema o ligou para sempre à Amazônia, observa ele que “O Acampamento” nunca cessou de se mover por si próprio. Ganhou as páginas de livros, revistas, suplementos e jornais. Mereceu aplausos da crítica e dos leitores, inspirou escritores, provocando neles aquela “descarga elétrica” que impele à boa produção. E nada indica que tenha encerrado sua caminhada, muito pelo contrário. Outras publicações irão levá-lo ao coração dos leitores, onde ficará guardado para sempre.

(Enéas Athanázio é autor de uma vasta obra, somando 35 livros. Detentor de vários prêmios literários. Eleito o “Escritor Catarinense do Ano 2002”. Ex- Presidente da União Brasileira de Escritores -UBE/SC.)
 



Aricy Curvello
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14/09/2005