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Foed Castro Chamma

 

Confissões de Majela Colares
 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

22.07.2001

 

Do Poema Anônimo, na abertura de Confissão de Dívida e Outros Poemas, aos vários momentos da arte confessional que sobrevive desde o grego inventor da poesia lírica, Majela Colares inscreve em seu roteiro poemático um testemunho que bem define o que a História nem sempre recolhe da realidade individual, enquanto que a essência do Ser a linguagem poética não apenas captura como confirmam os frutos originários da negação do real através da simbólica mítica transformada em beleza e representação, como entendiam os gregos arcaicos por Belavoz (Calíope), segundo anotação de Jaa Torrano no estudo que faz à sua tradução da Teogonia de Hesíodo.

Sentir Recifense não é bem uma paródia ao poema Infância, de Manuel Bandeira, todavia Majela Colares o completa de modo desolado, onde se lê:

na rua
sombras
fogem
com a confissão mais adiante de que o mar:
chora por esta cidade que agoniza

Pessimismo inesgotável apesar da evocação de Lucrécio e a lógica heraclítica sintetizada na teoria de que (panta rei) tudo flui; em direção (ouso emendar), platonicamente, à mãe Memória, onde o círculo se fecha e de cujo núcleo emerge o Mito, em torno do qual o autor inscreve a vitória de asas sobre Cronos. E se o poeta manipula essências é o Anjo de remota origem a ressurgir ao rito da vida qual imagem de um Deus. Há no poema Homo-Cosmos uma teologia implícita que Majela Colares, de modo natural, corrobora em Gene, como se fora uma engenharia desenvolvida a partir da química original de água e cal. Em Momento Zero, sinaliza o buraco negro dos vórtices do tempo. Em O Tempo Seguinte o poeta pressente mutações históricas determinadas pela ciência e o ressurgimento dos deuses numa alusão remota a uma ética necessária frente ao Caos preconizado pela teoria quântica. A urgência de uma consciência das coisas diante do deus ex Máquina e o Registro virtual exigem a retomada da arcaica Areté com o ressurgimento tardio dos aristói entre os homens.

se deste amor restar-me só saudade
saudade viverei por desventura
desventura do amor completamente

Há nos versos em epígrafe extraídos do Soneto do Esquecimento ressonância da clássica dicção poética de Sá de Miranda. A língua portuguesa é revivida em um clima brasileiro de sereno desespero. O poema Visionauta configura o delineamento de uma poesia votada ao pessimismo à Leopardi de um saber que não condiz com o projeto alquímico de O Soldador de Palavras. O naufrágio na areia, do navio denota retorno temporário iminente de quem arquiteta plano mítico de sobrevivência.

Filosofia, Burocracia, Sociologia servem a um Romance Sócio-Burocrata, de configuração irônica. Símil a uma imitação demolidora de utopias viscerais. O poema em homenagem ao centenário de Canudos reedita a saga imortalizada por Euclides da Cunha, decantada recentemente por Carlos Newton Júnior na trágica dimensão de uma epopéia latina a lembrar os 500 anos do Descobrimento do Brasil. De maneira a tornar-se evidente o delineamento barroco do movimento Armorial, criado por Ariano Suassuna, ao qual a geografia de Canudos de Antônio Conselheiro, monarquista tardio, se inscreve. A Nau Capitânia reedita incorporando por outro lado ao pólo nordestino da estética nacional, o epocal a serviço de uma história que os poemas Futurismo Retrogrado, Muros e Cortinas e Filhos do sol denunciam no mesmo diapasão da paródia à qual a minipéia, a carnavalização, segundo o teórico russo Mikhail Bakhtine, se presta.

Em Estrutura Plana e Zoeira, Colares denuncia a precária contigência ideológica a transparecer ironicamente em Verde Pelúcia, Ciclo Temporâneo, Torrentes de Abril, Canto Jaguaribe, Vento Geral Aracati e Jaguaribe. Tais poemas denotam consciência crítica de uma realidade que não condiz com os nossos recursos tecnológicos, a qual persisti em subjugar todo o povo como heróis ao sofrimento estigmatizados pelo dramático dom da poesia. Majela Colares não é apenas o burilador da geometria poética: seu estro campeia na verdade:

o Sertão que ficou dentro de mim.

A energia do espírito criador, o domínio verbal de Majela Colares são marcos visíveis de uma arte poética que se depura generosamente e possui a marca de um campo de invenção subordinado ao Lógos.
 


Leia obra poética de Majela Colares

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

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Junot Silveira