Elaine Pauvolid
Psi, a penúltima
Já escrevi a respeito dos poemas de Soares Feitosa
que me chegaram via e-mail. Estão no texto: Um ensaio sobre poesia,
disponível no Jornal de Poesia. Agora, faço um breve comentário a
respeito do livro de autoria do poeta: Psi, a penúltima. Traz a
letra grega em maiúscula e minúscula na capa, o bem e o mal na
cultura católica. O livro é repleto de menções ao sagrado.
Muito ligado à religião - o poeta foi seminarista, o autor deixa
espargir sua fé nos versos, aproximando-se do estilo do barroco
brasileiro. Pois foi no barroco que os artistas católicos mais
gritaram, onde a fé mais se aproximou da arte, ainda que Nietzsche
tenha dito ser impossível a existência de uma arte religiosa.
Exemplo de poema religioso onde é possível visualizar
grande espiritualidade é o “Talvez outro Salmo”. Não se trata de
catequese, nem de anúncio da boa nova, mas do alcance de uma
sabedoria tão elevada que prima pelo mistério de não nos pertencer.
Impossível não lembrar das sete capelas de Alejadinho,
Congonhas, Minas Gerais, nem dos profetas sabiamente dispostos na
basílica dos Matosinhos. Sim, Minas, pois Ceará e Minas Gerais são
os dois lados de uma mesma moeda, a antítese um do outro, a
maiúscula e a minúscula se revezando numa letra grega. Tocam-se pelo
registro histórico do período colonial e pela presença dos jagunços
com o coronelialismo.
Serve como matéria-prima para o sensível poeta, que
começou sua lavra literária a partir da maturidade, o registro das
famílias que deixaram seus rastros em fotos carcomidas pelas traças
contemporâneas e daqueles tempos.
Traz prefácio de nosso maior poeta vivo, Gerardo
Mello Mourão, também católico e ex-seminarista. Não é aleatória a
união uma vez que nos traços de Soares Feitosa vêem-se nítidos os
traços de Gerardo Mello Mourão como no poema “Convite à flor”.
Diferem-se, entre outros motivos, pelo fato de o estilo de SF
aproximar-se do coloquial. Além disso não chega a ser epopéia
clássica, seus heróis e bandeiras são apenas personagens que se
igualam em importância aos personagens de suas fábulas, como
acontece no belíssimo poema: “Lua de Março”
Alguns versos
Citemos alguns trechos das poesias de Soares Feitosa:
“Nenhuma grande chuva/ jamais encheu/ o mar;”
A função da arte é alcançada. Soares Feitosa se
comunica com o leitor através de imagens pertencentes ao imaginário
ocidental, ao mesmo tempo que destaca o imaginário local de sua
terra afligida pelas grandes secas. Depois prossegue:
“nenhum seca do Ceará conseguiu baixar/ o nível das águas/ deste mar
oceano;”
Apenas um elo de ligação para a explosão de lirismo
que segue:
“logo,/ esta lágrima súbita/ neste mar salgado, é inútil/ como
volume”
Grande atenção deve ser dispensada ao poema
“Balançando devagarinho”, neste Soares Feitosa mostra seu lado mais
criativo, fazendo do poema um jogo sensório.
Outro aspecto digno de nota é o fabulatório aliado ao
teatral. O poema Psi, a penúltima traz este registro muito bem. Nele
o poeta exercita sua capacidade de cidadão e de artista, juntando um
recorte de jornal e a partir deste criando uma situação de fábula
entre o bem e o mal, a verdade e a mentira.
Os diálogos e a presença de um olho que tudo vê, o do
narrador, o personagem que engendra toda trama insere este poema na
categoria de um texto passível de encenação, de um texto passível de
tornar-se um texto teatral. É sem dúvida o melhor poema do livro.
“Canto I
Dominando a serpente
Na página anterior,
Sintetizei os jornais,
Mostro o pau e mostro a cobra
De chocalho,
Dezesseis enrusgas
Contei e guardei
Consertava...”
No mais é ler o livro** e conhecer mais de perto o
produtor e editor do Jornal de Poesia que tanto enriquece o cenário
da poesia atual.
*Elaine Pauvolid é poeta e escritora autora do livro
de poesias: Brindei com mão serenata o sonho que tive durante minha
noite-estrela...(Imprimatur/Sette Letras)
** Feitosa, Francisco José Soares, PSI, a penúltima.
Salvador. Papel Branco. 1997
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