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Aníbal Beça


Fortuna crítica: Eugênia Turenko Beça

Estrutura e Dialética no Itinerário Poético de Aníbal Beça
 

O livro Itinerário poético da Noite Desmedida à Mínima Fratura, mostra grande coesão temática. Desde a apresentação até aos poemas dedicados percebe-se um clima denso e dramático.

O prólogo que inicia na "inevitável noite que em si é dia", na "partitura agônica e ferina", revela ao mesmo tempo a dialética e as vicissitudes do ser no mundo. A existência é colocada a nu. Esse despojamento impressiona pela emoção que transmite. É evidente a energia transmitida na obra, concordando com Ezra Pound, referindo-se à emoção, ao afirmar que a poesia é que tem maior carga de energia. De fato, em cada verso, em cada imagem, encontra-se uma intensa catexia objetal. Quando o ritmo do poema, a melódica vocálica e consonantal ou a seqüência parecem ostentar verdadeiramente a marca da emoção que o poema pretende significar, pode-se dizer que a obra é boa. Na expressão poética a emoção aparece na intenção de se comunicar. Ora é uma idéia mais emoções concomitantes, ora uma e suas idéias, ora uma impressão emotiva. Difícil entender poesia sem emoção.

A dificuldade da arte poética reside em comunicar ao leitor a intenção emocional., dentro de um "complexo intelectual e emocional"(Pound) harmonioso. Na poesia de Anibal Beça, o uso hábil da metáfora e da metonímia, pode ser entendido como uma "finalidade de compreensão, uma rapidez, uma quase violência, e certamente uma vividez". (Idem). A poesia deve possuir uma pungência. Certamente tudo isto se observa na obra do poeta aos 40 anos, que atingindo a máxima eficiência de expressão, testemunha a verdade e comove o leitor.

Nesse livro encontram-se os traços apontados por Hrapchenko: A síntese das propriedades do objeto, na fusão do emocional com a representação da realidade e finalmente a condução ao novo e insólito, que altera e modifica as representações cristalizadas da realidade. No imaginário do poeta, há um desvio da realidade, para levar em seguida a uma aproximação da mesma, segundo G. Rodriguez Rivera em "Sobre la História del Tropo Poético". Essa contradição traz em si a força criadora da atividade imaginária. O separar-se da realidade (metáfora-significado-significante) para penetrá-la, é o jogo metafórico. A metáfora tem sua conotação dentro da dinâmica dos significados-significantes. Todo fluir de comunicação representa também uma dialética própria. Pode-se estudar uma obra poética, segundo os pressupostos de Kopnin, sob uma perspectiva sincrônica. Entendendo-se estrutura como uma urdidura dinâmica de metáforas em constante tensão de significados, e dialética o jogo das metáforas em contradição, surgindo a cada resolução o novo.

Ideário poético
 

Poema de circunstância onde o poeta se auto-proclama poeta e diz do seu itinerário, poema que abre o livro, é um rito de passagem para a idade madura. A auto-proclamação exige vivência e auto-crítica. É um balanço de quem ingressa em outro tipo de umbral de vida. Um olhar para trás. Uma avaliação por vezes irônica "nunca me queixei ao bispo"... coloca de modo contundente o sentimento de quem atinge os 40 anos: "Quarenta anos já vivi / Quarenta anos eu purguei / Sem contar outros quarenta / Dos poemas que tracei./ (...) "Quantos mais eu viverei?" A interrogação afronta a vida e se joga para o futuro. Este poema é inventário e testamento: Qual dos filhos amargará a sua sina? Ao mesmo tempo universal e particular, em sua circunstancialidade, emociona pela perpetuação da universalidade.

Prólogo
 

No prólogo há um alerta para a entrada do labirinto negro da noite do seu canto. Dialético desde o início ao reconhecer a noite que em si é dia, avisa dos perigos da viagem que começa: a partitura é "agônica e ferina". No seu atormentado universo, aparece o estilete ferindo a noite que sangra em inversa tessitura. O percurso pela noite é a travessia de um labirinto negro, iniciando no rubro poente a uma aurora que é lívida ferida. A paixão e o tormento depressivo são jogados em imagens muito vivas e duras, na inversa urdidura do universo. O princípio da noite se dá em caminho negro de hora infinda. O canto noturno é em ocarina cujos sons são vibráteis como o pranto. A conjunção das contradições noite-dia/aurora-poente, desemboca na metáfora maior implícita: Morte-vida/sangrar, dor, labirinto negro, infinda hora, partitura agônica, ferina, noite/dia, raio, aurora. No prólogo, com um predomínio nítido das metáforas morte, Tánatos vence, indicando o caráter cíclico da obra.

Coplas: Uma viagem sob o signo da totalização
 

Se é que se pode falar em clima, em "feeling" na poesia, pode se dizer que trata-se de uma poesia dramática. Sente-se uma catarse no sentido de que dominado pelo verso atinge o autor emoções mais autênticas. Não se trata porém de poema confessional, e sim daquele mesmo caminho iniciado em "Poema Cíclico" do livro Filhos da Várzea. Ele não só observa/relata, como também se enforma no texto, levando assim o leitor a participar do seu eigenwelt. Em vez de dizer o poeta fala, o poeta vê, deve-se dizer o poeta vive. O seu desenvolvimento, a sua nudez, o mergulho em busca do self, ultrapassam o ruído da comunicação interpessoal e estabelecem a empatia. A maturidade que o faz aceitar o princípio da realidade na existência, permite essa aproximação mais despojada. Daí a sua contigüidade com a universalidade do ser humano: Herói/bandido, fraco/forte, amoroso/odioso etc. Em todas as coplas, desvela-se essa imagem do homem humilde diante do desconhecido, do amanhã, em seu itinerário. A simplicidade/complexidade da vida é mostrada nessa trajetória.

O autor ultrapassa a estrita preocupação formal, e embora dentro de uma métrica precisa, atinge uma liberdade total, reatualizando uma forma classicizante: A copla. E sob esse sopro, renovador, corporifica-se a tensão vida versus morte, imagem constante e totalizadora do seu discurso poético.

A totalização do poema, aparece com um fluir temporal (diacrônico), e como organização (sincrônico) dentro da estrutura significado/significante. Se em vez de parar no tempo e na hierarquização (distribuição dos elementos), enfatiza-se as relações dinâmicas do poema e os processos que o constituem, o todo aparece como estrutura. Anibal Beça pela plasticidade imagética, pelo fato de referir-se ao interior/exterior do estruturado e pela possibilidade de formalizá-lo, alcança esse conceito de totalização. A totalização se converteu em uma categoria epistemológica. Em função dessa categoria podem ser explicados fatos físicos, psicológicos, circunstanciais e problemas sociais. Von Bertalanffy, T. Parsons, Levi-Strauss, Althuser e outros, são taxativos: "A estrutura deve considerar-se como uma modalidade fundamental".

A viagem começa pela noite, onde desfilam todos os seus habitantes. O início do passeio pelo mundo nos leva dentro de angústias e seres até a madrugada com o "rufar de rubros tambores" do sol. Dentro dessa mesma temática noturna, estão as Coplas dos Sonhos, de uma visão mais introspectiva. Seria a referência ao "interior" da estrutura da noite. O poeta se angustia com os sonhos que o atormentam e observa-se fora do seu corpo (heautoscopia). "Como um punhal a noite se fincava" descreve o pesadelo e os terrores noturnos: "Agora em que meus pés andar não podem/ grudados cogumelos dessa estrada/ que se encolhe e se estica nos meus olhos/ como um fole soprando a minha inércia". A estrutura interior/exterior se clarifica na imagem "caixa de oca transparência" de onde retira "teu coração tão terno em que me abrigo".

Continuando a conformação estrutural da noite, apresenta as Coplas da Escuridão. Nessas coplas sem ser engagée assume o seu discurso político. Anibal Beça mostra a sua posição política em versos cáusticos: "As minhas sentinelas são baratas/ sempre atentas às botas de pisar./ Estas mesmas que esmagam os meus dedos/ neste cioso ofício clandestino." (...) "Hoje é dia de choque e pau-de-arara/ amanhã será dia de massagens/ Amaciando o lombo com porradas/ dos cassetetes - ágeis bailarinos." Termina o ciclo noturno em Coplas das Manhãs que trazem a claridade.

A dialética nas Coplas
 

A luz/sombra, fortes no estilo do poeta, sempre se sobressaem em sua dialética. Em cada copla essa contradição se resolve, esperando a chegada de um novo ciclo. Em Coplas do Equador há um momento de reflexo. A viagem agora é um auto-conhecimento: "É deste rio que vaza dos meus olhos" (...) "corroendo roída rosa cáustica". Mais uma vez aparece a urdidura dialética e dinâmica: Tempo dividido e tempo divisor. Uma cosmovisão sob o signo da totalização" Eu/outro, dividido/divisor. O autor introjeta o seu percurso e navega os rios de si mesmo. A viagem desesperada nos traz um alívio onde, por fim, "os ventos cilícios" sussurram segredos de uma saudade "veleiro que desfaz meu desespero".

Em Coplas das Águas, retratando a natureza e o seu povo, escapa do regionalismo linear e simplório, passando de modo universal toda a força da trajetória: O rio tem no seu fim o seu começo.

Na comovente Coplas de Agro há um aguçamento do seu caráter telúrico: O braço é uma enxada e dos pés brotam flores silvestres; e uma exacerbação da contradição morte/vida: "A cada madrugada me levanto/ sabendo que em meu dia nada muda"(...) "Como um bicho acuado numa grota/ que não se entrega fácil para a morte."

Em Coplas de Viajor, confirma a peregrinação e identificação com o rio "que é meu tormento"(...) "Andarilho onde vais, qual teu destino?" O caminho se interroga e passa pelo rio interior/exterior, tão próximo/longe.

Nas Coplas da Urbe, parte de uma visão moderna da sua cidade, sufocada por asfalto e robôs: "E a multidão descendo as avenidas com seus pés pneumáticos alígeros/ ajusta seus transistores e válvulas/ como robôs anônimos e em série"; a uma concepção bucólica da mesma cidade antes: "E a mansa vida de ócio nas varandas/ cadeiras nas calçadas se embalando/ conversas infindas sob copas verdes/ dessas mangueiras desaparecidas." Nestas coplas, observa-se uma visão sensorial sem chegar a ser saudosista, onde o poeta atinge a máxima eficiência de expressão do seu universo lírico: "Mesmo cerrando os olhos eu te achava/ pelo cheiroso cheiro dos teus frutos/ pelos teus sons de sinos tão monótonos/ das carroças nos paralelepípedos."

É em Coplas de Virgo, onde se revela amante "Ah, duração de gozo interminável/ onde o tempo é objeto sem valor/ pois o moto maior de todo amante/ é um antigo relógio sem ponteiros.", que o poeta atinge plenamente uma finalidade de compreensão emocional. A vividez e a pungência de imagens afloram: "E éramos sós, o vôo da paisagem/ em duas asas alargando a noite" (...) "Amarantíssimo ansiar de chamas/ fuga fugaz em tempo de equinócio" (...) "Que vibrem as cigarras de setembro/ instante de pálpebras frementes." Ainda nestas coplas é nítida a emoção poética e a capacidade de comunicar a intenção emocional. Anibal Beça deixa a sua marca: "Ah, o lobo da memória me assaltando/ a devorar auroras e crepúsculos/ mas me salva este mar da lua espelho/ onde liberto sou e recomeço."

Em Coplas do Mar a essência poética da série imagética mar, se atualiza em todo o seu vigor de criação. O poeta que só tem compromisso com o ato poético realizado no tempo correto (é lógico) nem antes nem depois, se metaforiza em forma de mar: "Acaso fora deste mar a herança/ que me acompanha densa e tão salobra/ e que me faz assim de convivência/ amargurada - rocha impenetrável?" (...) "Vão adernando cascos de faluas/ embandeirados fustes de coral./ E os meus pulmões são mares dessa alfombra/ a traçar espirais como as medusas." O discurso poético atinge o real, através os níveis imaginários e simbólico: "As impressões se vão tomando forma/ nesse esqueleto de algas e águas vivas/ apenas superfície deste mar/ de abrolhos e suplícios da minha alma." (...) "Pois que no escuro fundo nem me atrevo/ submergir a tanta ocultação./ Nem fico a perscrutar os meus fantasmas/ que revelam-se em noites enlutadas." Aparece aí o nível real-Morte, quando o poeta senhor da morte, conclui em seu discurso que apesar das calmarias e da trégua o seu sobre VIVER é mar revolto.

Coplas das Manhãs: a força da metáfora búfalos
 

Anibal Beça consegue transmitir em Coplas das Manhãs uma intensidade de emoções que arrebatam. O clima denso, dramático, cria uma empatia instantânea pela universalidade do tema. O autor em sua plenitude desvela o seu UM-WELT de modo apocalíptico. No eixo estrutural de Coplas das Manhãs, percebe-se o tecido formado por todos os significantes de búfalos e ao mesmo tempo, a dialética do claro/escuro, da manhã que chega e vai findando. Mais uma vez completa-se o ciclo. Forte o poema, fortes as imagens.

O significante búfalo em sua conformação estrutural búFALO, evidencia a presença/ausência, e traduz pelo jogo do afastamento/aproximação o sentido da perda original do objeto: BUracoFALO. A metáfora búfalo tem um sentido rico: O anúncio de algo novo que vem pelo vapor das narinas, tem forte matiz ameaçador trazido pela cadeia imagética de búfalos. O vapor das narinas, neblina das manhãs, apresentado pelos búfalos, é prenúncio universal do temor diante do novo. (Misoneísmo).

A dialética do poema é a luta da vida e da morte, do sujeito/poeta diante dessa inexorabilidade. O poema é colocado em sua tessitura como se fora a vida do poeta em sua busca e questionamentos. A oposição vida/morte e seus significados, é tensa como tenso é o psiquismo, na incessante busca do MAIS GOZAR em choque com o real. O precipitar das manhãs, remete ao sentido fenomenológico, de medo e impotência do ser diante do mundo (Dasein). Na contradição do dia que se inicia, em ventos ázimos e flores aparece o gozar/não gozar. Essa tensão continua na metáfora chifres-arcos/olhos-deflorando, mostra o envolvimento do poeta em solário mar de búzios, tingindo com os arcos/olhos, a íris das manhãs.

Dentro da totalização do poema a eterna luta do claro-vida-morte. Arremessado na claridade (pureza) e brancura da manhã límpida (branca, garças, copos-de-leite, lírios, açucenas), desliza do medo (precipício) à paz das manhãs, onde contemplativamente observa colibris. Descansa das tormentas, e empunha a lira, agradecendo aos deuses pelo fausto. Mas, na paz das manhãs, aparecem os cascos duros que pisam o tapete de conchas, mostrando que a luta não pára. O recomeço atormentado é ágil exercício. Agradece às manhãs e tira a oferenda para o seu arquivo íntimo. Arquivo íntimo, onde as manhãs mergulham e apontam mistérios abissais: Agônicos, atormentados por falcões e tigres.

O regresso dos búfalos é o regresso da escuridão e da morte. A trajetória mostra claramente o temor diante do dia (vida) que principia e com ele o seu fim (morte). O ciclo vital iniciado com a ida-búfalos se precipitam, e a vinda-búfalos regressam se fecha.

A claridade/escuridão vai até a resolução em que a brancura predomina, até que de novo haja outra resolução, na chegada da noite. Esse jogo dialético impressiona pela velocidade de significantes, e pela sincronia das séries imagéticas: metáforas interligadas de modo coeso. Esse encadeamento vai desde a neblina, passa pelo clarão do sol (lampejante dia, brilhantes micas, sol do oriente), até que o sol se desloque ao ocidente e permita o regresso dos búfalos (negro lombo: dia findo).

A relação do escuro com o sofrimento (falcões e tigres), permite também a relação da luz com a paz e o descanso. O dia ainda é celebrado como uma liturgia no templo da natureza, onde as manhãs trazem como oferenda flor mística. A imagem de uma celebração litúrgica é confirmada pelo canto em uma igreja de abóbadas de conchas: Comunhão com a natureza. A vida ágil exercício é um recomeço e uma retomada, e apesar de se dizer dispersivo ao contemplar a paisagem, o poeta pega mais uma vez — refeito pelo descanso — a rédea do dia. Vai de encontro ao seu destino, sua história vai de encontro à noite. Os búfalos de negro lombo que regressam das pastagens, expressam o trato do sujeito poético atormentado por falcões e tigres - dilacerado.

Como a vida, a tensão presentifica-se em todo processo de metaforização: Búfalos - animais tensos -, as narinas agrestes, os ventos ázimos, chifres retorcidos, em arco retesado que nos olhos penetra. Até a imagem do colibri se ressente desse nó conceitual: Se mantêm no ar, as asas em movimento rapidíssimo, dentro de um atmosfera flamejante, límpida, brilhante, O poeta é testemunha permanente da mutação das coisas e do ser, como sujeito constante da própria mutabilidade.

O Haiku em Mínima Fratura
 

O universo filosófico oriental-não-cristão, onde o homem não cartesiano, é concebido holisticamente propicia maior união com a natureza. Na captação da natureza pela contemplação sensorial, há uma evolução da sensibilidade pela interiorização do exterior. Para o ocidental, o haiku, é uma nova forma de fazer poesia porque subverte o apelo da sensualidade (exteriorização do interior), para transformá-lo em sensibilidade (interiorização do exterior percebido pela meditação).

Nesse "Mínima Fratura", composto de 31 haiku (em versos de 5,7 e 5 sílabas), o poeta Anibal Beça, foge do exercício iniciado em Filhos da Várzea, que seguia a adaptação de Guilherme de Almeida.

O autor, instaura um novo modo de haiku. Desenvolve o tema em dois momentos de captação do acontecimento breve. No primeiro momento apresenta o tema, e no segundo - que é inovador - mostra a recriação do mesmo tema. Essa recriação, por vezes, tem o caráter explicativo como em:

I Momento -

Ao chegar da rua
os olhos do cão me dizem:
entre com ternura.

E a explicação:
IIº Momento -

Nos olhos do cão
eu recomponho essa calma
que só ele conhece.


Também a recriação abre no segundo momento a seqüenciação de nova cadeia de significantes como em:

Iº Momento -

Os urubus tingem
com seu risco de nanquim
o algodão dos céus.


Continuando na outra série de significantes:

IIº Momento -

De traje a rigor
os urubus em meneios
bailando nas nuvens.

 

Aponta, dessa maneira, o caráter de sistema aberto do haiku. Essa peculiaridade demonstra o momento lógico do poeta/poema.

Os haikus de Mínima Fratura são inspirados na originalidade da Escola Shõfu e Bashõ. Apresentam três termos constituintes na sua criação: Sabi, Shiori, e Hosomi. O primeiro, refere-se à sobriedade que nasce da meditação do poeta diante da natureza; o segundo à harmonia; e o terceiro à tranquilidade atenta que vem da contemplação poética.

Ainda neste livro, atinge o autor, uma sutileza e finura de expressão:

Iº Momento

O rio é uma cabra
berrante e bela balindo
bemóis que são ondas.

IIº Momento

Os sons deste rio
são como a cabra que berra
no pasto de curvas.

 

São dois instantes de contemplação, e mostram a captação instantânea do acontecimento breve pela meditação (Tempo lógico). A aliteração - já que o poema japonês não tem rima - também está presente em Mínima Fratura: Berrante, bela, balindo, bemóis e Os , sons, desse, são e como, cabra, curvas.

Todos os temas escapam ao regionalismo. Mesmo em:

Iº Momento -

No buritizal
palmas abraçam febris
ventos sensuais.

IIº Momento

Leques de palmeiras
no ritual enlaçados:
verde Kama Sutra.

 

O significado regional buritizal é universalizado pelo significado Kama Sutra, e Leques de palmeiras.

Com esse Mínima Fratura, o autor encerra o livro, fechando o ciclo que se propôs no título: Itinerário Poético dentro da Noite Desmedida, onde ele se expande em uma explosão do seu trato íntimo, que o leva à Mínima Fratura" dilacerado em fragmentos.
 

 

 

Maura Barros de Carvalhos, Tentativa de retrato da alma do poeta

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José Nêumanne Pinto