Enéas Athanázio
A incrível e triste história da sogra
Cândida e seu genro desalmado
Sempre no
elevador, eu encontrava aquele casal. Bem mais velha, ela aparentava
ser uma pessoa frágil, talvez doente, embora sempre bem vestida,
maquiada e penteada. Ele, ainda moço, revelava certa impaciência com
a mulher, tratando-a com alguma rispidez. Captando fiapos de
conversa, entendi que se tratava de uma sogra e seu genro; creio que
este ia buscá-la, todos os dias, para o almoço.
Numa dessas
ocasiões, depois de se queixar de dores, a mulher observou que
chuviscava e ela tinha deixado a sombrinha em casa. Ora, retrucou
ele, se estava tão doente, tanto faria morrer seca como respingada
de chuva! Foi isso, pelo menos, o que entendi, ainda que dito com ar
de troça, mas ela não respondeu.
Em outra
ocasião, saindo à rua, o genro foi logo embarcando no carro e nem se
deu o trabalho de abrir a porta para ela. Contrariada, a mulher mal
havia entrado e o carro já arrancava com muita pressa, enquanto ela
ainda se ajeitava no banco.
As pessoas que
estavam por ali, contemplando a cena, devem ter pensado que nem
mesmo uma sogra mereceria semelhante tratamento. Mas o fato é que lá
se foi a sogra, cujo nome desconheço, e por isso estou rebatizando
de Cândida, como a célebre personagem de García Márquez, a quem peço
licença. Com ela ainda se firmando no banco, ao lado do genro
desalmado, o carro dobrou à esquerda e se misturou ao trânsito.
Em outros dias a
cena se repetiu. A sogra se queixava de suas dores e achaques, o
genro retrucava com desdém e agia com frieza. Tanto eu como as
pessoas que assistiam tomamos em silêncio o partido de quem nos
parecia tão fraca e maltratada – a pobre sogra. Passamos a ver o
genro com maus olhos, votando-lhe muda e unânime antipatia.
Um dia, quando
descemos, tudo aconteceu mais uma vez. No saguão, depois que a sogra
e o genro saíram, comentei o fato com o porteiro, perguntando-lhe
quem eram aquelas pessoas e as razões do mau tratamento. Funcionário
antigo, ele conhecia todas as pessoas do prédio e das redondezas,
além da vivência de cada uma. Deu uma risadinha malandra e revelou o
grande segredo:
“É que ela passa
as noites no carteado, fumando e bebendo uísque. Perde muito
dinheiro, fica nervosa e depois vive se queixando de doente...”
|